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5.12.2014

Ivete Sangalo: "Nunca fiz a personagem de mim mesma"

A cantora mais popular do Brasil diz que detesta polêmica, defende o valor de sua música e torce pelo sucesso da Copa do Mundo

LUÍS ANTÔNIO GIRON Revista Época
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NA POSE A cantora baiana Ivete Sangalo em São Paulo. Ela lançará um DVD e fará turnê depois da Copa do Mundo (Foto: Gabriel Rinaldi/ÉPOCA)
Ela é a maior estrela da música brasileira. Mesmo assim, Ivete Sangalo diz não saber o que significa MPB. Aos 42 anos (em 27 de maio), essa baiana linda e elétrica de 1,75 metro, nascida em Juazeiro, afirma que não representa uma personagem. Em São Paulo, dá entrevista a  enquanto canta, ri, faz “selfies” com os fãs, degusta uma salada de frutas, tira o pé do chão, dança e requebra. “Ela não para”, diz sua secretária. Sem parar, Ivete comemora duas décadas de carreira solo com o CD e o DVD Multishow ao vivo – Ivete Sangalo 20 anos (Universal). A turnê começará após a Copa do Mundo – de cuja trilha Ivete não faz parte, para indignação dos fãs.
  –  Que balanço você faz da carreira?
Ivete Sangalo –
Foi fácil atravessar estes anos, porque nunca fiz a personagem de mim mesma. Sempre fui Ivete, espontânea e sem máscara. Não tenho know-how nessa onda aí.

  – Você já atuou em filmes e na novela Gabriela. Fez uma Maria Machadão convincente...
Ivete –
Tentei, né, bicho? Fazer Maria Machadão foi uma das coisas mais interessantes que já vivi fora da música. Apesar de não ser um personagem musical, ela tem um bordel e canta. Gostei, porque ela faz parte do nosso lugar, a Bahia, uma criação de Jorge Amado, uma intimidade, um sotaque. Quero repetir a experiência de atriz.

  – Como foi não ser uma personagem nestas duas décadas?
Ivete –
Descobri que tenho poder. E que esse poder é fluido. Se não tiver cuidado, dá tudo errado. Se você entra nessa de ser estrela e tal, você pira, negão. Você tem de usar direito o poder que adquiriu em seu exercício artístico. Existe muita confusão a respeito disso. Me vigio porque tenho consciên­cia de que viver minha vida na normalidade é um dos maiores presentes que dou a mim mesma.

  –  É possível levar uma vida dupla, de mãe e estrela?
Ivete –
É, sim. Não adianta se atormentar porque não pode ir ao shopping center. Lá, os fãs correm atrás de você – e daí você se lamenta porque é vigiada. É preciso entender que a fama é parte do trabalho, e que você tem uma vida na sua casa. Você chupa o osso da galinha. Me perguntam se gosto do osso da galinha, e respondo: gente, por que não gostaria do osso? Às vezes, faço uma análise cabeça: será que tenho tanto tempo vivendo isso que esqueci como é viver de outro jeito?

  – Os fãs sentem falta de ouvir uma música sua para a Copa do Mundo? Por que você não gravou uma?
Ivete –
Existe a verdade dos fãs. Se a festa acontecer na Copa sem um arranjo e se as pessoas cantarem minhas músicas, será uma satisfação íntima. Não falo da trilha da Copa do Mundo, que existe desde sempre. Lembra de “Voa, canarinho, voa”? Era música da Copa. Ninguém se lembra.

– Você emplacou músicas em outras Copas, como “Festa”, em 2002.
Ivete –
Sim, foi o sucesso da Copa do Japão e Coreia. Não tive responsabilidade sobre isso. Estava vendo o jogo de madrugada pela TV e me surpreendi quando a torcida começou a cantar minhas músicas. Meu Deus, minha música! Deixa tocar. Fiquei feliz. Do ponto de vista da vaidade artística, é sensacional. Foi algo espontâneo. Prefiro assim. Ivete não tem de fazer negócio da Copa, porque ela já fez isso na Copa passada. Todo mundo quer sentir o gosto do sucesso na Copa. Se, em algum momento, as pessoas cantarem minha música na Copa, vou soltar fogos.

  – Algum palpite para a Copa?
Ivete –
Você acha, fofinho, que vou dizer que o Brasil vai perder a Copa? Hein, meu tchuco?

  – Você parece avessa à polêmica.
Ivete –
Gosto de comer um acarajé, mas odeio polêmica.

"Adoro cantar música romântica. Falta dor de corno na música popular brasileira"
  – De qualquer forma, há um componente político na Copa. Pode haver protestos. Como você vê esse fenômeno?
Ivete –
Não temo os protestos. Há duas coisas: torcer para que o Brasil ganhe a Copa do Mundo não tem a ver com as distorções em torno do objetivo da festa. É uma festa do esporte. As situações em torno da festa, a gente não tem como dimensionar. Não sou capaz de fazer profecia. Tivemos um estopim dos protestos que parece não ter sido tão significativo. Há problemas maiores que a passagem do ônibus. Foi o momento em que a população entendeu que queria falar. Vamos esperar para ver, acredito no Brasil. A oportunidade de o país sediar uma Copa do Mundo é importante para a geração de emprego, de notoriedade e para a história do esporte da gente. Há muitas questões a analisar até a Copa do Mundo e depois dela.

– Como você viu os protestos aflorarem no Brasil em  junho de 2013?
Ivete –
Meu pai me dizia: “Seria tão bom se a gente soubesse a verdade das coisas”. O protesto, o grito e o dizer são legítimos e democráticos. A gente expressa o que deseja pelo voto ou pelo grito. É a forma de a população se manifestar. Mas tem sempre alguém com interesse em fazer baderna. Tem black bloc que nem sabe o que é black bloc e vai para a rua com a máscara, acha que é contundente. Gostaria de perceber a verdade de tudo, não só dos protestos.

  A verdade não tem vindo à tona, com o julgamento do mensalão e a Comissão da Verdade?
Ivete –
Isso é urgente no processo democrático. A corrupção não pode existir. Só quero que isso seja de verdade. Vou esperar um pouco para dar uma opinião sobre o assunto.  Em alguma hora a versão muda. As versões se alteram o tempo todo. Os técnicos de som me perguntam se quero ir ao estúdio para ouvir a mixagem. Eu não. Já cantei. Meu diretor musical é que vai mixar. Eles perguntam se não quero refazer isso ou aquilo. Respondo: refazer o quê? A verdade é que a maior parte dos discos ao vivo hoje é feita na mesa de som e é vendida como ao vivo. Você saberá a verdade desse disco totalmente? Não, salvo se você souber de alguém lá de dentro a verdade verdadeira. A mesma coisa ocorre na política.

– Você nunca apoiou políticos?
Ivete –
Não me meto em política. Talvez nós, artistas, não tenhamos de dar opinião sobre política, porque isso pode gerar um grande equívoco nas pessoas. A gente tem o poder de criar modas. Criar moda em política é leviano.

  – Você já tentou agradar à crítica com um disco de MPB. Por que parou?
Ivete –
Alguém me explica o que é MPB? Não sei o que é. Espero que o momento atual se torne cult daqui a 30 anos. Alguém gravará o que toca hoje na rádio e hoje é condenado. O resgate será chique. Porque pegarão um lance que no passado era uma condenação e projeta ali o que era bonito. Quantos resgates se fazem hoje de pessoas execradas nos anos 1950 e 1960? Eram infames. Hoje, são considerados incríveis.

– A música popular brasileira se degradou nos últimos anos?
Ivete –
O que pode ser verdade para você, em mim não faz cosquinhas. Não podemos determinar o que é música boa ou ruim. Não gosto de rótulos. Limitar a música é perda de tempo.

  – Você cantaria funk ostentação?
Ivete –
Talvez não tenha um talento para o funk ostentação, como não tenho para ópera. Já tentei funk (começa a cantar e dançar funk direitinho). Tudo é bom. Me sinto à vontade cantando funk e rap. Mas prefiro ir aonde me sinto confortável: o samba, o reggae e as coisas da Bahia.

  – O sertanejo e o brega atuais são mais bem-humorados que os do passado. A morte de Reginaldo Rossi não interrompeu a linha “cornológica” da música popular brasileira?
Ivete –
Adoro interpretar música romântica. Falta dor de corno na música popular brasileira. Mas é claro: se tiver muita dor de corno, dirão que só toca dor de corno. Isso é difícil de aguentar. O Pablo faz música assim. Gravei com ele e disse: Pablo, você sabe das coisas (canta canções de Pablo).  Amo o Pablo. No passado, tinha o Waldick, maravilhoso. “Eu não sou cachorro, não...”

  – Você se arrepende de alguma coisa?
Ivete –
Não me arrependo de nada. Ainda mais porque o fruto do que já vivi é o que sou hoje. Será que, se tivesse voltado atrás e mudado alguma coisa, estaria bem comigo mesma? Não. Posso ter amaldiçoado um momento. Mas nunca relacionado a música. Toda canção vale a pena.

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