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6.01.2014

Vamos ter uma grande copa do mundo...apesar de todos os problemas


Mesmo com as obras inacabadas, dinheiro público jogado fora e a violência dos protestos, os brasileiros estão prestes a desfrutar de um período histórico: o melhor campeonato de futebol em décadas

Amauri Segalla

Na semana passada, quem esteve na Granja Comary, em Teresópolis, local de treinos da Seleção Brasileira de Futebol, observou um espetáculo que se repete quase todos os dias. Nas primeiras horas da manhã, uma densa neblina cinzenta encobre o lugar, mas pouco depois ela é substituída por um sol luminoso. Não poderia haver imagem mais precisa para descrever as contradições da Copa do Mundo no Brasil. A Copa da incompetência, das obras prometidas e não entregues, dos protestos violentos e do oportunismo das greves está envolta por uma espessa camada de sombras, como se nuvens escuras anunciassem uma tempestade que se aproxima. Mas há uma outra Copa também, tão radiante quanto os dias ensolarados de Teresópolis, e que poderá ser conhecida e reverenciada nos pés hábeis de craques como Neymar e dos jogadores brasileiros concentrados na Granja Comary. Sim, vai ter Copa, mas não uma só. Uma escancara, para o mundo inteiro ver, as profundas mazelas nacionais. A outra será um torneio extraordinário de futebol, provavelmente o melhor em décadas, marcado por talentos excepcionais, rivalidades à flor da pele, embates para entrar na história.
abre.jpg ÍDOLO
Neymar na saída de um amistoso do Brasil:
o que ele tem a ver com o dinheiro público desperdiçado?
As duas faces da Copa são expostas todos os dias – e certamente cada vez mais, até o apito final da competição. Na terça-feira 27, durante um protesto contra o Mundial, um índio disparou uma flecha em direção a um grupo de policiais que acompanhava o ato em Brasília. O artefato atingiu a perna de um soldado, ferindo-o. Na mesma terça, o lateral-esquerdo Marcelo, o último jogador que faltava para completar o grupo dos 23 convocados, se apresentou na Granja Comary. A flechada e o sorriso farto de Marcelo ao se encontrar com o técnico Luiz Felipe Scolari são exemplos acabados do que está por vir. De um lado, confrontos que produzem vítimas. De outro, a festa do futebol.
COPAABRE-02-IE-2323.jpg PROTESTO
Índio dispara flecha contra policiais diante do Estádio Mané Garrincha,
em Brasília. Abaixo, o soldado atingido
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Por que, afinal, tantas pessoas amam odiar a Copa no Brasil? Desde as legítimas manifestações que começaram em junho do ano passado, construiu-se a imagem de que o Mundial é responsável pelas desgraças da nação. Essa percepção está correta? Talvez ela seja resultado de uma mentira contada a partir de 2007, quando o Brasil foi escolhido sede da Copa. Autoridades de governos, integrantes notáveis do Comitê Organizador Local (COL) e a própria imprensa disseram, ou pelo menos insinuaram, que o torneio de futebol seria o antídoto para todos os males nacionais. Teríamos, enfim, aeroportos reluzentes, estradas seguras, metrôs confortáveis, segurança pública eficiente. Quase nada disso virou realidade. Pior ainda: ao desapontamento juntaram-se denúncias de corrupção e muito dinheiro jogado na lata do lixo. O resultado é conhecido. Hoje em dia, um contingente enorme de brasileiros associa imediatamente Copa a roubalheira, futebol a ineficiência, Fifa a abusos. Daí a possibilidade de amplos protestos durante a Copa. Para contê-los, o governo federal aposta na militarização das ruas, com tanques do Exército e policiais da Força Nacional de Segurança.
COPAABRE-04-IE-2323.jpg FESTA
Ruas decoradas em Natal: por que não admitir que a
Copa é bacana para um País como o Brasil? 
A Copa será realizada num momento em que o Brasil dá motivos para o descontentamento. Basta dar uma olhada em alguns indicadores para conhecer o alto grau de incivilidade a que nos submetemos diariamente. Na semana passada, saíram os resultados do “Mapa da Violência”, estudo anual que detalha as mortes por causas extremas. O Brasil retrocedeu mais de três décadas, atingindo a maior taxa de homicídios de que se tem registro desde 1980. Isso depois de incontáveis anún­cios de políticas de segurança e após vultosos investimentos financeiros. Só os brasileiros sabem como tem sido difícil admirar o País. O transporte público é horrível. A economia não anda. Hospitais matam em vez de salvar. Falta água. Tudo é caro. São flagelos demais para uma nação inteira ignorar. “A população nas ruas é uma indicação de que os canais existentes para exercer a cidadania não são suficientes”, diz Gustavo Azenha, diretor do centro de estudos brasileiros da Columbia University.
COPAABRE-06-IE-2323.jpg FORÇAS NAS RUAS
Tropa do Exército na base aérea de Salvador (abaixo) e treinamento
de policiais em Brasília: atentos às manifestações
COPAABRE-05-IE-2323.jpg
E o futebol, como fica nessa história? Reconheça-se que fizemos quase tudo errado, mas por que não admitir que é bacana demais uma Copa do Mundo no Brasil? Por que não separar os problemas da nação de algo totalmente diferente – as jogadas geniais, os dribles desconcertantes, os gols sensacionais? O que Neymar tem a ver com o dinheiro público despejado vergonhosamente nos estádios? Ou Messi? Ou Cristiano Ronaldo? Os três são as maiores estrelas do torneio e certamente entrarão para a história como figuras gigantescas do futebol. Por que não desfrutar, neste momento único, do que elas têm para oferecer? Dentro dos gramados, a Copa do Brasil vai reunir, como poucas vezes se viu, uma constelação de craques no auge da forma, seleções que são verdadeiros esquadrões e tudo isso sob os olhos de uma torcida que sabe celebrar como ninguém. “Como o Brasil é o País mais festejado do mundo do futebol, cria-se a expectativa de ser uma Copa inesquecível”, diz Tostão, titular da Seleção tricampeã em 1970 e hoje um analista reconhecidamente independente. 
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Mesmo fora do universo do futebol, a Copa não deixará apenas legados nefastos. Há algo de positivo também. No turismo, espera-se a chegada de 600 mil visitantes, mas esse não é o único ponto favorável. “Com a Copa, o Brasil vai economizar na propaganda dos destinos, o que normalmente tem um custo enorme”, diz Elzário Pereira da Silva Júnior, presidente da Associação Brasileira de Profissionais do Turismo. “O Mundial será benéfico para o turismo do País inclusive depois de acabar.” Em termos de infraestrutura, a Copa acelerou obras importantes. É um absurdo as reformas dos aeroportos não terem terminado a tempo, mas elas pelo menos estão em andamento. Sem a Copa, as autoridades teriam disposição política para começá-las? Muitas obras de mobilidade urbana também saíram do papel graças ao torneio de futebol. No Rio, o corredor expresso Transcarioca, que liga a Barra ao Aeroporto do Galeão, terá 20 de suas 45 estações funcionando durante os jogos, e as demais devem ficar prontas até o final do ano. Em Itaquera, onde se dará a partida inaugural, as obras viárias do entorno do estádio devem melhor a vida dos moradores do bairro periférico de São Paulo. A Copa trará nuvens pesadas para os céus brasileiros, mas o sol brilhará também.
Com reportagem de Camila Brandalise
Fotos: Sérgio Lima/Folhapress, Bruno Kelly/Reuters; Luciano da Matta/A Tarde/Ag. O Globo; Andre Borges/ComCopa

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