webmaster@boaspraticasfarmaceuticas.com.br

7.21.2014

Alegria e tristeza


















Rubem Alves

Freud disse que são duas as fomes que moram no corpo. 
A primeira fome é a fome de conhecer o mundo em que vivemos.
 Queremos conhecer o mundo para sobreviver. 
Se não tivéssemos conhecimento do mundo à nossa volta,  saltaríamos pelas janelas dos edifícios, ignorando a força da
 gravidade, e poríamos a mão no fogo, por não saber que o fogo queima.

A segunda fome é a fome do prazer.

 Tudo o que vive busca o prazer. 
O melhor exemplo dessa fome é o desejo do prazer sexual.  Temos fome de sexo porque é gostoso.  Se não fosse gostoso, ninguém o procuraria e, como  conseqüência, a raça humana acabaria.
 O desejo do prazer seduz.

Gostaria de poder ter tido uma conversinha com ele 
sobre as fomes, porque eu acredito que há uma terceira:
 a fome de alegria.

Antigamente eu pensava que prazer e alegria eram a mesma coisa. 
Não são.
 É possível ter um prazer triste. A amante de Tomás,
 da A Insustentável Leveza do Ser, se lamentava:
 “Não quero prazer, quero alegria!”

As diferenças. Para haver prazer é preciso primeiro que 
haja um objeto que dê prazer: um caqui, uma taça de vinho,
 uma pessoa a quem beijar. Mas a fome de prazer logo se
 satisfaz. Quantos caquis conseguimos comer? 
Quantas taças de vinho conseguimos beber?  Quantos beijos conseguimos suportar?
 Chega um momento em que se diz:
“Não quero mais. Não tenho mais fome de prazer...”

A fome de alegria é diferente. Primeiro, ela não precisa

 de um objeto. Por vezes, basta uma memória.
 Fico alegre só de pensar num momento de felicidade que 
já passou. E, em segundo lugar, a fome de alegria jamais diz:  “Chega de alegria. Não quero mais...” A fome de alegria é insaciável.

Bernardo Soares disse que não vemos o que vemos,

 vemos o que somos. Se estamos alegres, nossa alegria 
se projeta sobre o mundo e ele fica alegre, brincalhão.  Acho que Alberto Caeiro estava alegre ao escrever este poema:
 "As bolas de sabão que esta criança se entretém a largar de uma palhinha são translucidamente uma filosofia toda.
 Claras, inúteis, passageiras, amigas dos olhos, são aquilo
 que são... Algumas mal se vêem no ar lúcido. 
São como a brisa que passa...E que só sabemos que passa porque qualquer cousa se aligeira em nós...”

A alegria não é um estado constante – bolas de sabão. 
Ela acontece, subitamente. Guimarães Rosa disse que a
 alegria só acontece em raros momentos de distração. 
Não se sabe o que fazer para produzi-la. Mas basta que  ela brilhe de vez em quando para que o mundo fique leve
 e luminoso. Quando se tem a alegria, a gente diz:
 “Por esse momento de alegria valeu a pena o Universo ter sido criado”.

Fui terapeuta por vários anos. Ouvi os sofrimentos de

 muitas pessoas, cada um de um jeito. Mas por detrás
 de todas as queixas havia um único desejo: alegria. 
Quem tem alegria está em paz com o Universo, sente  que a vida faz sentido.

Norman Brown observou que perdemos a alegria por 
haver perdido a simplicidade de viver que há nos animais.
 Minha cadela Lola está sempre alegre por quase nada. 
Sei disso porque ela sorri à toa. Sorri com o rabo.

Mas, de vez em quando, por razões que não se entende bem,

 a luz da alegria se apaga. O mundo inteiro fica sombrio e pesado. 
Vem a tristeza. As linhas do rosto ficam verticais, dominadas
 pelas forças do peso que fazem afundar. Os sentidos se
 tornam indiferentes a tudo. O mundo se torna uma pasta 
pegajosa e escura. É a depressão. O que o deprimido deseja é perder a consciência de tudo para parar de sofrer.  E vem o desejo do grande sono sem retorno.

Antigamente, sem saber o que fazer, os médicos prescreviam

 viagens, achando que cenários novos seriam uma boa distração 
da tristeza. Eles não sabiam que é inútil viajar para outros lugares
 se não conseguimos desembarcar de nós mesmos.
 Os tolos tentam consolar. Argumentam apontando para
 as razões para se estar alegre: o mundo é tão bonito... 
sso só contribui para aumentar a tristeza. As músicas doem.
 Os poemas fazem chorar. A TV irrita. 
Mas o mais insuportável de tudo são os risos alegres dos
 outros que mostram que o deprimido está num purgatório
 do qual não vê saída. Nada vale a pena.

E uma sensação física estranha faz morada no peito, 
como se um polvo o apertasse. Ou esse aperto seria
 produzido por um vácuo interior? 
É Thanatos fazendo o seu trabalho.  Por que quando a alegria se vai ela entra...

Os médicos dizem que a alegria e a depressão são as 
formas sensíveis que tomam os equilíbrios e os desequilíbrios  da química que controla o corpo. Que coisa mais curiosa:
 que a alegria e a tristeza sejam máscaras da química! 
O corpo é muito misterioso...

Aí, de repente, sem se anunciar, ao acordar de manhã, 
percebe-se que o mundo está de novo colorido e cheio  de bolhas translúcidas de sabão...  A alegria voltou!

Nenhum comentário:

Postar um comentário