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7.02.2014

PAPA FRANCISCO ENFRENTA A ALA CONSERVADORA DA IGREJA


Vulnerável? O papa no Vaticano, em 28 de junho: ‘um grupo de cardeais não queria mudanças e temia uma limpeza. Esse grupo impulsionou a candidatura de Odilo Scherer’, afirma a jornalista
Foto: Riccardo de Luca/AP
RIO - No intenso início de seu pontificado, Francisco levou a Igreja a fazer voto de pobreza e prometeu reformar a Cúria e o Banco do Vaticano. Sua ascensão é amparada por alta popularidade, mas alvo de ‘tramas’ e intrigas de setores conservadores arraigados ao poder. Amiga do Papa, a jornalista argentina Elisabetta Piqué narra esses bastidores no livro “Papa Francisco — Vida e Revolução”, que a editora LeYa lança este mês no Brasil.Depois de entrar pela primeira vez na Capela Sistina com o hábito branco papal, o cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio, que viria a ser Francisco, quebra o protocolo. Em vez de se dirigir à sacada para cumprimentar o povo, caminha até um canto para cumprimentar um cardeal doente. No caminho, tropeça em um degrau, pois as vestes são grandes demais para ele. Esta é uma das passagens que Elisabetta descreve com riqueza de detalhes. Mas não é, de longe, uma tônica das dificuldades — bem mais sérias — que ele enfrentou neste ano e meio à frente da Santa Sé.
Seu pedido por uma Igreja pobre chocou não poucos cardeais, que temem reformas na Cúria e no quase secreto Banco do Vaticano. Da simples Casa de Santa Marta, onde vive (e não no Palácio Apostólico, como quase todos os seus antecessores), assinou mudanças no Código Penal e pregou contra a pedofilia no Vaticano. Não é só: Francisco fez declarações que denotam uma inédita abertura aos gays.
Assim que escolheu o nome Francisco, o cardeal Jorge Mario Bergoglio impôs uma “Igreja para os pobres”, o que promoveu muitas resistências internas. Por que esse ideal provocou um choque tão grande?
Segundo o vaticanista Marco Politi, exigir uma Igreja pobre coloca em contradição os estilos de vida e comportamento de eclesiásticos. Outro escritor, Vittorio Messori, gerou grande controvérsia ao dizer que Jesus tinha condições econômicas e, quando foi crucificado, usava uma veste costurada com um só pedaço de tecido, um luxo raro. De acordo com ele, “Jesus vestia Armani”. É uma amostra de como Francisco incomodou ao quebrar o estilo tradicional de um pontífice. Está claro que ele quer renovar e reformar a Igreja, que, como declarou o cardeal jesuíta Carlo Maria Martini (1927-2012), está pelo menos 200 anos atrás dos tempos atuais.
Bergoglio ficou em segundo lugar no conclave de 2005, quando Joseph Ratzinger se elegeu Papa Bento XVI. Quando voltou à Argentina, confessou a um amigo que nunca sofreu tanto. Por quê?
Bergoglio se sentiu manipulado. Sabia que parte dos cardeais votou nele meramente porque não gostava de Ratzinger. Foi, então, usado para atrasar o resultado do conclave. Ao mesmo tempo, seus inimigos comunicavam aos cardeais que Bergoglio foi cúmplice da ditadura argentina, o que era uma acusação falsa. De fato, logo após a eleição de Bento XVI, seus adversários tramaram manobras para tentar afastar Bergoglio da Argentina e levá-lo para a Cúria, que tem um estilo tão oposto ao seu. Seria, para ele, um golpe mortal. Ele admitiu em uma entrevista: “Eu morro se tiver que ir à Cúria”.
E o que mudou no ano passado? Ele estava preparado para assumir o Vaticano?
Acredito que sim, mas inconscientemente. Bergoglio sempre disse que uma pessoa precisa ser louca se deseja ser Papa. No entanto, ele teve tempo para se mostrar um líder engajado e que se mantém autêntico. É, então, a pessoa certa para uma Igreja que enfrenta escândalos como abuso sexual de menores e roubo de documentos confidenciais.
No último conclave, acreditava-se que seu principal adversário era o arcebispo de São Paulo, Odilo Scherer, avaliado como um conservador. É possível dizer como seria a Igreja hoje, caso ele tivesse vencido?
Não, é arriscado fazer qualquer associação. O que sabemos é que um grupo de cardeais não queria mudanças e temia uma limpeza depois do pontificado de Bento XVI. Esse grupo foi o responsável por impulsionar a candidatura de Scherer.
Desde o conclave, Francisco mora na Casa Santa Marta. É o primeiro Papa, desde o século XIV, a não ocupar o Palácio Apostólico ou locais onde, agora, estão os museus do Vaticano. Ainda existe pressão para que ele se mude?
Não. As pessoas já entenderam que não existe essa possibilidade. Então, desistiram de qualquer argumento.
A senhora já ouviu algumas pessoas dizerem na rua que Francisco poderia ser “envenenado, assim como aconteceu com João Paulo I”, porque ele é “puro e humilde demais”. O que acha desse medo?
Não acredito que o Papa corra perigo. Mas entendo essa “sabedoria popular”, porque já é evidente que Francisco está realmente tentando reformar a Cúria, inclusive enfrentando o lado obscuro do Vaticano, que, nos últimos anos, tornou-se uma fonte de intrigas e jogos de poder. Francisco quer eliminar o carreirismo e a “psicologia dos príncipes”.
Outro temor dos conservadores da Cúria seria o destino do Banco do Vaticano...
Sim, um setor da Cúria estava apavorado com a possibilidade de que Francisco acabasse com o Instituto para as Obras de Religião (IOR), muitas vezes chamado erroneamente de Banco do Vaticano. Francisco criou uma comissão para investigar o órgão, ouviu seus relatos e concluiu que o banco deve continuar como uma instituição financeira a serviço da Igreja, mas tomou medidas para que seja totalmente transparente. Ele mudou a administração e tem, agora, consultoria empresarial.
Como é a relação entre Francisco e o Papa emérito Bento XVI?
Francisco já declarou que considera Bento um avô da Igreja. Eles conversam muito por telefone, trocam recados e, às vezes, se encontram. A convite de Francisco, Bento foi a um encontro de cardeais em fevereiro e à canonização de João XXIII e João Paulo II, em abril. Francisco disse publicamente que Bento não é uma estátua de museu, e sim uma instituição que abriu as portas para a aposentadoria de papas. Também destacou a coragem que Bento teve para renunciar. Este, por sua vez, disse, em carta a um teólogo, que estava muito grato pela “grande identificação de visões” com o sucessor.
Que política de Bento XVI foi continuada por Francisco?
A “tolerância zero” ao abuso sexual de crianças. De fato, Francisco criou uma comissão para investigar casos de pedofilia e, na semana passada, pela primeira vez, um núncio (Jozef Wesolowski), ex-embaixador da Igreja na República Dominicana, foi condenado de acordo com o Código Penal do Vaticano.
A senhora conhece o Papa há 13 anos. Acredita que sua relação pessoal com ele influenciou ao escrever o livro?
Claro. Mesmo que seja uma biografia não autorizada, escrevi de uma forma objetiva. Fui honesta e nunca escondi minha admiração por Jorge Bergoglio.
Sabe-se que Francisco não gosta de TV. Ganha DVDs, mas não assiste a eles. E acha que os noticiários são uma “baixaria”. O que ele vê?
Ele viu o filme “A vida é bela”, de Roberto Benigni (1997). Deve ter gostado. E não vê os jogos da Copa, mas se interessa pelos resultados.

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