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7.27.2014

Protestos e abusos

Em um Estado Democrático de Direito, quais são os alcances e limites da polícia?
Fernando Frazão/ABr
Protesto
Quais são os alcances e limites da polícia?
A polícia civil do Rio de Janeiro, no exercício da sua função de polícia judiciária, preparou um relatório de cerca de 2 mil páginas sobre ações violentas de infiltrados em manifestações populares de protestos e a contar de outubro de 2013. Trata-se de relatório sigiloso que serviu de base ao Ministério Público Estadual para denunciar 23 indiciados, todos eles com prisões cautelares decretadas e a maioria foragida. Os réus reclamam por não ter acesso ao documento, e têm razão, porque o sigilo compromete a garantia constitucional da ampla defesa.
Esse relatório especifica, consoante vazamentos à mídia, a formação de uma organização criminosa do tipo “bando armado” e comprometedora da paz pública (artigo 288 do Código Penal). Ainda mais, esse  bando, formado não só por  encapuzados (black blocs), contaria com cúpula de governo, hierarquia entre os membros associados e com as comunicações e as ordens transmitidas a distância, por meio de internet. Suas ações teriam resultado em  concretos danos aos patrimônios público e privado, na morte de uma pessoa com emprego de explosivo,  lesões corporais diversas, vandalismos e quejandos: existe menção a uma ordem não cumprida de se incendiar, com emprego de gasolina, a sede da Câmara Municipal. A denúncia restou recebida pelo juiz natural da causa e os 23 denunciados, com prisões preventivas impostas,  viraram réus em ação penal pública incondicionada.
Com efeito, para macular a imagem do Brasil, colocar o governo Dilma Rousseff em incômodos internacionais e transformar a ação penal em questão política e não criminal, a advogada Eloísa Samy, e outros dois jovens com ela denunciados processualmente, tentou sem sucesso obter asilo político no consulado uruguaio. Isso como se estivéssemos no tempo do Estado Novo ou sob o império do Ato Institucional nº 5, épocas de suspensão da garantia do habeas corpus.
O certo é que vivemos num Estado Democrático de Direito, e ações penais e prisões, ilegais ou abusivas, podem, pelos constrangimentos gerados, ser trancadas e levantadas por habeas corpus. Esse remédio heroico apareceu, pela primeira vez, no nosso Código de Processo Penal de 1832 e ingressou, para ficar em constituições posteriores, na primeira republicana de 1891. Sua origem, de fato, remonta à Magna Carta de 1215. Por outro lado, os processos criminais são regidos por princípios e garantias constitucionais, como ampla defesa, contraditório, juiz natural e não de exceção etc. Donde absurdo o pedido de asilo político feito pela advogada Eloísa Samy.
Agora e fora dos autos processuais, grupos de ativistas acusam as autoridades brasileiras de manipular a Justiça a fim de, com prisões determinadas pelos juízes e ações policiais arbitrárias e violentas, inibir manifestações de rua constitucionalmente admitidas. No momento, até os asfaltos pisados das ruas das passeatas de protestos sabem do despreparo e abusos das polícias militares e da fúria dos black blocs, que se apresentam como adeptos de uma tática de protesto e não como criminosos, ou seja, associados na promoção de vandalismos, agressões físicas, morte e confrontos com as forças de ordem. E os black blocs foram, pela violência, os que  inibiram uma maior participação popular.
Conclusão isenta de paixões: as manifestações não pacíficas são ilegítimas e os abusos policiais ocorrem quando cerceiam as manifestações ordeiras ou  excedem os limites da defesa social.
Fora isso tudo, é de se lamentar o último factoide criado pela Polícia Civil do Rio de Janeiro. A deputada Janira Rocha (PSOL) está sendo investigada, em tese, por crime de favorecimento pessoal. Nada mais absurdo em momento algum, e quando esteve no Consulado do Uruguai para acompanhar a advogada Eloísa Samy e os dois outros réus, colocou obstáculos, atrapalhou ou auxiliou, como diz o tipo penal, “a subtrair-se à ação de autoridade pública o autor de crime”.
Os policiais não estavam presentes quando a deputada saiu do Consulado do Uruguai na companhia dos denunciados e deu carona a eles até suas casas. Na verdade, um factoide, uma vez que os policiais, portadores de ordens judiciais de prisão preventiva, passaram pelo consulado e, mesmo sabendo das presenças, deixaram o local antes da saída dos denunciados. Pelo jeito, a polícia ainda não teve tempo de procurar a estes nas suas residências.
Pano rápido. Como bem observou o jornalista Octávio Guedes, os denunciados, pertencentes à chamada classe média, estão a exercitar legitimamente o direito pleno de defesa, de petição (reclamação), e de pleitear habeas corpus, mas a mesma sorte não tiveram, poucos dias atrás, três jovens pobres, dois deles presos e sumariamente assassinados por policiais militares do Rio, como está sendo amplamente divulgado pela mídia carioca.

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