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8.10.2014

Celebrar a vida - Recuperando o contato com os ciclos




Vivemos num mundo muito pobre em rituais, e dizer isso significa dizer também que perdemos o contato com os ciclos. Por isso, gostaria de começar o artigo desta semana com um desafio. Pare e respire fundo. Olhe ao seu redor. Olhe para si. Quais ciclos você percebe? O ciclo da terra em torno do sol, e em torno dela mesma. O ciclo da lua e das marés. O ciclo das estações do ano. Agora aproxime-se de sua própria vida. Talvez seja mais fácil começar percebendo na gente mesmo os ciclos concretos, do corpo: o ciclo menstrual das mulheres, os ciclos de sono/vigília, o sangue circulando pelo corpo, os hormônios e outras substâncias que o corpo produz e libera sempre no mesmo equilíbrio para manter a nossa harmonia. Agora, vamos sair do concreto. A forma como levamos nossa vida também é o nosso ciclo. As nossas rotinas diárias, seja em casa, no trabalho, nos estudos e até na vida espiritual, também são ciclos que vivemos.

  




Por que perdemos o contato com os ciclos?



Um dos maiores motivos para isso é que o mundo em que vivemos deixou de ser guiado pelas tradições e passou a ser cada vez mais dominado pelas regras rígidas e burocráticas de uma realidade baseada na lógica produção – consumo desenfreado – descarte. Ou seja, é preciso produzir mais e mais, para sustentar o consumismo. Ao mesmo tempo, se o consumismo é tão valorizado, todos esses bens são meio que vistos como descartáveis. Isso mexe na forma como vivemos e como pensamos a questão do nosso tempo. O tempo deixa de ser aquele espiral harmonioso, formado por ciclos e passa a ser mais como uma “linha do tempo”. Com isso, perdemos o contato com a história, pois numa reta, o passado fica cada vez mais distante, cada vez mais difícil de ser lembrado. E o futuro também é um tempo fora de acesso, não é o retorno de uma parte do ciclo, passa a ser visto como algo distante da nossa vida, algo que não temos a menor ideia de como será. E aí surgem os desânimos, a insegurança, os medos, o sentimento de solidão e de impotência. Parece que a vida não é nossa, porque nós perdemos o ritmo que os ciclos davam. É como se o tempo apenas fosse passando, alheio a nós e aos nossos sentimentos.





Poxa, mas e agora?!              



O jeito é recuperar nosso contato com os ciclos, seja os ciclos do mundo, seja os nossos próprios ciclos. Esse contato nos leva a uma vida mais equilibrada e com mais sentido, pois nos traz o sentimento de que a vida que levamos (e não “a vida que nos leva”) é de fato nossa.



Para isso, basta ter a intenção e estar atento ao dia a dia. É comum parecer difícil e até meio estranho no começo, mas insista. Não se deixe levar por pensamentos como “não tenho tempo” ou “não vou conseguir”. É claro que vai. Os ciclos são partes de nós.



Depois de identificar os ciclos que existem na sua vida, basta dar atenção às passagens. Marcá-las de um jeito que seja eficiente para você. Podem ser coisas simples e corriqueiras que ganham o nosso olhar especial. Por exemplo, a passagem do sono para o despertar pode ser marcada com a anotação (mesmo breve) do sonho no seu diário de sonhos (em artigos futuros vamos conversar sobre como fazê-lo e trabalhar com ele), ou ainda por um café da manhã gostoso e saudável. A passagem daquele momento em que chegamos em casa depois do trabalho ou dos estudos, pode ser marcada e celebrada com um banho revigorante. Capriche e se envolva, crie um ambiente gostoso com velas ou flores e uma toalha sequinha e macia. Imagine a água levando embora as preocupações e tensões do dia... Se dê um tempo e cuide de você.




Os momentos mais únicos e marcantes (aniversários, casamento, a primeira menstruação da menina, tornar-se mãe/pai/avô ou avó, mudar-se para outra casa, mudar de trabalho, terminar a escola, aposentar-se...) também podem ser celebradas. Os povos antigos chamavam este tipo de celebração de “ritual de passagem”. Isso significa que a pessoa deixa um momento da vida e inicia um novo ciclo. Para isso, muitas vezes ela precisa transformar os papéis que vive, deixar papéis antigos e que já não cabem na nova realidade para trás (como quando deixamos o papel de criança e nos tornamos jovens adultos), e também abraçar e incorporar papéis novos. O rito de passagem, como nos conta o antropólogo francês Arnold van Gennep (1873-1957), que estudou a fundo este tipo de ritual em diversos povos ao redor do mundo, ajuda a pessoa que passa pelo ritual a assumir o novo papel com mais confiança e ajuda também as outras pessoas a aceitarem que aquela pessoa já não é mais a mesma: agora tem novas responsabilidades e novos direitos, e pode se comportar de forma diferente do que costumava no antigo papel (por exemplo, ao tornar-se adulto, ao assumir uma profissão, ao ser iniciado numa tradição espiritual, etc.).
Sugestões para celebrar a vida e retomar o contato com os ciclos



- Fazer das férias, feriados, finais de semana ou dias de folga uma oportunidade de viver o “mundo da vida”, e não o “mundo da burocracia e das regrinhas sem sentido”.



- Repare nas mudanças ao seu redor... nas fases da lua, estações do ano, momentos que você vivencia...



- Passe um dia inteiro sem celular e sem relógio. Se, como no meu caso, algum desses itens é indispensável na sua profissão, faça isso num dia de folga. É uma delícia passar um domingo sem ter a menor ideia de que horas acordou ou que hora vai almoçar. Quando der vontade! Deixe seus ciclos te guiarem ao invés de deixar-se guiar pelo relógio.



- Nas datas especiais e momentos de grandes passagens (como aniversários e mudanças em geral), marque a passagem com algo especial. Não precisa ser nada muito pomposo e complicado. Reunir pessoas queridas, dizer e ouvir palavras carinhosas e dividir uma refeição especial (mesmo que um simples sanduíche), já é um ritual de passagem poderoso. Porque assim podemos dizer adeus à fase e ao papel que se vai e dar as boas-vindas ao novo.



- Para as mulheres... celebrem o período da menstruação. Isso é especial, eu diria até que é um dos nossos maiores ciclos. Você pode celebrar dando atenção a si mesma nesses momentos. Pare um pouco a correria e medite. Cuide de você sem ter de se entupir de remédios e fingir que não tem nada acontecendo. É claro que tem! Este é o início de um novo ciclo, faça algo que gosta para comemorar!


- Abrace. Não aquele abraço frio e engessado de uma fila de condolências. Um abraço de verdade, um abração! Abraçar nos faz acolher o outro e também nos sentirmos acolhidos. Faz sentir que somos parte de algo que vai além de nós mesmos e a perceber que é nesse vácuo entre o outro e a gente que a vida pulsa e se realiza.

Artigo  publicado originalmente no site Frutos do Carvalho,

Bia F. Carunchiohttp://2.gravatar.com/avatar/d188cf6a1f305381b2b9fbd2ce1a0f25

Escritora, psicóloga e neuropsicóloga. Mestre em Ciências da Religião pela PUC-SP. Especialização em neuropsicologia e psicobiofísica.

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