O sistema financeiro não economiza fichas para derrotar a candidata do PT
por Carlos Drummond
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Agência Petrobras
As mudanças na Petrobras promovidas por Lula e Dilma estão na base da insatisfação
O ex-ministro
Delfim Netto vale-se de uma comparação para explicar a democracia
moderna. Ela seria resultado, diz ele, de um equilíbrio entre “as urnas e
os mercados”. Um existe para corrigir o outro e formar um equilíbrio.
Nas últimas duas eleições presidenciais, em 2006 e 2010, o deus
“mercado” parecia resignado em aceitar o desejo soberano do voto. Embora
nunca tenham gostado e provavelmente nunca venham a gostar do PT ou de
qualquer outra alternativa à “esquerda”, os representantes do sistema
financeiro atuaram de forma discreta naquelas disputas.
Em 2014,
o cenário é bem diferente. A exemplo de 2002, quando o terrorismo
financeiro virou uma arma contra Lula, os “mercados” reavivaram o
apetite pela atuação política mais incisiva. Ainda não apareceu um
dilmômetro, o equivalente ao lulômetro, criado para medir riscos
associados à eleição do petista. Mas, se verá adiante, os analistas
financeiros formularam uma equação para “precificar” as possibilidades
de vitória ou derrota da atual presidenta. Composta de maneira até certo
ponto pueril, a equação virou no mínimo uma diversão nas horas vagas de
quem nutre obsessão por números. Ganhe Aécio Neves, vença Eduardo
Campos, o importante é derrotar o PT, parece sugerir o índice da
BM&FBovespa, na correlação estabelecida com as pesquisas de intenção
de voto. A cada sondagem favorável à oposição, ele sobe e o inverso
ocorre quando há uma recuperação de Dilma. Ou, ao menos, assim
justificam as mesas de operação.
Na quarta 23, a presidenta tinha 48% de
probabilidade de se reeleger, calcularam corretoras e bancos atuantes na
BM&FBovespa. No dia seguinte, a chance aumentou para 50%. A
primeira estimativa refletiu o resultado da pesquisa Datafolha da quinta
17, com empate técnico dos candidatos no segundo turno. Essa
perspectiva, considerada auspiciosa pelo chamado mercado, elevou o
índice da bolsa para 57.983 pontos. A segunda projeção espelhou outro
levantamento, feito pelo Ibope, com vitória da candidata do PT no
primeiro turno. Uma má notícia, consideraram analistas e operadores,
suficientemente ruim para o Ibovespa regredir a 57.390 pontos, às 16h20
(fecharia em 57.419).
A fórmula utilizada para chegar às
estimativas apontadas acima tem complexidade pouco superior à de uma
conta de balcão de padaria, e é ainda mais tosca diante dos cálculos de
derivativos e outros instrumentos financeiros herméticos usados pelas
mesmas instituições antes e depois da crise mundial de 2008. Eis a
equação:
Pganha = (preço hoje – Xperde) / (Xganha – Xperde)
Onde:
Pganha: é a probabilidade implícita de Dilma vencer, hoje precificada na Bolsa
Preço hoje: é o Ibovespa atual
Xperde: é a estimativa do quanto
o Ibovespa pode atingir se ela perder
o Ibovespa pode atingir se ela perder
Xganha: é a estimativa do quanto o Ibovespa pode atingir se ela ganhar
O uso dessa fórmula,
emprestada da área de renda fixa das instituições, é cotidiano e
generalizado. As referências para o cálculo das probabilidades dos
candidatos nas eleições de 2014 são o Ibovespa do dia e os extremos
inferior e superior alcançados nos últimos cinco anos. O índice atingiu
um vale de 45 mil pontos duas vezes nesse período, em 12 de julho de
2013 e em 17 de março de 2014. O pico foi de 72.995 pontos, em 4 de
novembro de 2010 (na maior parte dos casos, usam-se como referência 70
mil pontos). A Merrill Lynch estima agora uma alta menos espetacular,
para 65 mil pontos, no caso de uma derrota de Dilma.
A fórmula corporifica os interesses e a
ideologia do sistema financeiro e faz lembrar do lulômetro, expressão
matemática criada pelo banco Goldman Sachs para prever qual seria a
cotação do dólar caso Lula vencesse as eleições presidenciais de 2002.
Nem o mercado equipara, porém, os riscos daquela conjuntura econômica
com a atual. Lula herdara do segundo governo FHC um país combalido por
uma crise cambial e maxidesvalorização do real, com reservas de
irrisórios 35 bilhões de dólares. Quando transmitiu o cargo a Dilma
Rousseff, o total das reservas somava 288,6 bilhões de dólares e hoje
atinge 368,7 bilhões. Essa é uma das diferenças. Há várias outras, mencionadas adiante.
“A desconfiança expressa na aposta diária do mercado
contra a reeleição se concentra no descontentamento de minoritários com
os rumos da Petrobras e começou há quatro anos, com o lançamento de 115
bilhões de reais em ações da empresa, em setembro de 2010”, analisa o
consultor de investimentos Luiz Antonio Vaz das Neves, sócio da KNA. A
operação de captação de recursos necessários aos investimentos da
empresa diluiu excessivamente o valor dos títulos em poder desses
acionistas, nas contas do setor financeiro. A conclusão foi seguida de
uma venda maciça dos papéis, com destaque para a posição de George
Soros, equivalente, na época, a 640 milhões de dólares. O movimento
acentuou a tendência de realização dos títulos da empresa entre as
instituições financeiras estrangeiras, detentoras de 85% da subscrição,
dada a influência do megainvestidor, conhecido nos anos 1990 pela
especulação bem-sucedida contra o Banco Central da Inglaterra, quando
ganhou 1 bilhão de dólares em um dia.
Parênteses: em 2002, o mesmo Soros, ex-patrão de
Arminio Fraga, principal consultor econômico de Aécio Neves nesta
eleição, verbalizou o medo do mercado financeiro em caso de vitória de
Lula. “Será o caos”, afirmou à época. O próprio Arminio valeu-se
recentemente do mesmo recurso. Segundo ele, seria “um desastre” a
reeleição de Dilma Rousseff.
Com a aproximação do período eleitoral, a mídia revisitou
temas considerados relevantes pelo mercado, entre eles a associação, em
2005, da Petrobras com a estatal venezuelana PDVSA para a construção da
refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, resultado de um acordo firmado
entre os presidentes Lula e Hugo Chávez. A obra é objeto de inquérito
por suspeita de superfaturamento e lavagem de dinheiro. As suspeitas
aumentaram com a prisão de Paulo Roberto Costa, ex-diretor da estatal
acusado de operar um esquema de propina em parceria com o doleiro
Alberto Youssef. Retornou também às manchetes a compra, em 2006, pela
Petrobras, de 50% da empresa Pasadena Refining System, no Texas, em
operação supostamente superfaturada. O conselho de administração da
estatal brasileira era presidido por Dilma Rousseff, à época ministra da
Casa Civil. A presidenta alegou ter votado favoravelmente à aquisição
com base em informações incompletas. A oposição e a mídia tentaram
responsabilizá-la pelo “mau negócio”, mas o TCU a considerou inocente. A
possibilidade de as CPIs sobre o assunto prosperarem no Congresso é
limitada pelo risco de atingirem a oposição.
Os casos de Abreu e Lima e Pasadena aumentaram a
insatisfação de investidores, principalmente dos estrangeiros, com a
gestão da empresa. A eleição em abril para uma vaga do conselho de
administração da Petrobras foi alvo de disputa internacional acirrada. A
gestora de recursos britânica Aberdeen, os fundos de pensão California
State Teachers’ Retirement System e Universities Superannuation Scheme, a
gestora F&C Management e a consultoria Hermes
Equity Ownership Services fizeram campanha por José Guimarães Monforte,
conhecido executivo do setor financeiro com passagens pelo Citibank e a
Merrill Lynch. No material de campanha, os estrangeiros fulminaram as
aquisições das refinarias e a política de contenção de preços dos
derivados de petróleo, praticada, no seu entendimento, com objetivos
eleitorais. A Bradesco Asset Management propôs a reeleição do empresário
Jorge Gerdau Johannpeter, controlador de uma das principais empresas
privadas nacionais. Monforte e seus patrocinadores derrotaram Gerdau e a
Bradesco Asset Management e conquistaram um assento no conselho da
estatal.
A ação da Petrobras tem
grande peso no cálculo do Ibovespa e as instituições estrangeiras
dominam os negócios na Bolsa. São as principais detentoras de posições
compradas a futuro, uma aposta na alta do índice e na vitória da
oposição. Na terça 22 tinham 96.370 contratos comprados e a
BM&FBovespa acumulava 256 mil contratos em aberto, um recorde. De
janeiro até a primeira quinzena de julho, as 15 instituições financeiras
mais ativas nesse mercado movimentaram 1,706 trilhão de reais. No topo,
com 236 bilhões de reais, a corretora UBS, antiga Link, dos filhos de
Luiz Carlos Mendonça de Barros, nascida com perspectivas radiosas de
desenvolvimento depois da privatização promovida pelo governo Fernando
Henrique, a envolver, por conduta suspeita, o então ministro e pai da
rapaziada, afastado no final do episódio. Segue-se a Credit Suisse,
ex-Hedging Griffo, com 195 bilhões. A terceira posição é ocupada pelo
Morgan Stanley (160 bilhões) e em quarto lugar está a corretora
brasileira XP, com um movimento de 133 bilhões. Seguem-se Merrill Lynch
(116 bilhões), Itaú (83 bilhões), BTG Pactual (65 bilhões), JP Morgan
(59 bilhões) e Goldman Sachs (55 bilhões). Reunidas, detêm o maior
volume entre as 15 instituições mais atuantes no mercado futuro do
Ibovespa.
A especulação do mercado não assumiria as
proporções atuais sem equívocos do governo. “Para 2015, há enormes
desafios nas áreas fiscal, externa, de rearticulação dos grandes
projetos de investimento da Petrobras e do pré-sal, de infraestrutura.
Mas a dificuldade maior vai ser o resgate da confiança”, prevê o
consultor Antônio Corrêa de Lacerda, professor da PUC de São Paulo. O
primeiro motivo para a perda de credibilidade foi a tentativa de reduzir
os juros em 2012 e corrigir o câmbio seguida de um recuo diante da
resistência encontrada. O governo voltou a elevar as taxas e gasta
bilhões para manter o câmbio controlado. “O ideal seria realmente fazer o
ajuste do câmbio, mas aí começaria aquele terrorismo quanto ao perigo
da inflação e o governo ficou no meio do caminho”, avalia o economista.
No fim, sucumbiu-se à “mesma tentação de todos os governos desde pelo
menos 20 anos atrás, de usar o câmbio não como instrumento de
desenvolvimento, mas como uma variável de ajuste de curto prazo”. A
consequência foi uma forte ampliação do déficit em conta corrente
(cômputo de todos os pagamentos e recebimentos relativos às exportações e
importações de mercadorias e serviços e daqueles relativos a rendas,
como juros e lucros), equivalente hoje a quase 4% do PIB.
A tentativa de desonerar o consumo para
melhorar a competitividade, combinada à contenção do câmbio, equivaleu a
pisar no freio e no acelerador ao mesmo tempo. A decisão de compensar a
insuficiência da competitividade, de origem basicamente cambial, pelo
lado fiscal, abalou as contas públicas. Seguiram-se tentativas de
maquiar os maus resultados protagonizadas pelo secretário do Tesouro
Nacional, Arno Augustin.
De quebra, Brasília decidiu
conter os preços dos derivados da Petrobras. Um combustível de alta
octanagem para a especulação e um baque no poder de geração de caixa da
empresa, um freio para os investimentos destinados a alcançar a
autossuficiência em petróleo. “Os erros são enormes, e a comunicação,
muito falha. Quem é que fala sobre a política econômica? Antes, era o
ministro Guido Mantega, um desastre, ele se comunica muito mal. Depois, o
secretário Arno Augustin. Parece que agora é Dilma, mas o forte dela
não é comunicação”, ressalva Lacerda.
O resultado é uma inflação pressionada,
crescimento contido e desânimo geral. A interrupção da redução dos juros
e da desvalorização do real afastou os aliados defensores dessas
mudanças e não aproximou os partidários de políticas opostas. O governo
não entendeu a falta de aplausos dos empresários quando baixou os juros.
Empurrados para o rentismo durante anos seguidos de condições adversas à
produção, ficaram inseguros diante da ameaça às suas aplicações
financeiras.
O clima é ruim, mas as condições e as
perspectivas do País são boas. O nível de reservas permite atravessar
sem maiores solavancos o período necessário às correções da economia. A
inflação está alta, mas não difere daquela dos principais países em
desenvolvimento. É possível fazer a correção dos preços e melhorar a
comunicação com o setor privado, por meio da nomeação de uma equipe sem
desgaste, de boa interlocução com o mercado e conhecedora das questões
brasileiras, em qualquer resultado eleitoral, inclusive o de reeleição. O
governo, se reconduzido, terá de mudar a estratégia, pois ela se
esgotou.
Uma reconstrução das bases da política
econômica será beneficiada pela inexistência de uma crise cambial, um
déficit manejável de 4% do PIB, desemprego ainda baixo (apesar do seu
aumento na indústria), renda relativamente sólida e algum espaço para
crédito e financiamento. A maioria das economias enfrenta desafios
parecidos.
Na comparação com a década de 1990, os pontos fortes da
economia atual sobressaem. Em 1999, o déficit em conta corrente estava
próximo do atual, em proporção do PIB, entre 3,5% e 4%, mas o País
estava indefeso. Em janeiro daquele ano, enfrentou uma crise cambial com
reservas equivalentes a um décimo das atuais, estas suficientes para o
financiamento do déficit de 80 bilhões de dólares por ano. Não por outra
razão, há quatro anos o ingresso de investimento estrangeiro direto se
mantém acima de 60 bilhões de dólares anuais.
A diferença de qualidade entre as
reservas cambiais da década de 1990 e as de agora revela uma barreira à
especulação bem mais sólida do que sugere uma comparação limitada a
valores. Em 1996, totalizavam 60 bilhões de dólares, em grande medida
dinheiro aplicado a curtíssimo prazo, o chamado smartmoney,
atraído por uma taxa de juro de 25%. Na crise da Rússia, em 1998, no fim
do primeiro mandato de FHC, o País perdeu 30 bilhões de dólares das
suas reservas em pouco mais de um mês, o governo recorreu ao FMI, o
Banco Central elevou a taxa de juro para 45% e adotou o câmbio
flutuante. A queima de reservas por pouco não iguala a receita total das
privatizações do período de Fernando Henrique, de 40 bilhões de
dólares.
Se a especulação se apoia em
fatos ligados à Petrobras, sua superação deve passar pela resolução de
problemas da empresa. Apesar de a contenção tarifária limitar os
investimentos, a empresa confirmou a CartaCapital a
previsão de aumentar em 7,5% a produção média neste ano. Duas novas
plataformas começaram a produzir no primeiro semestre e outras três
deverão fazê-lo no segundo semestre. A interligação de novos poços
contribuirá para aumentar o resultado. O crescimento da produção de
janeiro a junho, estimado em 1,4% por instituições do mercado, atingiu
4,7%, diz a empresa. Trinta novos poços submarinos entraram em operação
no período, o dobro do primeiro semestre de 2013. A eficiência
operacional de todas as unidades de produção alcançou 91,6% em junho,
recorde dos últimos 50 meses. No mesmo mês, a estatal informa ter
atingido seu máximo histórico de produção de gás natural, com 66,4
milhões de metros cúbicos diários. O crescimento da produção no segundo
semestre de 2014 será garantido pelo início de produção dos novos
sistemas P-61, FPSO Cidade de Ilhabela e FPSO Cidade de Mangaratiba, e
também pela interligação de novos poços às plataformas P-58 e P-62, com
atividades iniciadas no primeiro semestre, e a melhora da eficiência
operacional.
“O volume de poços interligados às
plataformas dobrou no último ano e será ainda maior no segundo semestre,
com a chegada de mais seis PLSVs (embarcações para interligar poços)
até o fim de 2014. Além disso, a produtividade dos novos poços
interligados na camada pré-sal tem se mostrado bastante elevada,
frequentemente atingindo vazões superiores a 30 mil barris diários por
poço”, informa a Petrobras.
Quem vencer as eleições presidenciais se
verá diante destas opções definidas pelo professor titular de Direito
Econômico e Economia Política da Faculdade de Direito da USP, Gilberto
Bercovici, no livro Direito Econômico do Petróleo e dos Recursos Minerais:
ou o excedente gerado pela exploração dos recursos naturais,
especialmente o petróleo e os minérios, contribuirá para manter a
economia brasileira dependente e associada, a reboque das variações de
preços do mercado internacional de produtos primários, ou terá um papel
decisivo no financiamento das políticas necessárias para superar o
subdesenvolvimento e completar a construção da nação.
Arrefeça ou não o ímpeto imediato em
relação à Petrobras, os dois meses de corrida eleitoral antes do
primeiro turno devem intensificar o protagonismo do setor financeiro. É
mais uma força contra o projeto de reeleição de Dilma Rousseff. Resta
ver se a petista será capaz de reagir à altura. As apostas estão
abertas. •
Esses reacionários não aprenderam a lição. Vamos eleger a Dilma no primeiro turno
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