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8.11.2014

Polícia investiga tentativa de união de facções do tráfico

Moradores temem volta de confrontos em áreas com Unidades de Polícia Pacificadora

Felipe Freire
Rio - Investigações da Polícia Civil apontam que traficantes rivais estavam unidos na luta contra as Unidades de Polícia Pacificadora (UPP). A ‘liberdade de circulação’ entre favelas das duas facções foi instituída pelos bandidos logo após a instalação das UPPs, em 2011. 
Clima tenso na região do Morro dos Prazeres, de onde é possível ver a dimensão das favelas no Estácio e Santa Teresa: à direita, fica o Fallet-Foguetei
Foto:  Fabio Gonçalves / Agência O Dia
Alguns episódios confirmam essa suspeita. No início do ano, por exemplo, durante uma operação da PM na região do Fallet-Fogueteiro, em Santa Teresa, os policiais foram alvos de disparos originados no complexo de São Carlos, no Estácio, área sob controle da facção Amigos dos Amigos (ADA). Detalhe: os militares estavam encurralando criminosos do Comando Vermelho (CV) e tentavam prendê-los. As duas áreas contam com UPPs.
O comando das unidades afirma que as informações apuradas pelo Setor de Inteligência estão sendo checadas.
Esse ‘tratado de paz e união’ entre facções que dominam as bocas de fumo nos complexos do São Carlos e de Santa Teresa, no entanto, pode estar com os dias contados — e por divergência entre os bandidos. Bastante temida por moradores das comunidades, que acabam sofrendo as consequências, a iminência de uma guerra está ligada à morte de um jovem do São Carlos, em julho, após uma festa no Morro do Escondidinho. 
A vítima era parente de um traficante, e agora existe a promessa de vingança. O crime que já mudou a rotina de moradores envolve Tiago Portelinha, o 3P, e Charles de Miranda Ramos, ambos de 24 anos. Tiago é filho de Alexander da Costa Gomes, o Sheiik ou Playboy do Lança que, mesmo preso, ainda teria influência no São Carlos, Querosene, Zinco, Coroa e Mineira, todos do ADA. Já o outro é filho de Altair Domingos Ramos, o Nai, antigo integrante do CV que chefiou a Mineira. O tráfico no Prazeres, Escondidinho, Fallet e Fogueteiro é ligado ao CV.
“Desde a morte de 3P, quem é de uma favela não vai mais na área dos rivais. Espaços comuns da região, como a Praça do Rio Comprido e a Rua Barão de Petrópolis, também estão vazios à noite. Agora, a gente acha que a qualquer momento vai ter tiroteio”, diz um morador.
Segundo a Divisão de Homicídios (DH), antiga rixa entre os jovens culminou com a morte de Tiago. O rapaz, que se divertia na madrugada do dia 20 de julho no Escondidinho, foi sequestrado e executado com cinco tiros.
Em depoimento, um amigo contou que Charles e outros dois bandidos, identificados como Globão e Alvinho, se aproximaram de 3P e o levaram. Embora os colegas tenham tentado interceder, foram orientados por organizadores da festa a não se meter, pois poderiam morrer. O corpo foi deixado no Prazeres, em carro roubado.
“Dizem que eles tinham brigado no Rio Comprido por causa de mulher”, revelou uma moradora dos Prazeres.
Charles, que foi apontado como autor do crime e teve mandado de prisão expedido por homicídio qualificado e ocultação de cadáver, teria tomado a decisão sem consultar os chefões locais, o que teria irritado a cúpula do CV.
ASSASSINO ESTARIA JURADO POR COMPARSAS 
Preso em Bangu, pai da vítima festejou o fim da Copa acreditando que as UPPs vão acabar
Tiago Portelinha só tinha passagens pela polícia por desacato. Amigos e familiares dizem que o rapaz, pai de quatro filhos, trabalhava como motoboy numa firma de contabilidade. Mas, na internet, circulam várias fotos dele segurando fuzil e pistola. No seu perfil nas redes sociais também é possível ver fotos em que aparece com cordões e anéis de ouro e em uma moto XT660, avaliada em cerca de R$ 27 mil. Ele também teria um carro, mas nenhum dos veículos estaria em seu nome.

A ligação com a família era grande. De acordo com a polícia, o apelido de 3P fazia alusão ao sobrenome Portelinha e aos apelidos do pai (Paizão ou Playboy do Lança) e da mãe (Peixe Portelinha). Em uma postagem antiga, de março, Tiago colocou a foto do pai e desejou-lhe feliz aniversário dentro da lógica do tráfico. “Tiro pra c..., tiro pra c... O meu paizão Sheiik Costa tá fazendo aniversário.”
O pai dele, Alexander Gomes, o ‘Sheiik Costa’, que também tem perfil na internet e parece utilizá-lo dentro da Penitenciária Jonas Lopes de Carvalho, em Bangu, onde cumpre pena por tráfico de drogas, lamentou a morte do filho poucas horas depois do fato.
“Deus levou você, mas ele não levará o que sinto por você, filho”, diz parte da mensagem que ele teria escrito. Curioso notar que a atividade do pai deixa um rastro de sangue e morte em outras famílias da cidade.
Dias antes do assassinato, Sheiik, apontado pela polícia como antigo braço direito do traficante Anderson Rosa Mendonça, o Coelho, no controle do São Carlos, mostrou que o tráfico sonha com o fim das UPPs ao postar mensagem enigmática: “Acabou a Copa. Agora vai fluir, p...!” Um de seus amigos escreve: “UPP pode ralar. E tudo voltará ao normal”.
Já Charles, segundo investigações policiais, que já respondia por porte de arma de uso restrito, associação para o tráfico e roubo, tinha mais ligações com traficantes das comunidades do Complexo do Alemão. No entanto, ele vivia com frequência no Morro dos Prazeres e arredores.
Após a morte de Tiago, o acusado teria deixado o local jurado de morte pela cúpula de sua facção, que não pretendia entrar em guerra. Seu pai, Altair, cumpre pena na Penitenciária Gabriel Ferreira Castilho, também em Bangu.
Festa tradicional foi cancelada após execução
Por causa do crime e do clima de tensão, a festa Black Santa, tradicional na região, que seria realizada no fim de semana seguinte à morte, não aconteceu. Outros bailes marcados para agosto também podem ser cancelados.

Nas comunidades, o silêncio voltou a imperar quando o tema é a morte do jovem. Presidentes de associações de moradores preferem não comentar o caso.
Mensagens de celular também circulam a todo instante entre os moradores. Avisos de possíveis confrontos durante a noite e relações de ruas a serem evitadas são sempre enviadas entre conhecidos. No dia 22, logo após o assassinato, um fato curioso caracterizou bem o clima de apreensão.
Uma operação de fiscalização fechou por algumas horas um supermercado na Rua Itapiru, que divide comunidades rivais. O descer das portas foi suficiente para que boatos sobre o início de um confronto entre traficantes fosse espalhado pelas favelas.
“Quem pratica esportes em outras comunidades sumiu. Nas escolas públicas, você também percebe um clima tenso até mesmo entre crianças”, contou um professor, que trabalha na região.
Nos posts de familiares de Tiago, promessas de vingança estão sempre presentes, seja nos comentários ou nas publicações. O desejo vai além da prisão dos suspeitos.

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