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10.08.2014

O desafio do próximo governo vai além do ensino em tempo integral

aluno urna

A crise na educação básica é dos problemas mais graves que o próximo governo irá enfrentar. Vamos direto ao ponto: milhões de crianças e jovens brasileiros não estão desenvolvendo, ao longo da vida escolar, as competências mínimas essenciais de leitura, interpretação de texto e raciocínio matemático.

Os estudantes avançam aos trancos e barrancos, mas o analfabetismo funcional e a defasagem idade-série perduram, assim como o despreparo para a vida profissional e cidadã. Exames internacionais como o Pisa, que comparam nossos estudantes com outros da mesma faixa etária, nos colocam na lanterna. É flagrante nossa baixa competitividade no cenário global do futuro.

O crescimento e a sustentabilidade do país nas próximas décadas não dependem só das políticas sociais e econômicas; dependem de uma reforma inadiável no sistema educacional. A situação não admite ações pontuais nem improvisos.

Nesse cenário, há muitas medidas necessárias, e entre elas, duas são mais urgentes: a valorização do magistério e a profissionalização da gestão.

Ser professor no Brasil precisa se tornar algo almejado e disputado pelos jovens de talento. Isso implica elevar a remuneração para tornar a área atrativa. Mas requer, ao mesmo tempo, melhorar as condições de trabalho, com tecnologias nas aulas, laboratórios, salas ambiente, espaços de leitura, convivência, esporte, artes e cultura. Demanda estabelecer planos de carreira, vinculando o crescimento profissional ao desempenho dos mestres.

Em paralelo, há que redesenhar a formação inicial, de forma que a teoria dialogue com a prática. A experiência da residência pedagógica, modelo da Finlândia em que os futuros mestres fazem estágio supervisionado nas escolas, é uma pista possível (sobre isso, há um projeto de lei já aprovado pelo Senado, embora com vários pontos indefinidos).

Com outro processo de formação, os professores aprenderão a lecionar para as gerações de hoje: da interatividade, do zapping, das novas linguagens e múltiplas mídias. Suas aulas serão mais interessantes, com conteúdos próximos da realidade. Eles se sentirão mais seguros e respeitados. Assumirão o papel de orientadores de estudos, fazendo diagnósticos e implantando estratégias didáticas personalizadas, de forma que nenhum aluno fique para trás.

O segundo ponto urgente é profissionalizar a gestão na área educacional. Isso abrange todas as esferas, desde a direção das escolas, até a liderança das secretarias municipais e estaduais de educação, como seus subsetores.

A escola não é uma empresa, mas é um empreendimento com uma importante função social. Portanto precisa de instrumentos de gestão, como planejamento estratégico, plano de metas, controle de resultados, indicadores de desempenho, cronogramas para implementação de projetos de inovação, processos de desenvolvimento de pessoas. Os gestores da educação precisam ser nomeados por competência profissional, nunca por indicação política.

Cabe aos gestores qualificados instituir mecanismos de participação da comunidade escolar nas decisões, modelos de avaliação 360º (em que pais e alunos avaliam os mestres, os professores avaliam gestores, e assim por diante). É também deles a responsabilidade de incrementar a participação das famílias no acompanhamento da vida escolar do estudante, fator decisivo não só em aspectos cognitivos, mas também relacionados a valores e atitudes.

Na gestão das redes, é preciso estabelecer ações coordenadas para reduzir as desigualdades educacionais entre os municípios. Talvez o modelo de secretarias estaduais e municipais precise ser repensado.

Uma discussão relevante é a da federalização do ensino, sem necessariamente abolir a autonomia municipal e muito menos desconsiderar as diferenças e singularidades, ou desprezar as experiências de municípios exitosos.

Na Coreia do Sul, por exemplo, onde a educação é considerada o principal fator de sucesso para a competitividade do país, o sistema é centralizado pelo governo federal do primeiro ao último ano escolar. Isso pode tornar mais transparentes a distribuição e o controle dos recursos, além de ser um passo para o alinhamento dos currículos e métodos, de forma que as crianças que cursam a mesma série, em qualquer ponto do país, aprendam um mínimo necessário comum, respeitando-se as nuances regionais.

Ainda tomando a Coreia do Sul simplesmente como estudo de caso, lá o currículo é unificado, com aulas de coreano, matemática, inglês, ciências, estudos sociais, educação física, educação moral, artes e música até os 11 anos, e o acréscimo de ética, tecnologia e economia doméstica entre os 12 e 16 anos. Nos últimos anos o ensino é dividido em áreas, para a orientação vocacional, como por exemplo tecnologia e engenharia, comércio e negócios, estudos marítimos, ciências da saúde, agricultura, com a possibilidade de estágio nas áreas escolhidas.

É verdade que o sistema sul-coreano tem aspectos que não nos convém adaptar aqui, como o processo de seleção para as universidades. Mas isso não impede que busquemos inspiração em aspectos interessantes desta e de outras experiências internacionais que têm se mostrado mais eficazes do que a nossa.

Sem dar uma virada nesses dois pontos urgentes que envolvem ensino e gestão, não deixa de parecer ingênua a proposta dos dois candidatos à Presidência de implantar a escola em tempo integral. Para fazer mais do mesmo? Por que dobrar o tempo que as crianças passam dentro de uma escola que não funciona?

A jornada em tempo integral fará sentido quando tivermos professores motivados e qualificados, com recursos didáticos e ambientes de aprendizagem de ponta, e uma gestão de excelência. Sem isso, os royalties do petróleo, que tanto podem turbinar nosso ensino, estão fadados a escorrer pelo ralo.

Andrea Ramal 

G1.com

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