Milicianos agem com discrição e voltam a apoiar candidatos em vez de se lançar à corrida eleitoral
por Marsílea Gombata
—
Tomaz Silva / Agência Brasil
Policiamento no Complexo do Alemão, onde o tráfico tentou eleger irmão de Marcinho VP em 2010
Do Rio de Janeiro
Além dos 48 reais mensais que tem de pagar para ter gás em seu barraco, I.S, 50 anos, paga 5 reais para poder resgatar a correspondência que chega endereçada a ela ou ao marido. O controle do fornecimento de gás, do correio, do sinal de TV a cabo, do transporte feito por vans e até mesmo sobre qual candidato ela deve votar é feito há dez anos por um mesmo grupo de milicianos, agentes públicos da área de segurança que tomaram conta de partes do Rio de Janeiro. A exploração à qual a moradora de Pedra de Guaratiba é submetida diariamente não é exclusiva do bairro da zona oeste. Além dessa comunidade, a milícia está em mais de 170 outras áreas do estado do Rio de Janeiro, sendo algumas os territórios onde foram instaladas Unidades de Polícia Pacificadora (UPP).
Além de controlar territórios, as milícias exercem funções públicas relacionadas aos interesses do crime. Para o deputado Marcelo Freixo (PSOL), relator da CPI das Milícias na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), isso mostra que os milicianos têm um projeto não apenas econômico, mas também de poder. “É uma organização criminosa que mistura o seu poder territorial com o seu poder eleitoral, coisa que o tráfico nunca conseguiu no Rio de Janeiro”, observa.
Diferentemente dos grupos de traficantes de drogas que controlavam territórios hoje dominados por UPPs, a milícia já conseguiu eleger vereador, deputado, interfere na eleição para prefeito e é decisiva na eleição para governador. “Basta entrar nas áreas de milícia que você verá cadastros de eleitores organizados por ela própria. O tráfico não tinha isso e nunca conseguiu eleger ninguém”. A candidatura de “Cidinho”, irmão de Marcinho VP (chefe do Comando Vermelho, preso em Catanduvas), pelo PRB em 2010. O então candidato a deputado federal obteve apenas 8 mil votos no Complexo do Alemão, comunidade onde vivia e onde moram 65 mil pessoas, e não conseguiu se eleger.
A milícia traçou um caminho diferente. Em 2008, conseguiu eleger os irmãos Jerominho (João Guimarães Filho) e Natalino José Guimarães a vereador e a deputado estadual, respectivamente. Hoje, a milícia mudou de estratégia e não se arrisca a lançar mais ninguém. No lugar disso, apoia candidatos. “Os próprios chefes da ‘Liga da Justiça’ foram os candidatos, e isso teve um preço muito alto pelo grande nível de exposição. Eles cansaram de fazer a festa para os outros e resolveram frequentar o palácio, mas acabaram presos”. “Nesta eleição, vejo que eles voltam a uma tática anterior de apoiar candidatos para que seus negócios fiquem mantidos. Assim, acabam se expondo menos”.
A mudança de estratégia também é constatada por Ignacio Cano, do Laboratório de Análise da Violência da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Autor do estudo No Sapatinho – Evolução das Milícias no Rio de Janeiro (2008-2011), o pesquisador explica que, diante da condenação de candidatos identificados como milicianos, a tática é não fazer muito alarde e se manter em uma posição marginal. “Isso não significa, no entanto, que dentro de qualquer comunidade eles não decidam quem pode ou não fazer campanha. Ainda existe esse controle dos territórios”.
O apogeu das milícias se deu entre 2006 e 2007, época em que alguns políticos – como o então prefeito Cesar Maia (DEM) – advogavam a favor dessas organizações como “autodefesas comunitárias”. Em 2008, o episódio de sequestro e tortura de jornalistas do jornal O Dia que investigavam a ação da milícia na comunidade do Batan, em Realengo, zona oeste do Rio, colocou os criminosos agentes do Estado em evidência.
Assim, apesar de o poder ser exercido de forma mais discreta, a influência não parece ter diminuído. No último dia 12, o Tribunal Regional Eleitoral do Rio encontrou cestas básicas com uma relação de beneficiários e propaganda de candidatos do PMDB e do PSDB na associação de moradores das comunidades Águia de Ouro e Guarda, em Del Castilho, zona norte. A operação averiguou denúncias de formação de curral eleitoral por milícias. Dois meses atrás uma candidata à reeleição a deputada estadual denunciou ter recebido ameaças de um homem armado quando colocava placas na comunidade Águia de Ouro. Ela chegou a afirmar que milícias cobrariam 100 mil reais de pedágio aos interessados em fazer campanha no local.
Quem tenta fazer propaganda em áreas dominadas por milícias sem saber das regras impostas acaba sendo ameaçado. “Tente entrar em uma área de milícia e colocar uma placa minha. Eles nem chegam a tirar, você simplesmente não coloca. Só entra material de candidato compactuado economicamente com eles”.
Diferentemente do tráfico, a milícia não recebe o enfrentamento ao Estado, uma vez que é o próprio Estado. “A sua lógica não é de guerra, mas do controle do poder econômico e de atividades como a van, o ‘gatonet’, o gás", diz. "A ação de enfrentamento à milícia deve ser feita pela inteligência da polícia e pelo sufocamento econômico desses grupos, o que nunca foi feito”.
Além dos 48 reais mensais que tem de pagar para ter gás em seu barraco, I.S, 50 anos, paga 5 reais para poder resgatar a correspondência que chega endereçada a ela ou ao marido. O controle do fornecimento de gás, do correio, do sinal de TV a cabo, do transporte feito por vans e até mesmo sobre qual candidato ela deve votar é feito há dez anos por um mesmo grupo de milicianos, agentes públicos da área de segurança que tomaram conta de partes do Rio de Janeiro. A exploração à qual a moradora de Pedra de Guaratiba é submetida diariamente não é exclusiva do bairro da zona oeste. Além dessa comunidade, a milícia está em mais de 170 outras áreas do estado do Rio de Janeiro, sendo algumas os territórios onde foram instaladas Unidades de Polícia Pacificadora (UPP).
Além de controlar territórios, as milícias exercem funções públicas relacionadas aos interesses do crime. Para o deputado Marcelo Freixo (PSOL), relator da CPI das Milícias na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), isso mostra que os milicianos têm um projeto não apenas econômico, mas também de poder. “É uma organização criminosa que mistura o seu poder territorial com o seu poder eleitoral, coisa que o tráfico nunca conseguiu no Rio de Janeiro”, observa.
Diferentemente dos grupos de traficantes de drogas que controlavam territórios hoje dominados por UPPs, a milícia já conseguiu eleger vereador, deputado, interfere na eleição para prefeito e é decisiva na eleição para governador. “Basta entrar nas áreas de milícia que você verá cadastros de eleitores organizados por ela própria. O tráfico não tinha isso e nunca conseguiu eleger ninguém”. A candidatura de “Cidinho”, irmão de Marcinho VP (chefe do Comando Vermelho, preso em Catanduvas), pelo PRB em 2010. O então candidato a deputado federal obteve apenas 8 mil votos no Complexo do Alemão, comunidade onde vivia e onde moram 65 mil pessoas, e não conseguiu se eleger.
A milícia traçou um caminho diferente. Em 2008, conseguiu eleger os irmãos Jerominho (João Guimarães Filho) e Natalino José Guimarães a vereador e a deputado estadual, respectivamente. Hoje, a milícia mudou de estratégia e não se arrisca a lançar mais ninguém. No lugar disso, apoia candidatos. “Os próprios chefes da ‘Liga da Justiça’ foram os candidatos, e isso teve um preço muito alto pelo grande nível de exposição. Eles cansaram de fazer a festa para os outros e resolveram frequentar o palácio, mas acabaram presos”. “Nesta eleição, vejo que eles voltam a uma tática anterior de apoiar candidatos para que seus negócios fiquem mantidos. Assim, acabam se expondo menos”.
A mudança de estratégia também é constatada por Ignacio Cano, do Laboratório de Análise da Violência da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Autor do estudo No Sapatinho – Evolução das Milícias no Rio de Janeiro (2008-2011), o pesquisador explica que, diante da condenação de candidatos identificados como milicianos, a tática é não fazer muito alarde e se manter em uma posição marginal. “Isso não significa, no entanto, que dentro de qualquer comunidade eles não decidam quem pode ou não fazer campanha. Ainda existe esse controle dos territórios”.
O apogeu das milícias se deu entre 2006 e 2007, época em que alguns políticos – como o então prefeito Cesar Maia (DEM) – advogavam a favor dessas organizações como “autodefesas comunitárias”. Em 2008, o episódio de sequestro e tortura de jornalistas do jornal O Dia que investigavam a ação da milícia na comunidade do Batan, em Realengo, zona oeste do Rio, colocou os criminosos agentes do Estado em evidência.
Assim, apesar de o poder ser exercido de forma mais discreta, a influência não parece ter diminuído. No último dia 12, o Tribunal Regional Eleitoral do Rio encontrou cestas básicas com uma relação de beneficiários e propaganda de candidatos do PMDB e do PSDB na associação de moradores das comunidades Águia de Ouro e Guarda, em Del Castilho, zona norte. A operação averiguou denúncias de formação de curral eleitoral por milícias. Dois meses atrás uma candidata à reeleição a deputada estadual denunciou ter recebido ameaças de um homem armado quando colocava placas na comunidade Águia de Ouro. Ela chegou a afirmar que milícias cobrariam 100 mil reais de pedágio aos interessados em fazer campanha no local.
Quem tenta fazer propaganda em áreas dominadas por milícias sem saber das regras impostas acaba sendo ameaçado. “Tente entrar em uma área de milícia e colocar uma placa minha. Eles nem chegam a tirar, você simplesmente não coloca. Só entra material de candidato compactuado economicamente com eles”.
Diferentemente do tráfico, a milícia não recebe o enfrentamento ao Estado, uma vez que é o próprio Estado. “A sua lógica não é de guerra, mas do controle do poder econômico e de atividades como a van, o ‘gatonet’, o gás", diz. "A ação de enfrentamento à milícia deve ser feita pela inteligência da polícia e pelo sufocamento econômico desses grupos, o que nunca foi feito”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário