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11.03.2014

Mundo deverá quadruplicar energias renováveis até 2050 para conter mudanças climáticas

 

Novo relatório do IPCC afirma também que combustíveis fósseis precisarão ser 'extintos' até 2100

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Combustíveis fósseis deveriam ser 'extintos' até 2100, segundo o IPCC Foto: INA FASSBENDER / REUTERS
Combustíveis fósseis deveriam ser 'extintos' até 2100, segundo o IPCC - INA FASSBENDER / REUTERS
COPENHAGUE - No capítulo final de uma pesquisa iniciada 13 meses atrás, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) desfilou uma saraivada de números que refletem o caótico aquecimento global. Segundo o estudo, divulgado ontem em Copenhague, a temperatura média na superfície da Terra aumentou 0,85 grau Celsius entre 1880 e 2012. A concentração de gases-estufa na atmosfera é a maior dos últimos 800 mil anos. As ondas de calor vão se tornar cada vez mais intensas e comuns, especialmente no Hemisfério Norte.

Se o mundo quiser evitar que as mudanças climáticas se tornem irreversíveis, o uso de combustíveis fósseis — o principal motor da economia mundial — deve ser zerado em 2100. Para isso, os países precisam quadruplicar o uso de energias renováveis até 2050. Ignorar este ultimato provocará danos “graves, generalizados e irreversíveis”.
Atualmente, os governos gastam cerca de US$ 600 bilhões por ano no subsídio ao consumo de carvão. Ao mesmo tempo, menos de US$ 400 bilhões são investidos por ano no mundo em políticas de redução de emissões ou em outra forma de enfrentar as mudanças climáticas. Segundo o “New York Times”, esta quantia é menor do que a receita de apenas uma petrolífera americana.
De acordo com o presidente do IPCC, Rajendra Pachauri, os projetos de mitigação contra as mudanças climáticas custariam cerca de 0,06% do PIB mundial por ano até o fim do século. Estima-se que, no mesmo período, a economia internacional crescerá 300%.
— O custo da inércia será horrivelmente maior — assegura Rachauri. — Temos pouco tempo pela frente antes que passe a janela de oportunidade para o aumento de temperatura permanecer abaixo de 2 graus Celsius. Manter o atual modelo de crescimento não é uma opção para nós.
GOLPE NA ECONOMIA
Copresidente de um dos três grupos de trabalho do IPCC, Youba Sokona ressalta que há, no mínimo, 66% de chances de a temperatura global aumentar mais de 2 graus Celsius até 2100, caso a queima de combustíveis fósseis continue no ritmo atual.
— A transição para uma economia com baixo teor de carbono é tecnicamente viável — destaca. — Mas faltam políticas e instituições apropriadas. Quanto mais esperarmos para agir, maior será o custo para mitigação e adaptação.
A liberação de gases-estufa segue em escalada nas últimas décadas. Cerca de metade das emissões de CO2 da era industrial ocorreu nos últimos 40 anos. Com isso, o cenário mais provável é que a temperatura média global ultrapasse os 4 graus Celsius até 2100. Atingir esta marca significa “dificultar a redução da pobreza (...) e corroer a segurança alimentar”, diz o estudo.
Entre 1901 e 2010, o nível do mar aumentou 0,19 centímetro — um valor maior do que nos 2 mil anos anteriores. Se os termômetros continuarem crescendo, em 2050 o gelo do Oceano Ártico terá praticamente desaparecido nos meses de setembro. Até o fim do século, o nível do mar pode aumentar 82 centímetros. Há previsões de grandes enchentes e desaparecimento de países insulares e cidades costeiras.
A mudança do regime de chuvas, a absorção de gases-estufa pelo oceano e o derretimento de geleiras vão afetar a disponibilidade de alimentos para as espécies marinhas. Sua migração também prejudicará a indústria pesqueira.
O calor também afetará o rendimento de safras de trigo, arroz, milho e soja. Estes recursos são a base da economia de países em desenvolvimento. Suas populações, as mais atingidas por eventos extremos, devem migrar para outras regiões. A chegada dos refugiados climáticos aumentará a desigualdade social e a possibilidade de conflitos violentos.

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Esta descrição foi atenuada na redação final do relatório. O documento original, editado durante a semana, afirmava que a migração em massa de populações provocaria conflitos violentos “na forma de guerra civil”.
Segundo o Banco Mundial, a comunidade internacional precisará investir entre US$ 1 trilhão e US$ 1,5 trilhão por ano para ajustar sua infraestrutura ao perigo representado pelas mudanças climáticas.
— O impacto das mudanças climáticas será muito diferente em cada país. Por isso é tão difícil estimá-lo — admite a economista Stéphane Hallegatte, coautora do relatório do IPCC. — Eles precisam de dinheiro para desenvolver a tecnologia ecológica, defesa costeira, planos de mitigação e adaptação e gestão de risco de desastres.
Pachauri lembra que as nações mais vulneráveis contribuem pouco para as emissões de gases-estufa. Por isso, atacar o problema torna-se responsabilidade de todos os governos:
— Enfrentar o aquecimento global não será possível se cada agente pensar apenas em seu plano. Precisamos de cooperação entre os países para alcançar nossos objetivos.
FALTA DE ACORDO GLOBAL
O relatório do IPCC, que está em sua quinta edição, deve servir como base para as discussões da Conferência do Clima de Lima, em dezembro deste ano. As esperanças, porém, estão concentradas na edição do ano que vem do encontro, em Paris. Espera-se que este fórum resulte em um acordo global contra as mudanças climáticas. Havia a mesma expectativa em Copenhague, em 2009, quando o debate foi pautado pelo quarto documento do IPCC.
— Tivemos uma conversa extensa há cinco anos, mas, olhando para trás, talvez os líderes mundiais não estivessem tão preparados para discutir o clima — admite o secretário-geral da ONU, Ban ki-Moon. — Eles precisam agir. O tempo não está ao nosso lado.
Não é tão simples assim. O combate às mudanças climáticas é marcado por desentendimentos. Países em desenvolvimento se recusam a aceitar metas para reduzir emissões de CO2 — exigência imposta pelas nações desenvolvidas.
Em setembro, Ban ki-Moon organizou uma Cúpula do Clima na ONU, em uma tentativa de antecipar as discussões previstas para os fóruns ambientais. No encontro foi apresentada a Declaração de Nova York, um documento que propunha a redução pela metade do corte de florestas até 2020 e zerá-lo na década seguinte. Com esta medida, entre 4,5 bilhões e 8,8 bilhões de toneladas de CO2 deixariam de ser liberadas para a atmosfera — o equivalente à remoção de um bilhão de carros das ruas até 2030. Brasil, Índia e China, que estão entre os maiores desmatadores do mundo, recusaram-se a assinar o acordo.
A China, maior poluidora do planeta, comprometeu-se apenas a divulgar quando atingirá o pico de suas emissões — o que deve ocorrer antes de 2030. Os EUA limitam-se a cobrar projetos da potência asiática. A União Europeia e o Brasil estabeleceram metas voluntárias — ou seja, sem valor legal. A Índia, que será a nação mais populosa do mundo daqui a menos de 20 anos, luta para ser definida como país em desenvolvimento, um sinal de que não pretende assumir objetivos.
DISCUSSÕES MADRUGADA ADENTRO
Pachauri, porém, acredita que o novo relatório pode virar o jogo. De acordo com ele, o documento apresentado ontem é “o mais forte e robusto” já produzido pelo IPCC. Para especialistas, o maior objetivo foi cumprido: enfatizar como a ação humana interfere na temperatura do planeta, tese muito contestada poucos anos atrás.

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Vice-presidente do IPCC, Suzana Kahn avalia que o relatório final foi mais “claro e objetivo” do que os documentos escritos nos últimos meses pelos grupos de trabalho. Suzana, porém, acredita que os números do IPCC não mudarão facilmente o posicionamento dos governos nas negociações internacionais.
— Os países permanecem com suas posições históricas já consolidadas — afirma Suzana, uma das responsáveis por resumir o relatório original, que tinha 175 páginas, no divulgado ontem, com 40 páginas. — Para fazer isso, foi uma dificuldade. Imagine, então, na negociação propriamente dita. Tanto que, em vez de encerrarmos as discussões na sexta-feira, às 18h, elas só foram fechadas no sábado, às 16h, e precisamos debater todas as madrugadas. Ou seja, tudo foi marcado por pouca disposição de cooperação.
Os climatologistas ressaltam que, mesmo se todas as medidas de mitigação e adaptação forem tomadas, os estragos provocados pelo homem no clima serão visíveis no próximo século, já que as alterações feitas em biomas, geleiras e o acúmulo de carbono nos oceanos não serão remediadas imediatamente. O meio ambiente tem seu próprio tempo. E, para assegurá-lo, o ser humano corre contra o relógio.

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