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11.30.2014

Documentos apontam ligação entre sumiço de militantes e a repressão


O DIA teve acesso aos registros do relatório final da Comissão Nacional da Verdade


Juliana Dal Piva
Rio - Na manhã de 15 de fevereiro de 1971, Carlos Alberto Soares de Freitas saiu cedo do quarto onde morava em Ipanema. O ‘Breno’ da VAR-Palmares — amigo da então presa política e futura presidenta Dilma Rousseff — andava assustado com a velocidade com que os agentes da repressão descobriam o esquema montado por ele para trazer de volta ao Brasil militantes exilados em outros países.

O assassinato de Aderval Alves Coqueiro, o primeiro a retornar, uma semana antes, abalou o grupo. Antônio Joaquim de Souza Machado, responsável por conseguir os documentos falsos para os que retornavam, era o mais visado. Naquela manhã, ‘Breno’ tomou um ônibus apressado. Desceu na Av. Princesa Isabel, em Copacabana, e desapareceu. Machado também.

Carlos Alberto (acima) era amigo da presidenta Dilma
Foto:  Acervo / Addi de Freitas Vanucci

Quatro décadas depois, é no registro 199/71 do livro de ocorrências da Delegacia de Ordem Política e Social (Dops) que surgem novos indícios sobre os responsáveis pelo sequestro. Os documentos aos quais o DIA teve acesso com exclusividade integrarão o relatório final da Comissão Nacional da Verdade e foram localizados no Arquivo Público do Estado do Rio.

Cinco dias antes das prisões, no relato do plantão dos dias 10 e 11/2/1971, o comissário Laércio Guarçoni foi designado para presidir a investigação sobre falsificação de documentos para ‘subversivos’, a pedido do Centro de Informações do Exército (CIE). Além disso, o informe diz que “às 17h30, o capitão Brandt, do CIE” apresentou dois elementos envolvidos nas irregularidades: os motoristas Helvécio Ribeiro e Gerson Santos.
Capitão Brandt é hoje o coronel reformado José Brandt Teixeira — oficial parceiro do coronel Paulo Malhães no combate à luta armada. Segundo o oficial falecido em abril, os dois estiveram juntos na operação que ocultou os restos mortais do deputado federal Rubens Paiva, em 1973.

Coronel José Brandt fez pedido
Foto:  Divulgação

“Sempre suspeitei que os fatos estavam interligados. A morte do Coqueiro e a descoberta do esquema dos passaportes. Acho que o Antônio Joaquim estava sendo seguido”, afirmou Sérgio Ferreira, primo de ‘Breno’.

Brandt era o ‘doutor César’ quando trabalhava para a repressão. “Baixo, meio gordo, é oficial”. Essa foi a descrição dada por Inês Etienne Romeu, a única sobrevivente da Casa da Morte de Petrópolis, sobre um de seus torturadores no centro clandestino. Ele recebeu a medalha do Pacificador com Palma em 15 de setembro de 1971 — meses depois do desaparecimento de Carlos Alberto e Antônio Joaquim. Na casa, os torturadores contaram a Inês que os dois foram os primeiros presos políticos a morrer no local. A reportagem não conseguiu contato com o oficial.

Ex-policial em contradição

Único envolvido na investigação do DOPS ainda vivo, o comissário Guarçoni trabalha atualmente como advogado na capital fluminense. Procurado, disse que não estava mais no DOPS nessa época. “É impossível. Eu não estava lá ”, afirmou. Ele, no entanto, também aparece no livro de registros como integrante do plantão no dia oito de fevereiro, quando um grupo de despachantes envolvido no caso é preso no centro do Rio.
Guarçoni negou que os policiais torturassem os presos políticos. “Os presos torciam para ir para o Dops. Era o órgão que mais respeitava”, afirmou. “Nunca vi, nem tomei ciência sobre violência contra qualquer preso”, sustentou.
Apesar do registro da ocorrência, e de modo incomum, Helvécio Ribeiro e Gerson Santos não possuem fichas de prisão no DOPS ou registro nos arquivos do Serviço Nacional de Informações (SNI), como todos os presos e investigados por combate à ditadura militar. A reportagem descobriu que ambos já faleceram.

Pedido de investigação para o Dops foi feito pelo capitão Brandt, hoje coronel, quando estava no Centro de Informações do Exército
Foto:  Acervo / Addi de Freitas Vanucci

Falsário seria um ‘infiltrado’ na guerrilha

A Comissão também descobriu o possível envolvimento de mais uma pessoa nos sequestros. No arquivamento da investigação, em 6/10/1972, a justificativa é a morte de uma testemunha. “Em seu relatório conclusivo, tece considerações de que com o falecimento de Lucas Blanco torna-se impossível a apuração do fato”, diz o registro.
Um ano e meio antes, em 5/2/1971, o Diário de Notícias publicou que “Lucas Blanco, o falsário da VPR” fora preso pelo I Exército, no Rio. No entanto, diversos integrantes da organização disseram desconhecer o suposto militante. Ele também não tem registros de prisão no Dops ou no SNI. Três dias depois do fim da investigação, em outubro de 1972, o sargento da Aeronáutica Lucas Blanco de Oliveira recebeu a ordem do mérito do Judiciário Militar. O DIA apurou nos cadastros sociais brasileiros que não existem outras pessoas registradas com esse nome antes de 1950.
Cronologia
5/2/1971: Lucas Blanco, o ‘falsário da VPR’, é preso.
6/2/1971: Aderval Alves Coqueiro é assassinado pelo Exército.
8/2/1971: Despachantes são presos no Centro.
10 e 11/2/1971: Capitão Brandt do CIE pede investigação sobre documentos.
15/2/1971: Breno e Antonio Joaquim desaparecem.

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