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11.30.2014

O custo da falta de medicamentos



A questão do impacto do uso das novas drogas, particularmente na onco-hematologia e do câncer, tem que ser avaliada do ponto de vista custo-benefício. O problema é que nós, médicos, temos que nos basear em dados concretos para permitir que as drogas sejam aprovadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a Anvisa. Nos Estados Unidos, a legislação permite que drogas em estudos de fase II, que avalia a eficácia da medicação, tenham registro preliminar. Os americanos entendem isso em decorrência do processo para aprovação de medicamentos para HIV com impacto na vida do paciente que não pode esperar.

Na Inglaterra e na Europa, o custo da saúde é a cargo do governo de modo geral. Nos Estados Unidos é a área privada que se ocupa disso. No Brasil, vemos uma situação que é a pior dos mundos. É uma posição do Governo por meio da Anvisa, que tenta regular na sua origem a entrada desses medicamentos, que muitas vezes tem a negativa para a entrada sem consistência científica.

O caso da lenalidomida, para tratamento de mieloma múltiplo, tipo de câncer de sangue, é emblemático. A droga está presente em 80 países, com base em trabalhos publicados na década passada e que a consideram eficaz para o paciente. Não faz sentido algum, a nosso ver, a negativa de registro. Nas várias vezes em que a Agência travou o registro, fez uma série de questionamentos sem sentido relacionados à lenalidomida.

Aliás, é possível ter um medicamento aprovado, com registro, e pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) não terem acesso, o que é um segundo absurdo. Isso não acontece em nenhum outro lugar do mundo.

É uma distorção atrás da outra, sendo necessária a intervenção do Judiciário, que não podendo utilizar critério científico tem que tutelar a saúde. Nos últimos dois anos, a Anvisa negou o registro de quatro drogas na área de onco-hematologia aprovadas nos Estados Unidos e Europa. A situação é preocupante, pois ao ter acesso impedido ao medicamento, o paciente recorre ao Judiciário, que fica com uma responsabilidade enorme. Sem contar que esse atraso resulta na morte de muitos pacientes.

É necessária transparência no processo. Utilizar argumentos científicos é uma forma insignificante. A Agência poderia dizer que não tem dinheiro, que há outra prioridade. Mas alega que o estudo está errado, tem que usar outros dados não solicitados em outros tantos países. A posição é uma agressão.

Nem 1% dos pacientes com mieloma em recaída terá acesso à lenalidomida. O mieloma é assim, responde com recidivas, então se não tem o medicamento eficaz para quando isso ocorre, tem que partir para a quimioterapia e drogas antigas que podem resolver, mas em curta duração.

Vale destacar que 95% das novas drogas apresentadas no congresso da American Society of Clinical Oncology (Asco) deste ano, o Brasil não tem acesso. É como voltar para a Idade da Pedra.

O câncer é a segunda maior causa de mortalidade no País, tanto entre ricos como pobres. A solução é discutir o acesso para incorporação de novas tecnologias. Não é travar o registro, com base em evidências falsas. Não é possível acreditar que 80 países considerem que o medicamento é eficaz e o Brasil não. É inaceitável. A atitude frente à situação é vergonhosa. Até quando? Isso tem que mudar.


Angelo Maiolino
Diretor da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH)

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