webmaster@boaspraticasfarmaceuticas.com.br

12.04.2014

O futuro mercado médico da Cannabis

Alysson Muotri
Bedrocan CannabisA história do uso da Cannabis na medicina é antiga. Mas talvez uma das situações mais relevantes que marcam a entrada da maconha no mercado farmacêutico foi a que aconteceu nos anos 90. Oficiais ingleses começaram a notar algo frequente acontecendo nos julgamentos de pessoas portando marijuana: um alto número de pacientes com esclerose múltipla justificavam o consumo alegando que a erva trazia relaxamento muscular e aliviava a dor. Em 1998, um comitê inglês de ciência e tecnologia encarregado de estudar o fenômeno, concluiu que a planta poderia dar origens a compostos de interesse médico.

Diversos cientistas e empresários foram consultados, e desse interesse surgiu uma das primeiras empresas de biotecnologia destinadas a gerar linhagens de Cannabis ricas em canabinoides específicos e testá-los em uso clinico. É um dos raros casos aonde a experiência dos pacientes guia a pesquisa científica.

A marijuana contém pelo menos 108 tipos diferentes de canabinoides. Alguns interagem direta ou indiretamente com os receptores presentes no corpo humano. Apenas dois são bem caracterizados, o THC e o CBD. Enquanto o THC estimula efeitos psicotrópicos e controla a dor, o CBD é anti-psicotrópico, e possui propriedades neuroprotetoras e anti-inflamatórias. No final dos anos 80, pesquisadores identificaram dois receptores em nossas células que respondem a moléculas humanas semelhantes as presentes na marijuana, chamados de endocanabinoides. O receptor CB1, encontrado no sistema nervoso central e periférico, e o CB2, predominantemente expresso no sistema imune. De forma coletiva, esses receptores participam de diversas funções fisiológicas do corpo, influenciando o equilíbrio dos sistemas e, portanto, alvos terapêuticos em potencial.
Primeiras vendas
Em 2010, Sativex, o primeiro extrato de Cannabis medicinal entra no mercado, comercializado pela Bayer e Novartis. Hoje, Sativex é aprovado para uso em 24 países, incluindo França, Alemanha, Itália e Austrália. Nos EUA, é vendido pela farmacêutica japonesa Otsuka, que levou o extrato a ensaios clínicos para esclerose múltipla e câncer. No começo desse ano, os EUA aprovaram o uso do antiepilético derivado de Cannabis, Epidiolex (99,9% CBD), para doenças órfãs como a síndrome de CDKL5 ou Dravet, por exemplo.

Existem diversas outras empresas de olho nesse mercado. Algumas delas, como a AbbVie americana ou a Valeant canadense, apostam em compostos sintéticos ao invés de extrair da planta. Os sintéticos dronabinol (Marinol) e nabilone (Cesamet) já são aprovados clinicamente para controle de náuseas e vômitos associados com quimioterapia. O Marional também foi aprovado para estimular o apetite em pacientes com HIV.

O sucesso desse tipo de tratamento tem sido limitado pelos efeitos colaterais (ansiedade e depressão) e tempo de efeito (leva-se cerca de uma hora para agir). Pensando nisso, a INSYS Therapeutics desenvolveu um composto líquido oral, de ação rápida e com menos efeitos colaterais, além de permitir uma flexibilidade maior na dosagem quando comparado com medicamentos em capsulas. A firma entrou com o pedido de aprovação no FDA, agência americana que regula o setor de alimentos e remédios, em agosto desse ano. A combinação de THC e CBD também pode ser controlada para otimizar um determinado efeito. O Sativex, por exemplo, contém altas concentrações dos dois reagentes em partes iguais. Baseando-se nessa prova de principio, algumas firmas desenvolveram plataformas para testar diversas combinações de canabinoides, na expectativa de amplificar o espectro de ação da Cannabis.

A corrida para testes clínicos dessas farmacêuticas tem, obviamente, um interesse comercial. É garantido pelo FDA sete anos de mercado exclusivo a quem demostrar efeitos positivos em ensaios clínicos controlados para doenças raras.
Dificuldades 
Mas em contaste com esse reconhecimento em certas circunstâncias médicas, nos EUA, a maconha é ainda classificada como substância controlada, ao lado da heroína e LSD, com potencial viciante e “sem uso clínico comprovado”. Obviamente isso complica o meio de campo, aumentando a burocracia e dificultando a logística na pesquisa acadêmica e em ensaios clínicos. Mesmo assim, já soma-se mais de 25 anos de evidências mostrando vantagens do uso medicinal da Cannabis. Infelizmente, a grande maioria dos estudos foi feita em modelos animais, sem validação em humanos, atrasando ainda mais o reconhecimento clínico.

Na minha opinião, uma forma de acelerar o uso medicinal da Cannabis é descobrir o mecanismo de ação molecular dos canabinoides diretamente em modelos humanos, como células nervosas reprogramados a partir de células periféricas de pacientes com doenças raras. É infinitamente mais fácil para os cientistas testar diversas variáveis em um modelo controlado em laboratório do que em longos e caros ensaios clínicos. Obviamente não sou o único a pensar dessa forma e antecipo diversos insights vindos desses modelos humanos nos próximos anos.
*Foto: Divulgação/Sensi Seeds

Nenhum comentário:

Postar um comentário