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2.01.2015

Senhor, infelizmente confete não é mais permitido neste horário


- Acabou.
– Acabou o quê, policial? A água? A luz?
– Não, acabou a folia. Já passou da meia noite e vamos estar solicitando aos cidadãos de bem retornarem ao conforto de seus lares.
– Mas já?! Hoje é carnaval, meu amigo. Tá todo mundo se divertindo, deixa disso…
– Não escrevo as regras, apenas as cumpro. E São Paulo tem regras bem claras: blocos até às 10h da noite e agitação nas ruas até meia noite.
– Mas você acha justo? Trabalho o ano inteiro numa merda de emprego, engulo o pão que o diabo amassou no transporte público e o único momento em que posso esquecer um pouco de tudo isso é o carnaval. E você quer que eu volte para casa para assistir Netflix?
– Assista o que quiser. Ordens são ordens.
– Ou seja, como já passou do horário, se eu dançar o Lepo Lepo, estarei transgredindo as regras?
– O Lepo Lepo não é permitido neste horário.
– E baleia branca? Posso fazer uma última baleia branca?
– Baleias brancas também não são permitidas neste horário.
– E um último gole de bombeirinho, eu posso?
– Bombeirinho não é mais permitido nesse horário.
– Então, façamos o seguinte: eu tenho este último confete no bolso. Vou apenas jogá-lo e depois irei embora.
– Se o senhor lançar esse confete, estará em situação de folia e, portanto, transgredindo as regras. Terei que prendê-lo, além de aplicar uma severa multa.
– Mas é um mísero con-fe-te!
– Confete não é mais permitido nesse horário.
– Semanas atrás vocês lançaram bombas dentro de uma estação de metrô para dispersar manifestantes que queriam pular a catraca.
– Isso.
– E bomba de gás numa estação fechada pode, mas confete não?
– Bem… Hum… É… Isso… Eu acho…
– Eu vou jogar.
– O senhor será responsável pela consequência de suas ações.
– Então, joga você o confete por mim.
– Eu não posso, estou em serviço.
– Vai, um confete só.
– Admito que é tentador, mas não posso.
– Ninguém tá olhando e não vou contar nada pra ninguém. E, olha: não é um confete qualquer. É um com duas cores. Um desbunde de confete…
– O senhor está me forçando a prevaricar.
– Não, estou lhe dando a chance de jogar um delicioso confete em pleno carnaval.
– Ai…
– Joga vai!
Nisso uma multidão em êxtase, que observava a cena, canta em únissono:
– Joga! Joga! Joga! Joga!
– Ahhhhhhhhhhhhh, joguei!
– E como foi.
– Foi um tesão!
E o bairro inteiro se inundou de confetes disparados pelos lançadores de bombas de efeito moral. Sprays com gás de pimenta foram trocados por latas de espuma colorida. E gás lacrimogênio deu lugar à serpentina.
A polícia inteira entrou na festa.
E o dia amanheceu feliz.

Testo de Leonardo Sakamoto

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