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3.28.2015

Educação & Drogas: As famílias podem melhorar?Aportes psicanalíticos

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27 Março 2015 Atualizado em 27 Março 2015

Pós-Doutoranda em Educação: Psicologia da Educação - PUC/SP
Doutora em Saúde Pública - FSP/USP
Bióloga (USP), Psicóloga (PUC/SP), Psicanalista
Droga é um tema que todo educador adora lamentar, mas detesta 
trabalhar - as famílias, tanto pior. Com a herança da chamada 
“Guerra às Drogas”, ficou lugar comum demonizar o objeto-droga
 como causador de todos os males das relações, das existências.

Os psicoativos ou drogas foram, são e sempre serão (1) parte 
da história da humanidade em qualquer época, local ou cultura 
e (2) objetos inanimados.

Tratar o objeto-droga como poderoso, onipotente, onisciente
é subestimar completamente a condição subjetiva humana.
Ao se colocar a droga 
como centro das mazelas da humanidade, ignora-se e
despreza-se o
 fator humano. 
O sujeito que está ali, com suas razões, desrazões,
sofrimentos e
 prazeres, em relação doentia com um objeto.

Nas famílias, as drogas legalizadas ocupam altares nas salas
 imponentes, ou gavetinhas dos criados-mudos. Prescritas,
 essas camisas-de-força químicas são endeusadas como nunca 
se viu na história da Humanidade. Para os homens, whisky,
 pinga ou cerveja; para as mulheres, Rivotril, Daforin. 
Para as crianças e jovens, Ritalina. Sim, há uma questão 
de gênero. E idade.

Assim começa um cenário de legitimação do objeto-droga
 como central, determinante do comportamento humano.
 Agrediu? Foi o comprimido. Agrediu de novo? Foi a falta dele.

A medicalização traz um grave engodo: atribuir a ingesta 
(ou não) de comprimidos como causa única e linear do 
comportamento humano.

Tanto as famílias como os professores e gestores tem
 uma relação de ambivalência em relação ao objeto-droga. 
Junto ao temor, o fascínio. Com o discurso, a prática
contraditória. E cada um cobrando do outro uma atitude
definitiva, proibitiva, diante desse estranho objeto.

As celebrações costumam ter álcool, brindes. As paqueras,
 as aproximações mais sutis, baforadas de cigarro.
 Os desesperos, do copo d´água com açúcar até os potentes 
calmantes. As drogas estão aí, circulando entre nós. 
O temido “mundo das drogas” é o nosso mundo,
 o lugar em que habitamos.

Nas escolas, os profissionais muitas vezes padecem 
das mazelas de um assunto-tabu, padecem do sofrimento 
provocado pelo silêncio absoluto. Sabe-se o que acontece 
com os alunos, com os colegas professores. Existem drogas 
circulando além da conta, além do possível num espaço
público, provocando prejuízos muitas vezes irreversíveis.

A escola passa o problema para a família, que devolve
 para a escola... e nesse circuito, o desenvolvimento do
 tédio encontra manancial. O tédio, como experiência
ôntica e ontológica, nos remete ao desespero silencioso.
Nada motiva, nada é capaz de alterar a sensação de repetição
 e falta de possibilidades que o tédio apresenta. 
E os psicoativos surgem sempre como alentos e bálsamos

 para almas entediadas – e tediosas.

Afinal, toda pessoa que consome drogas cria dependência?

Não. Em termos epidemiológicos, apenas uma pequena 
porcentagem das pessoas que experimentam e mesmo
 usam drogas desenvolvem quadros de dependência.
Sim. Em termos psicanalíticos, todos somos aptos a
 desenvolver compulsões. Onde há compulsão, há sofrimento.

A dependência caracteriza-se principalmente pela 
assunção da centralidade na vida do sujeito. Quanto tempo
 ele investe e dedica em obter e utilizar a droga? Quantas
e quais renúncias são feitas em nome do uso do psicoativo?

A quantidade de droga ingerida não é parâmetro para designação
 de um quadro como sendo de dependência. Um sujeito 
que toma duas cervejas no final de semana e bate na própria
 esposa tem um quadro muito pior, em termos de prognóstico,
 do que aquele executivo que toma pacificamente seu 
whisky ao final do dia, em sua poltrona?

Depende.

Quando se fala em droga, a questão é qualitativa e não
 quantitativa. Cada situação precisa ser analisada em seu
 contexto: quanto se abre mão da própria vida, de projetos,
 de construções coletivas, para se adquirir e usar determinada
 droga? E o objeto-droga pode ser um psicoativo, um 
relacionamento, um cartão de crédito... a possibilidade 
de se desenvolver uma compulsão é inerente à nossa condição 
humana. Ninguém sabe o que pode funcionar como “gatilho”
 para que um comportamento habitual torne-se compulsivo.

A compulsão existe. O sujeito tem uma sensação de 
desagregação e morte se não conseguir satisfazer seu desejo.
 Essa sensação é real, corporificada, manifesta-se muito
pouco em verbalizações, e muito mais em busca de 
saciedade desse desejo.

Quando alguém abre mão de seu tempo, de seu dinheiro, 
de seus vínculos afetivos próximos, de seus projetos de
 vida, de sua higiene pessoal, de sua temporalidade e 
espacialidade, quando tudo isso ocorre por conta do uso 
de um psicoativo, podemos entender como doença.
 Como restrição existencial. A doença não é necessariamente 
a presença de um microrganismo, de um quadro de sinais 
e sintomas. A doença é a restrição. A incapacidade de ser
 normativo, de compreender e seguir as normas daquele 
contexto específico.

A doença, ou o gozo, são formas de se estagnar o desejo, 
impossibilitando-o. No gozo, não se deseja. E muitas vezes
 as famílias apresentam suas relações interpessoais tão
 imersas em diferentes gozos, com papeis cristalizados de 
cada um de seus componentes, que o objeto-droga assume
 um lugar importantíssimo como ferramenta de
 “despertar” e “sentir”. No mar de tédio em que muitas
 relações naufragam sem recursos, o objeto-droga pode ser
 um alento, um bálsamo – por mais que seja temporário,
 efêmero, fugidio.

Em geral, o sujeito que escolhe usar um psicoativo é
 colocado, na dinâmica familiar, como o bode expiatório 
de toda uma situação já caótica na base. Do mesmo modo,
 o caos social, a exclusão e a miséria, antecedem 
determinados cenários de abuso de drogas. Primeiro o 
ovo quebrado, depois a galinha em desespero.
Muitas famílias procuram atendimento psicológico sem a
 mínima ideia do que se trata, quais são as abordagens
 possíveis, num desespero contagiante. Apelos os mais 
dramáticos para serem “atendidos” (cuidados) com a 
máxima urgência sucumbem ao primeiro sinal que você, 
como profissional, vai implicá-los de algum modo
no tratamentodaquele que é nomeado como “problema”. 

O não-dito familiar manifesta-se em sintomas.
 Muitas vezes os filhos, em seus sintomas, denunciam 
o não-dito dos pais. E nessa denúncia nada silenciosa,
 justamente as palavras faltam. Falta palavra, sobra tédio.

Nas escolas o drama é similar: professores que chegam 
embriagados para dar aula, ou faltam por que beberam 
demais na véspera, professoras alucinadas com seus
 anorexígenos e os efeitos colaterais diversificados, 
gestores com cheiro de tabaco na roupa (“no taxi”)... 
não existem! Apenas alunos embriagados, alucinados, 
fumantes. Nomear o pseudoproblema é parte da
 estratégia de terceirização da responsabilidade.

Terceiriza-se a responsabilidade pelos comportamentos
 e atos em primeiro lugar para o demônio. Em segundo
 lugar, medicamentos prescritos pelos médicos.
E por último, mas
 não menos importante, para o psicoativo lícito
ou ilícito adquirido
 sem receita, sem controle, sem posologia.

O sujeito está.... Em que lugar? Nenhum.
 Ou é vítima ou algoz, 
não é humano.

O tédio (ou “a falta da falta”) é uma experiência cada vez mais
 banalizada na sociedade tele-tecno-midiática.
 Falta desejo, sobra gozo.
 Experiências que supostamente ampliariam a percepção, 
a consciência, as possibilidades de criação, terminam por entupir 
os sujeitos do 
mais amargo excesso de tédio. Excesso de não-querer,
 de não-desejar.

Escolas e Famílias tem desafios enormes neste momento
 de grande desigualdade social, grande agilidade na obtenção 
de informações e um desenvolvimento tecnológico sui generis.
 O primeiro desafio é permitir espaços legítimos e autênticos
 para o pensar. Quem pensa não consome, entendendo o 
consumo como uma compulsão. Quem pensa, cria, questiona,
 movimenta a vida. Movimento é o oposto da doença (restrição,
 estagnação). O movimento da vida é considerado o
sinal de sanidade.

O espaço para o pensar requer um controle diferenciado
 sobre o tempo e sobre o modo de se deslocar no mundo.
 Espaço aqui no sentido subjetivo: cenário para nomeação.
 A nossa época atual caracteriza-se pelo jargão da
 “falta de tempo”, lamúria generalizada, queixa fundante.
 Ter tempo, portanto, é herético e subversivo!
Como as famílias criam espaços para o pensar, para o criar,
 para o refletir sobre as ações e sobre a possibilidade
de se desenvolver responsabilidade (=responder por),
 empatia, remorso, valores?

Como as escolas-avestruzes seguem implorando e repetindo
 palestras cada vez mais esvaziadas, pedindo projetos 
gratuitos por conta da eterna falta de verba, em franca 
omissão ético-política-pedagógica de se abordar temas 
complexos e mais que necessários à formação dos sujeitos?
 Violência, sexualidade, promoção de saúde, equidade de 
gênero, os temas a partir dos quais se pode trabalhar
 pedagógica e didaticamente são ricos e com farto material
 disponibilizado pelas Organizações Governamentais
 e Não-Governamentais.

Escolas e Famílias podem melhorar. Seus componentes 
– afinal, os mesmos cá e lá - precisam refletir sobre as 
ações que desenvolvem, os consumos que incentivam, 
os exemplos que trazem pela atitude e as contradições
 com o que é verbalizado.

Aprendemos pelo amor, pela dor, pelo exemplo,
 pela surpresa, pelo encantamento, pela curiosidade,
 pela amizade, pela inimizade. Somos seres aprendentes 
e essa condição humana, demasiadamente humana, 
requer uma interlocução para que a subjetividade
 seja considerada.

Aí chega –ou se enraíza?- a Psicanálise.

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