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5.18.2015

VAPOR DA DISCÓRDIA: USUÁRIOS DRIBLAM PROIBIÇÃO DE VENDA DE CIGARRO ELETRÔNICO, MAS MÉDICOS QUESTIONAM PRODUTO


e-cigs - 18.05.2015
Tecnologia polêmica. Vendedor de cigarro eletrônico mostra o dispositivo em funcionamento: países têm diferentes posições sobre o produto, que pode ser facilmente comprado no país apesar da restrição da Anvisa – Agência O Globo / Marcos Alves
RIO – Criados no início dos anos 2000, os cigarros eletrônicos vêm se multiplicando em modelos, sabores e controvérsia. Enquanto, em países como EUA e Reino Unido, os chamados e-cigs se popularizaram, em outros, como Dinamarca e Itália, sua venda tem diversas restrições. No Brasil, a comercialização do produto é proibida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), mas os dispositivos vêm ganhando uma legião de adeptos no país. Eles conseguem adquirir cigarros eletrônicos facilmente pela internet e até em lojas de rua. Há, inclusive, usuários que passaram a comprar grandes quantidades do produto em balcões virtuais para revender por aqui. Só de janeiro de 2014 a este mês, a Receita Federal apreendeu 2.100 unidades, a maioria em Foz do Iguaçu.
Enquanto os usuários, chamados de “vapers”, militam pela sua regulamentação no Brasil, alegando que os e-cigs podem ajudar na luta para abandonar o cigarro convencional, especialistas pedem muita cautela. De acordo com médicos, ainda não há um volume suficiente de estudos para garantir que os dispositivos sejam seguros para a saúde.
Consumidor do produto há cinco anos, um carioca conta que começou a “vaporizar” para abandonar a dependência do cigarro. Desde então, participa de fóruns on-line sobre o tema e, há algum tempo, passou a vender o produto — motivo pelo qual prefere não se identificar.
— Queria parar de fumar e vi que o cigarro eletrônico poderia ser uma opção. No meu caso, deu certo: abandonei o cigarro comum e, hoje, só uso e-cig sem nicotina. Como a venda ainda não é legalizada, cada pessoa tem a sua própria rede de importação. Foi assim que comecei a vender — explica ele, que consegue o produto de fornecedores no Paraguai, na China e nos EUA.
COM OU SEM NICOTINA
Alimentados por baterias, os e-cigs são dispositivos que geram vapor inalável a partir de cartuchos descartáveis com líquidos compostos de aromatizantes, água, glicerol e outros elementos. O usuário pode escolher entre cartuchos com diferentes doses de nicotina ou até sem a substância, considerada altamente nociva e viciante. Justamente por haver essa opção de regular a dosagem de nicotina, muitas pessoas que desejam abandonar o cigarro comum estão adotando o eletrônico.
De acordo Jaqueline Scholz, diretora do Programa de Tratamento do Tabagismo do Instituto do Coração (Incor), do Hospital das Clínicas da USP, o vapor dos e-cigs percorre os mesmos caminhos da fumaça do cigarro comum: inalado, ele vai para o pulmão e ganha a corrente sanguínea, nos alvéolos pulmonares — uma parte é absorvida pelo organismo e a outra, expelida:
— A diferença do vapor para a fumaça é a ausência das substâncias tóxicas provenientes da combustão.
No Brasil, o produto é vendido por valores que variam conforme o modelo — o comércio é proibido, mas o consumo, não. O mais básico pode ser comprado por cerca de R$ 49. Já um modelo intermediário custa cerca de R$ 130.
Secretária-executiva da Comissão Nacional para Implementação da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco, do Instituto Nacional do Câncer (Conicq/Inca), Tânia Cavalcante considera os e-cigs um grande dilema na comunidade científica:
— Há muito marketing sobre eles e seu possível auxílio no tratamento do vício à nicotina, mas muita coisa sem base científica. Os estudos a respeito ainda são recentes para qualquer conclusão sobre os seus efeitos.
Apesar de o número de “vapers” crescer em todo mundo, sua situação está longe de ser unanimidade entre as autoridades. Enquanto países como Alemanha, França e Reino Unido permitem a sua venda, outros como Dinamarca, Finlândia e Itália o fazem com restrições. No EUA, a sua legalidade varia de acordo com cada estado. Já Argentina e México o proíbem.
Por aqui, a Anvisa alega que a venda dos e-cigs não é permitida porque “não há comprovação clínica nem científica da eficácia e da segurança na utilização de tais produtos”, e nem da sua segurança para o fumo passivo.
Já a Polícia Federal diz que o combate ao contrabando do produto faz parte da sua estratégia contra crimes transnacionais, que englobam tráfico de drogas e armas, e contrabando em geral.
A posição das autoridades brasileiras segue uma conclusão semelhante da Organização Mundial de Saúde (OMS), que no ano passado elaborou um relatório alertando para o perigo que o produto pode ter para crianças e jovens.
VENDA ON-LINE
Nem mesmo o fato de a venda dos e-cigs representar uma infração sanitária sujeita a multa de até R$ 1,5 milhão tem sido suficiente para impedir a sua popularização no Brasil.
— Querendo parar de fumar, acabei pesquisando sobre eles e comprei um normalmente pela internet. Desde então, uso o meu todo dia, e tem dado certo — afirma Thiago Moreira, de 31 anos.
Conhecido na internet como “Japa do vapor”, Nicolas Mori, de 30 anos, mantém um canal no YouTube sobre o tema. Com mais de 90 mil visualizações, ele também compra os e-cigs on-line:
— Adquiri o meu primeiro em 2010, na Rua 25 de Março, em São Paulo. Quando voltei a usá-los, no ano passado, passei a comprar na internet. Chegam pelo correio mesmo.
Em geral, os “vapers” argumentam que a proibição do e-cig trata-se de uma incoerência diante da venda legal do cigarro comum.
— É um contradição, porque o cigarro, que é comprovadamente prejudicial à saúde, é legalizado. Se as autoridades quisessem regularizar os e-cigs, bastava criar regras e fiscalizar o comércio — afirma Moreira.
Apesar de reconhecer que os e-cigs têm menos substâncias tóxicas que o cigarro comum, Jaqueline Scholz, do Incor, nega que eles sejam um tratamento para o vício em nicotina.
— O fato de eles terem vantagens em relação aos cigarros não quer dizer que não tenham outras substâncias tóxicas. A regulamentação dos e-cigs é um debate quente, mas a proibição da sua venda é preventiva — diz ela.

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