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6.23.2015

Como é a vida com TOC (transtorno obsessivo compulsivo) ?

Como é a vida com TOC? 

O editor da revista científica 'Nature', David Adam. conta 

em detalhes como é sua rotina com o transtorno obsessivo  

compulsivo (TOC), distúrbio que comete 3% da população  

 mundial. O relato está em 'O Homem que 

Não Conseguia Parar', 

da editora Objetiva, recém-lançado 

no Brasil

Por: Carolina Melo
David Adam é escritor e editor da revista científica Nature
David Adam, editor da revista científica Nature, lança livro sobre TOC (VEJA.com/Divulgação)
O inglês David Adam, de 43 anos, é editor da revista científica Nature 
e autor de O Homem que Não Conseguia Parar: TOC e a história 
real de uma vida perdida em pensamentos (tradução de Flávia Assis; 
Objetiva; 256 páginas; 27,90 reais), recém-lançado no Brasil. 
Em sua obra, Adam relata em detalhes as duas décadas de convívio 
com o transtorno obsessivo compulsivo (TOC), doença psiquiátrica 
que atinge 3% da população. Quem padece da doença é acometido 
por pensamentos intrusivos ou ideias recorrentes. No livro, o editor 
descreve os diversos episódios de compulsão que sofreu ao longo 
da vida: ele tinha medo de ser infectado pelo vírus HIV. 
Adam utilizava luvas para examinar se havia tocado em 
objetos sujos de sangue e recusava-se a apertar a mão de
 pessoas que apresentavam 
um simples curativo nos dedos. Até decidir escrever o livro, o escritor
 manteve a doença em segredo. Disse Adam ao site de VEJA, com 
entrevista exclusiva no Brasil: "Ao resolver lançar o livro, falei para 
os meus pais que eu tinha duas notícias, uma boa e outra ruim. 
A boa era que eu estava realizando o sonho de escrever um livro. 
A ruim é que o livro seria sobre um transtorno do qual sou vítima."
Em seu livro, o senhor afirma que o TOC foi desencadeado 
pelo medo da contaminação pelo vírus HIV. Isso parece 
bastante incomum. Eu acreditava nisso até pouco tempo atrás.
 Achava que se tratava de um problema pessoal. Mas, depois de 
falar do meu problema no livro, passei a receber mensagens de 
inúmeras pessoas com o mesmo tipo de transtorno. Elas relatam 
exatamente as mesmas experiências, os mesmos medos e crises de 
ansiedade. Digo mais: esse compartilhamento foi muito importante 
para mim.
Como a sua doença foi deflagrada? Eu tinha 18 anos e havia 
acabado de entrar na faculdade para cursar engenharia química e lá 
conheci uma veterana que me convidou pra sair. O encontro não 
deu em nada, mas no dia seguinte, quando meu amigo questionou
 como tinha sido, menti e falei que tivemos relações sexuais.
 Ele então perguntou se havíamos usado preservativo e menti 
novamente - disse que não. Ele então respondeu "você pode ter
 pegado aids". A partir desse momento, a frase do meu amigo 
não saiu da minha cabeça. Ao mesmo tempo em que eu tinha 
certeza de que era uma ideia insana eu fui tomado pelo pânico 
da hipótese de estar contaminado. Fui dormir esperando que 
o pensamento fosse embora, mas ele continuou em minha 
mente no dia seguinte e durante outros tantos dias. Minha 
vida até então era absolutamente normal. Passei minha infância 
e adolescência livre da doença. O que é normal. O distúrbio 
costuma ser deflagrado no começo da vida adulta.
O que mudou na sua vida, na prática, com a doença? 
Tornei-me o retrato da compulsão. Passei a checar tudo inúmeras 
vezes. Se eu fosse arranhado por algum objeto, por exemplo, 
eu embalava o material e levava para casa. Lá, colocava luvas 
de inverno e passava horas analisando com lupa para ter certeza 
de que não estava com gotas de sangue. A certeza, claro, nunca
 chegava. Também passei a inspecionar vasos sanitários, 
guardanapos, telefones, toalhas - tudo que supostamente pudesse
 me infectar. Além disso, se precisasse apertar a mão de alguém 
que tivesse qualquer arranhão, fazia de tudo para evitar o contato 
físico. Ligava inúmeras vezes para um serviço de atendimento 
telefônico que esclarecia dúvidas da população sobre aids.
 Perguntava sempre aos atendentes sobre todas as maneiras 
de contrair o vírus só para ter certeza de que eles me diriam 
que eu não corria esse risco. Mas eu não me contentava e 
repetia a ligação dez vezes para ouvir a opinião de outras 
pessoas, só pra garantir. Com o tempo a equipe de serviço 
já conhecia a minha voz e vice-versa. Cheguei a mudar o 
sotaque e usar um tom de voz diferente para eles não me 
reconhecerem. Passei anos da minha vida nessa tortura.
O senhor trabalha com a edição de artigos científicos. 
Tinha consciência de que esses sintomas eram do TOC?
 Claro que sim. A questão é que escondia minha condição 
de todos. Só minha mulher e dois amigos sabiam dela. 
Levei duas décadas para revelar aos meus pais. 
E contei para eles apenas porque ia publicar o livro sobre 
o assunto. Na verdade, eu acreditava que se pesquisasse 
muito sobre o assunto - e isso de fato aconteceu - poderia 
me convencer de que não havia com o que me preocupar
 e o pensamento obsessivo iria embora. Mas ele nunca foi. 
Agi como a maioria das pessoas em minha situação,
 que de alguma forma têm contato com o universo da
 saúde: subestimei a doença e posterguei o tratamento até 
chegar a um limite.
Qual foi a situação limite que o levou a procurar 
ajuda médica? Foi minha filha. O medo de atrapalhar 
a vida dela por causa da doença. A situação mudou quando
 a levei para o parque pela primeira vez. Ela era ainda um bebê. 
Lá, percebi que ela tinha um pouquinho de sangue na perna. 
O sangue provavelmente era meu. Eu tinha machucado meu
 dedo. Mas fiquei aterrorizado com a hipótese de ser sangue
 contaminado de um estranho. Eu a coloquei e tirei do balanço 
mais de uma dezena de vezes para me certificar de que não 
havia sangue no brinquedo. Voltei ao local durante a noite, 
uma lanterna, para fazer outra busca. Ali percebi o quanto 
a rotina dela poderia virar um inferno no futuro. Marquei
 uma consulta na manhã seguinte.
É natural o portador de TOC demorar a procurar 
ajuda médica, já que sintomas da doença podem 
ser confundidos com outros problemas, como crises 
se ansiedade ou medo exagerado. O senhor tem algo 
a dizer para ajudar no diagnóstico? As pessoas levam,
 em média, dez anos para procurar ajuda médica por causa
 dessa confusão. Mas a diferença entre o que é ou não saudável
 é muito clara. Falta conhecimento e espero que meu livro 
sirva para isso. O pano de fundo para o TOC é um medo irreal 
em relação a uma situação ou objeto real. Gosto de explicar 
a doença por meio do exemplo das pessoas que têm medo 
de viajar de avião. O medo não patológico se esvai ou 
diminui quando seu amigo lhe diz que o risco de a aeronave
cair é mínimo. Para quem tem TOC, essa informação é 
absolutamente indiferente. O doente foca em um dado apenas: 
o de existir o risco de o avião cair. O portador de TOC acredita
 piamente no improvável. Ele tem certeza de que é a pessoa,
 entre bilhões de outras, que não vai se encaixar nas estatísticas.
 Ou seja, o avião, para ela, cairá.
Como é lidar com a doença hoje? Continuo tendo os 
mesmos tipos de pensamentos, diariamente. Se for apertar
 a mão de alguém, sempre penso se posso me infectar. 
A diferença é que agora eu aperto a mão. Os pensamentos
 vêm e vão. Mas agora consigo espantá-los.

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