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6.25.2015

O direito às cidades e a nova agenda global

por Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais — publicado 25/06/2015 03h46
Grandes metrópoles mundiais devem assumir o papel político protagonista, à altura de seus desafiosS
hareRafael Neddermeyer / Fotos Públicas

São Paulo
São Paulo: as metrópoles precisam ter protagonismo no desenvolvimento
Diante do quadro nacional político e econômico que se forma com mais clareza desde o início do segundo mandato de Dilma Rousseff, antigas questões (muitas delas esquecidas desde os anos 1990) ressurgem com força nos debates sobre o desenvolvimento do País e na rearticulação política para a viabilidade de um projeto de esquerda de inserção mundial. 
No novo contexto que se forma atualmente, as cidades brasileiras – que se internacionalizaram nas últimas duas décadas principalmente como frutos de projetos de partidos de esquerda – também passam por um momento de mudança paradigmática em suas ações internacionais, o que redefinirá seus papéis e sua relevância nos próximos anos.
No Brasil, desde as manifestações de junho de 2013, ainda incompreendidas por grande parte das forças políticas tradicionais, o grito pelo direito à cidade vem sendo cada vez mais ouvido. Apesar do desenvolvimento social inclusivo e crescimento econômico vivido nos últimos anos no País, a demanda por melhores serviços e cidades mais humanas continua ecoando cotidianamente nos ônibus, postos de saúde, torres, terraços-gourmet, ciclovias, praças, favelas e calçadas. A nova agenda urbana global deve incorporar essas vozes e definitivamente estabelecer-se politicamente com a relevância que tem no País atualmente.
Com mais de 80% da população latino-americana vivendo nas cidades (de acordo com levantamento recente da ONU-Habitat), as questões urbanas como transporte, habitação, lixo e meio ambiente tornam-se centrais na nova agenda mundial. As próprias organizações internacionais tradicionais – como diversas agências da ONU, União Europeia e até Mercosul – começaram a incluir as cidades como atores relevantes para o cumprimento das metas globais e regionais e, aos poucos, colocam em seus novos objetivos a resolução de problemas urbanos, a sustentabilidade e a maior qualidade de vida nas grandes metrópoles mundiais.
As cidades, por sua vez, assumem cada vez mais um protagonismo inédito. Na Rio+20, Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente em 2012, grandes metrópoles mundiais estabeleceram objetivos próprios, independentemente dos países em que estavam inseridas.
Atualmente, a cidade de São Paulo, por exemplo, propõe construir uma nova agenda urbana com a Cepal/ONU e outras metrópoles latino-americanas (como a Cidade do México), a ser apresentada para a ONU-Habitat, como contribuição para a definição dos novos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, que estabelecerão as metas globais para as próximas décadas.
Modo petista de ação internacional: do local para o global
A participação das cidades como atores políticos que propunham uma nova postura internacional do Brasil ganhou força principalmente desde os anos 1990, com políticas adotadas pioneiramente por cidades petistas. Era o modo petista de ação internacional. E foi realizado nos maiores governos do PT de então: nas cidades, partindo do local para o global.
No caso do PT e da esquerda democrática da América do Sul, havia componentes ideológicos e estratégicos para que se buscasse a inserção internacional das cidades. O elemento central foi a busca por legitimidade para o fortalecimento de projetos políticos que visavam à disputa do governo nacional. De fato, muito do que foi criado nas localidades apoiou o fortalecimento das forças políticas que conduziam esses governos municipais.
O quadro político mudou na região com as eleições de Chávez, Lula, Kirchner, Mujica e Morales, e os Estados nacionais passaram a se contrapor ao modelo neoliberal, assim como compor coalizões que produziram modelos de desenvolvimento nacionais anti-hegemônicos do ponto de vista da política internacional. Embora a continuidade da relação do nacional com as experiências locais seja diferente, é inegável que os acúmulos locais refletiram politicamente nesses países.
No entanto, esse avanço da esquerda parece ter tido um impacto reverso, especialmente no caso brasileiro. As cidades começaram a atuar não mais como contrapontos aos governos nacionais, mas buscavam (e por muitas vezes conseguiam) ações conjuntas com os governos latino-americanos, a também chamada “cooperação multinível”. 
Exemplo disso foi a plataforma de cooperação técnica Sul-Sul para as cidades brasileiras, financiada de maneira inédita pelo Itamaraty, via Agência Brasileira de Cooperação. Cidades como Guarulhos começaram, com apoio do governo brasileiro, a oferecer cooperação técnica para cidades africanas, como Maputo, Matola, Nampula e Manhiça (nas áreas de resíduos sólidos, gestão de cemitérios, planejamento urbano e orçamento participativo). Outras cidades, como Belo Horizonte, Fortaleza, Porto Alegre e Canoas também participaram de iniciativas de cooperação técnica com cidades latino-americanas, africanas e haitianas, em consonância política com o governo brasileiro (principalmente no segundo governo do presidente Lula e no primeiro da presidenta Dilma).
Guarulhos, por exemplo, umas das administrações petistas municipais com maior continuidade (desde 2000 o PT governa a segunda maior cidade do estado de São Paulo e nona do país, com Elói Pietá e Sebastião Almeida), atua em uma variedade de temas que vão desde a agricultura urbana até o combate ao tráfico de pessoas. A cidade organizou rodadas de negócios com foco em pequenas e médias empresas das Mercocidades, adotou diversas agendas da ONU para o município (como a Metas do Milênio e o Trabalho Decente). Em pouco mais de uma década, a cidade deixou de ser vista no mundo como a cidade do aeroporto de São Paulo para se tornar uma referência internacional em políticas como orçamento participativo, saneamento básico e desenvolvimento social.
O futuro internacional das cidades brasileiras: mais cooperação e mais sul
Diante desse novo quadro, onde as cidades já começam a ter espaço e reconhecimento político, é necessário buscar agendas concretas que tenham impactos reais no cotidiano das pessoas. O Foro Consultivo de Cidades e Regiões (FCCR) do Mercosul, que se reunirá em Brasília nos próximos dias 15 e 16 de julho, por exemplo, poderia propor negócios entre pequenas e médias empresas da região, o que tradicionalmente não é contemplado pelo Grupo de Integração Produtiva do Mercosul; ou trabalhar pela certificação e comercialização de produtos de empreendimentos solidários, outra área onde não há uma política efetiva dos países da região. A busca de mercados para pequenas e médias empresas e empreendimentos solidários poderia aprofundar a integração política com países e cidades do sul (onde podemos ser competitivos) e geraria empregos em nossas cidades.
Outra alternativa importante para a efetividade das ações de cidades brasileiras seria o fortalecimento também de plataformas de cooperação internacional, a serem respaldadas, reconhecidas e financiadas pelos novos bancos de fomento e fundos internacionais com os quais o Brasil colabora, como Banco do Sul, Banco dos Brics e no caso do Mercosul, o Fundo para Convergência Estrutural e Fortalecimento Institucional do Mercosul (Focem).
A cooperação internacional fornece às cidades benefícios importantes relacionados à complementariedade técnica e financeira das capacidades locais, tendo impacto direto nas políticas públicas municipais e no cotidiano dos cidadãos. Além disso, o volume dos valores financeiros necessários para a cooperação descentralizada são infinitamente menores se comparados com a cooperação internacional e financiamentos de infraestrutura entre Estados nacionais.
O aumento da capacidade técnica dos gestores, o potencial criativo resultante dos encontros de cidades em redes e seminários temáticos, os prêmios e o reconhecimento internacional de políticas exitosas são alguns dos benefícios concretos gerados pela cooperação. Isso sem contar a capacidade de introduzir temas inovadores na agenda global ou de realizar pressões nos governos nacionais.
As cidades como espaço de lutas anti-hegemônicas
As cidades continuam sendo atores fundamentais nas lutas nas quais os espaços nacionais são mais pressionados pelas grandes articulações da elite. Por exemplo, nas questões ambientais e urbanísticas, como o transporte público e a mobilidade urbana. O governo federal sofre com olobby da indústria automobilística, o que tem sido estrutural para a organização da mobilidade das cidades brasileiras em torno dos carros, ônibus e caminhões.
O âmbito local deve ser um espaço criativo para busca de soluções que mudem essa estrutura, e a cooperação internacional é uma forma de fortalecer a agenda de baixo para cima. O mesmo pode se dar na relação com os movimentos sociais em geral e com a incorporação de suas bandeiras de luta nos planos de governo municipais, já que as cidades têm normalmente maior governabilidade política sobre suas decisões.
As relações internacionais das cidades devem continuar a fortalecer agendas nas quais a correlação de forças nos governos nacionais impede seus avanços. Ou seja, as esferas local e regional por um lado, e internacional por outro, são importantes para a disputa de hegemonia. E podem ser fundamentais, como já foram, para o enfrentamento de determinados desafios que impedem o avanço de um projeto político inclusivo, participativo e sustentável.
Sérgio Godoy e Fernando Santomauro 

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