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7.10.2015

Adolescentes usam Facebook para compartilhar relatos de automutilação

Lucas Gabriel Marins
Do UOL, em Curitiba (PR)
 
  • Reprodução Facebook
''Tenho 15 anos i me corto desde os meus 12 anos (sic)''. Foi com esta frase, acompanhada da foto de seu braço ensanguentado ao lado de uma lâmina de barbear, que a adolescente L.K. se apresentou em um dos grupos de automutilação do Facebook. Só nesta rede social há pelos menos 80 grupos que reúnem jovens, na maioria menores de idade, que são adeptos da prática. 

Boa parte dos grupos são fechados. Para entrar, é preciso pedir autorização. A reportagem do UOL foi aceita em quatro. Os posts dos adolescentes geralmente são lamentações ou pedidos de ajuda. Algumas das frases mais comuns são ''não sei como ainda tenho forças para continuar'' ou ''o que eu faço para parar com os cortes?''.

Nos comentários, os usuários procuram dar apoio um ao outro, publicando mensagens do tipo ''se cortar não vai solucionar seus problemas''. Alguns trocam telefone para manter a conversa pelo WhatsApp. Neste aplicativo, também há diversos grupos sobre automutilação. Um deles ganhou o nome de ''Anjos suicidas''. 
A dica dos especialistas é que os pais fiquem atentos aos comportamentos dos jovens. ''E se realmente for identificada a automutilação, eles devem procurar atendimento psicológico e psiquiátrico'', recomenda o psiquiatra Alexandre Laux. Para o psicólogo José Luiz Nauiak, a melhor forma de lidar com a situação é o ''diálogo''. 

A automutilação é caracterizada pela agressão deliberada ao próprio corpo, sem a intenção de cometer o suicídio. Não há dados sobre o Brasil, mas uma pesquisa publicada em 2006 na publicação científica da Academia Americana de Pediatria aponta que 17% dos adolescentes em idade escolar se mutilam mais de uma vez em toda a vida.
Para o psicólogo José Luiz Nauiack, que atendeu alguns casos nos últimos dez anos, o jovem se automutila por dois motivos principais: porque acha que fez algo errado e "se castiga", cortando a própria pele, ou para chamar a atenção das pessoas. "Quando se corta, ele vê que o outros prestam a atenção. Então ele começa a fazer isso várias vezes". A prática também está relacionada a abusos.

Violência

O psiquiatra Alexandre Laux, membro da Associação Paranaense de Psiquiatria, ressalta que a automutilação está associada a algum problema na infância e na adolescência, como o abuso sexual e a violência doméstica. ''Isso faz com que a formação de personalidade seja inadequada. A pessoa acaba desenvolvendo comportamentos imaturos e fica instável, sem saber lidar muito bem com os sentimentos'', afirma.

Muitos dos usuários das redes sociais relatam histórias relacionadas à violência sexual. A adolescente G.C., 15 anos, contou em um grupo com pouco mais de 1,8 mil membros que começou a se cortar por causa do abuso do padrasto. ''Tentei resistir, mas ele falou que me mataria e mataria a minha mãe. Então, à força ele me abusou sexualmente... Não consigo ficar feliz, só penso em me cortar me matar pois quero sair desse mundo", escreveu a jovem.

Patrícia*, 18 anos, começou a ser cortar com 14. O estopim para a ''prática'' foi o abuso sofrido e a rejeição de sua mãe. ''Apesar da violência sexual que eu sofria, foi quando minha própria mãe me disse que eu deveria morrer que eu comecei a me cortar. Cada corte que eu fazia me dava um pouco de alívio'', contou a jovem ao UOL.

Transtorno de personalidade

O Manual Diagnóstico e Estatístico de Doenças Mentais (DSM-5, na sigla da Associação Americana de Psiquiatria) classifica a automutilação como um quadro de desvio de personalidade. O mais comum é o transtorno da personalidade Borderline, caracterizado pela instabilidade nos relacionamentos interpessoais.

Jaqueline*, hoje com 19 anos, foi diagnosticada com Borderline. Ela, que também participa dos grupos, começou a se cortar com 14 anos por causa de problemas com a mãe. ''Eu só fui piorando, até que ano passado eu tive uma crise em que me cortei bastante. Levei mais de 100 pontos e fui internada em uma clinica psiquiátrica'', contou.

A produtora de moda Ray, vivida pela atriz Débora Falabella na série policial ''Dupla Identidade'' -- exibida pela rede Globo no final de 2014 -- é outro exemplo de pessoa que sofre de transtorno Borderline. A moça cortava os braços até sangrar quando seu namorado, interpretado pelo ator Bruno Gagliasso, desaparecia.
A existência dos grupos não caracteriza nenhum tipo de crime, segundo o delegado Demétrius Gonzaga de Olivera, titular do Núcleo de Combate aos Cibercrimes (Nuciber). ''Seria se existisse algum tipo de induzimento ao suicídio''. A instigação ao suicídio, especificada no Art. 122 do Código Penal, prevê reclusão de dois a seis anos e, se o ato for consumado, reclusão de um a três anos.

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