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7.12.2015

Há luz no fim do túnel dos jornais impressos?

Por Angela Pimenta em 09/07/2015 na edição 85s

Castigados pela conjunção de duas crises – uma primeira de ordem conjuntural, ditada pelo cenário político e econômico, e uma segunda, estrutural, causada pela revolução digital – os próprios diários brasileiros se perguntam sobre o desfecho do imbróglio que tem reduzido suas receitas, e consequentemente, encolhido as publicações, provocando demissões em massa e despertando dúvidas crescentes sobre sua capacidade de entregar notícias, análises e opiniões relevantes.
Segundo o jornalista Eugênio Bucci, a despeito de suas mazelas, os jornais impressos têm conseguido desfrutar de uma “autonomia na efetividade de sua cobertura” e seguem como o mais influente formato noticioso. Durante o X Congresso da Abraji, a sobrevivência dos jornais norteou um debate que reuniu o trio formado por Ascânio Seleme, diretor de redação de O Globo, Ricardo Gandour, diretor de conteúdo do grupo Estado, e Vinícius Mota, secretário de redação da Folha de S. Paulo.
Foto reproduzida do site da ABRAJI.org.br
Foto reproduzida do site da http://abraji.org.br/
Coube a Mota fornecer indicadores econômicos sombrios com impacto direto sobre os principais anunciantes dos jornais: o mercado imobiliário, o de automóveis e o de móveis e eletrodomésticos. Enquanto a última Pesquisa Mensal do Emprego (PME/IBGE) indica uma retração de 10% na massa salarial entre novembro de 2014 e maio de 2015, o Sindicato da Habitação de São Paulo (Secovi) prevê em 2015 uma queda de 25% nos lançamentos imobiliários e de 20% no número de unidades vendidas na capital paulista.
Para a Federação Nacional de Distribuidores de Veículos Automotores (Fenabrave), o tombo nas vendas deve chegar a 24% no ano. Ainda segundo o IBGE, em abril as vendas de móveis e eletrodomésticos caíram 16% em termos anualizados. Mota disse que tais indicadores retratam um cenário de depressão e que os jornais têm “tomado atitudes de sobrevivência darwiniana.” Acrescentou que “é impensável que a queda da economia continue nesse nível” em 2016 e que a crise conjuntural “vai deixar feridas, mas não vai matar.”
Indagados se depois dos últimos cortes nas redações elas iriam atravessar 2015 e 2016 sem novas demissões, os representantes dos jornais disseram esperar que sim, mas reconheceram que a decisão final não cabe à direção editorial, e sim à administração dos jornais. “Estamos bem preparados, as três empresas estão bem financeiramente,” disse Gandour. “O Estadão está muito bem, com um endividamento baixo porque tomou suas precauções.” Mota acrescentou que a decisão sobre cortes “não é no final das contas da redação.” Ele disse que “a Folha tenta evitar a dilapidação de recursos humanos,” que significa “um custo para a produção do jornal e para a qualidade que a gente quer imprimir.” Seleme concordou com os colegas.
Em um segundo painel sobre o futuro dos jornais, segundo o relato da Abraji, o colunista da FolhaLeão Serva disse que os jornais impressos estão no “volume morto” e se veem obrigados a emprestar receita e esforços para tentar alavancar suas versões digitais.
Incômodo, fragmentação e método
Para além dos riscos econômicos, Gandour abordou o que considera uma preocupante rejeição por parte do público, em escala global, ao incômodo gerado pela notícia, que chamou de “aquilo que alguém não quer que seja publicado.” Segundo ele, tal fenômeno, em que a sociedade almeja o sucesso e o bem-estar, rejeitando o contraditório, apresenta riscos para o gênero jornalístico como um todo, e não apenas para os jornais impressos. “Estará a sociedade aprimorando sua compreensão do jornalismo enquanto disciplina, com o seu incômodo?”, perguntou. “Vivemos hoje a era em que tudo tem que dar certo. O jornalismo atrasa, atrapalha e inviabiliza muitas vezes.”
A fragmentação da atenção também foi indicada como um desafio importante, tanto no lado da demanda – o leitor – quanto no lado da oferta – o conjunto das mídias. “Dos milhões de usuários que nós temos, 90% leem um ou dois artigos por mês”, disse. “É uma curva típica no mundo todo.” À medida que o público mais jovem passa a ler notícias distribuídas em redes sociais, a notícia também se fragmenta, gerando um risco adicional, que o representante do Estadão chamou de “perda do discernimento do gênero jornalístico.” Nessa perda, o público já não saberia distinguir um texto informativo de um opinativo. A mitigação desse risco específico passaria pela sinalização clara pelos sites noticiosos do que seja uma notícia ou um editorial.
Já a fragmentação da oferta repercute dramaticamente no mercado publicitário, onde os jornais, que já disputavam verbas com a TV, rádio e revistas, enfrentam os anunciantes digitais, como buscadores e redes sociais. Diante desse panorama desafiador, Gandour acredita que o futuro dos jornais depende da continuidade do método jornalístico, que rege um ofício pautado pela independência editorial e a investigação exaustiva. “A gente vê na internet coisas que não contemplam o método jornalístico, como falar de uma pessoa sem ouvi-la, reproduzir rumores sem checagem,” disse. “O jornalismo é a disciplina da verificação.”
Alguns degraus para descer
Quando pensam na sobrevivência dos jornais em longo prazo, os editores brasileiros costumam citar o caso do New York Times, que atravessou uma crise aguda na última década e agora demonstra estar melhor preparado para enfrentar a revolução digital. Em sua fala, Seleme se valeu do exemplo do Times para dizer que “a gente vai crescer, mas não neste momento. Temos ainda uns degraus para descer para depois voltar a subir.” Ao comentar as demissões em O Globo, disse que além de serem motivadas por cortes de custos, ela visaram promover “trocas de perfis para fazer frente às novas funções da redação, em vídeo e em jornalismo de dados.”
Seleme apresentou uma lista de seis prioridades seguidas pelo jornal para enfrentar a crise: a primeira é o aumento da produtividade. “Os jornais devem fazer mais por menos. Tem gente em agências de notícias usando robôs para produzir conteúdo rápido. A notícia é empacotada por um sistema,” disse. “No Globo obviamente não chegamos a tanto, mas estamos reduzindo custos em todas as linhas para fazer frente à crise desde 2012.” A segunda prioridade é o planejamento antecipado de coberturas jornalísticas especiais. A terceira, conhecer melhor o leitor, uma tarefa que segundo ele, não compete diretamente à redação. “É importante saber quem são e o querem aqueles que nos consomem”, disse.
A quarta prioridade diz respeito às métricas: “No Globo, a gente faz pesquisas diárias com os nossos assinantes, que opinam sobre o que a gente faz e sobre aquilo que julgam adequado, correto e que pode ser útil para nós.” Já a quinta prioridade é o domínio da tecnologia. “Temos que ser donos de nossos produtos, da construção de nossos sites.” Finalmente, a sexta prioridade são as apostas, feitas conjuntamente com os editores, que desde 2015 passaram a se reunir diariamente às oito da manhã. “Com isso, a gente melhorou significativamente o nosso site. Os editores pensam desde cedo com a cabeça digital.” Outra aposta é a criação de um grupo de repórteres jovens e graduados para escrever exclusivamente para o impresso. “Esse grupo faz matérias especiais para todos os dias da semana. Exclusividade também é o nome do jogo.”
Segundo Mota, a diversificação das fontes de receita nos formatos impresso e digital é uma prioridade para a Folha, que assim como os demais jornais tem adaptado sua cadeia de distribuição, montando empresas de logística e aproveitando a internet para a entrega de produtos. “Coleções de livros didáticos, paradidáticos, livros, CDs, fortaleceram as receitas dos jornais ao longo do tempo,” disse. “Há 20 anos a gente nem sabia que tinha um departamento de tecnologia no jornal. Hoje, além da redação, o segundo departamento com maior importância, em número de pessoas, despesa e orçamento é o departamento de tecnologia.” Ele ressaltou o pioneirismo da Folha na cobrança pelo conteúdo digital, acrescentando que o público tem demonstrado interesse crescente em pagar por informação de qualidade.
Ao resumir as iniciativas inovadoras do Estadão, Gandour citou a integração do departamento de tecnologia com a redação do jornal e a criação de um concurso interno, o “Estadão Futuro,” que reúne propostas de toda a empresa. “Entre os vencedores há o “Estadão Minuto”, um vídeo de um minuto por dia explicando a principal notícia do dia,” disse.
Plataformas móveis
A distribuição de notícias por redes sociais, como o Facebook, é um desafio de longo alcance para o qual os jornais ainda não têm resposta. Durante o debate, Gandour revelou que a Associação Nacional dos Jornais (ANJ) negocia com o Facebook um modelo de negócios para a distribuição de notícias dos jornais pela rede social no formato Instant Articles, que já tem o NYT e o Guardiancomo parceiros. “Há mais dúvidas do que certezas hoje”, disse, acrescentando que “talvez não seja possível abrir mão desse canal.” Segundo Seleme “no Globo a decisão é ficar sempre de pé atrás nesse tipo de associação, porque a gente também está sendo forte nos nossos próprios portais. Nessa fase de teste, o [portal] G1 entrou com uma série de impeditivos.” As razões para as reservas do meio impresso contra o Facebook foram abordadas pelo Observatório da Imprensa neste artigo de Caio Túlio Costa.
Mas a migração do conteúdo digital para plataforma móveis, sobretudo celulares, tem apresentado um crescimento explosivo para os jornais. E é pelo temor de perder a audiência gerada majoritariamente pelo público jovem que os jornais não descartam parcerias com as redes sociais. De acordo com Gandour, a audiência vinda de smartphones já supera em 30% a 40% a base de audiência total do site do Estadão. Mas pesquisas internas do jornal mostram que o engajamento do público também é menor nesse formato, devido à fragmentação da atenção.
A curva de longo prazo
Assim como no resto do mundo, os jornais brasileiros admitem que o fim do jornal de papel tal como conhecemos hoje é uma questão de tempo – quanto ninguém sabe. Para especialistas na indústria da mídia, o fim do impresso está diretamente relacionado a um indicador, o chamado CPM, ou custo por mil leitores (no impresso ou digital) para o anunciante. Um artigo desta repórter para o Observatório  descreveu um diálogo recente entre Margaret Sullivan, editora pública (cargo equivalente a ombudsman) do NYT, e o pensador Clay Shirky sobre o declínio da mídia impressa. Professor da Universidade de Nova York (NYU), em 2009 Shirky escreveu umartigo de fôlego a respeito. Em sua coluna, Sullivan argumentava que hoje 70% de todo o faturamento do Times vem do jornal impresso, seja na forma de vendas avulsas, assinaturas ou publicidade. E ela citava dois editores executivos do jornal – Roland Caputo e Dean Baquet – para quem o impresso continuará de pé por pelo menos mais uma década.
Eis parte da réplica de Shirky: “Gostaria de oferecer uma narrativa consideravelmente mais sombria: penso que o padrão de declínio do faturamento do impresso será rápido, lento, rápido”. Para ele, a perda de receita dos jornais americanos se acelerou entre 2007 e 2009, em meio à recessão e à explosão dos smartphones e tablets. Graças, em parte, à recuperação da economia dos Estados Unidos, a queda de faturamento se desacelerou. Mas Shirky prevê uma nova fase de forte queda de receita à medida que a circulação impressa continuar a encolher: “O problema da mídia impressa é que os retornos vantajosos obtidos com a distribuição física de jornais tornam-se desvantajosos quando a escala diminui.” Se a tese de Shirky se confirmar, num futuro não muito distante um grande jornal como o NYT pode deixar de circular em versão impressa, ou fazê-lo apenas em edições dominicais.
Indagados sobre como este desafio se reflete sobre os diários brasileiros, Gandour disse que a descontinuidade dos jornais de papel por aqui ainda é uma possibilidade remota, pois a circulação impressa tem se mantido estável apesar da crise, acrescentando que “o Brasil tem um bônus demográfico e os leitores dos jornais estão vivendo mais.” Mas o lado da receita publicitária é bem mais preocupante. Segundo dados apresentados por Mota baseados no projeto Inter-meios, entre os anos de 1996 e 2014, enquanto o PIB brasileiro cresceu 75%, o total de receitas publicitárias avançou 88%.
Mas as verbas investidas em jornais impressos caíram 36%, enquanto as da TV aberta cresceram 120%. Todos os indicadores foram calculados em termos reais, descontando a inflação. Ele acrescentou que os anúncios dos grandes jornais brasileiros são entre seis a dez vezes mais caros do que os da internet. Logo, tal como nos Estados Unidos, em função da maior rentabilidade e do prestígio, os jornais brasileiros tentam preservar o meio impresso pelo maior tempo possível. Engolfada por duas crises simultâneas, a relevância dos jornais brasileiros depende cada vez mais da resiliência de suas redações. Depois dos últimos cortes, elas operam no limite de sua capacidade.

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