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7.13.2015

Os eleitos pela genética e as novas regras de reprodução assistida


A aplicação de testes em embriões humanos faz nascer uma geração de bebês que poderá crescer livre da ameaça de alguns tipos de câncer e de outras doenças

Mônica Tarantino e Renata Cabral
Foto: Firefly Productions/cordis/Latinstock
Você gostaria de evitar que o seu filho perdesse os cabelos antes dos 40, como aconteceu a você, ao seu pai e ao seu avô? Sonha em ter uma filha que possa vir ao mundo livre de uma doença hereditária que atinge os membros da família? De um extremo ao outro, a ciência está ao seu lado. Como resultado do grande esforço mundial para desvendar as dezenas de milhares de variações do código genético humano, começam a surgir novos métodos de diagnóstico destinados a identificar, o mais cedo possível, as alterações associadas a várias doenças.
São exames capazes de revelar erros na programação genética que levarão a males como a hemofilia e também a alguns tipos de câncer. Até hoje, contudo, qualquer mudança na sequência do nosso DNA dependia praticamente do acaso, a lenta adaptação da espécie, batizada de seleção natural. Nos últimos meses, entretanto, uma série de casos médicos mostrou que foi dado um passo adiante – a partir de agora, o uso da tecnologia em embriões nos laboratórios, antes mesmo de a gravidez começar, está inaugurando o que se pode chamar de seleção artificial. Foi aberta a porta para se evitar doenças hereditárias, mas também para que os pais possam escolher, por exemplo, o sexo do bebê. Como toda revolução, essa promete incontáveis benefícios – e muitos questionamentos éticos.
ÊXITO Javier, no colo da mãe, Soledad, foi selecionado para ser compatível com o irmão, que precisa de transplante
Até agora, o caso de maior repercussão mundial se deu na sexta-feira 9, com o anúncio do nascimento da primeira menina inglesa selecionada geneticamente para não ter o gene BRCA1, responsável por 10% dos cânceres de mama e também tumores malignos de ovário. Ela foi concebida artificialmente, com técnicas de fertilização in vitro (o óvulo é fecundado pelo espermatozóide no laboratório), para que os embriões pudessem ser avaliados. “Só os sem a mutação foram considerados aptos para serem transferidos para o útero”, disse o pesquisador inglês Paul Serhal, que liderou o trabalho. O processo de seleção artificial livrou a criança da sentença do câncer de mama atado a esse gene. Agora, a menina terá as mesmas chances de qualquer mulher de manifestar a doença. Caso contrário, o risco seria de 80%. A mãe, de 27 anos, decidiu se submeter à reprodução assistida e à seleção do embrião porque a irmã, uma prima, a avó e a mãe dela tiveram esse tumor.
Outro caso bem-sucedido de seleção de embriões aconteceu na Espanha. Há quatro meses, o casal Soledad Puertas e Andrés Mariscal optou pela fertilização in vitro para gerar um bebê com características compatíveis com o outro filho, Andrés, de seis anos, que sofre de beta talassemia. A doença consiste em uma impossibilidade do organismo de fabricar hemoglobina, o pigmento que dá a cor aos glóbulos vermelhos do sangue. Por isso, o menino precisava de transfusões regulares e também de um transplante de medula, para consertar a sua fábrica de hemoglobina. Na maioria dos casos, o doador costuma ser encontrado em bancos de medula ou de cordão umbilical. Outra tentativa dos casais era engravidar naturalmente para, em uma espécie de loteria, tentar um bebê apto a ser doador. Walter Pinto, professor-titular de genética médica da Universidade Estadual de Campinas, por exemplo, atendeu uma moça que engravidou seis vezes até ter um filho compatível com o irmão. “Com a possibilidade de selecionar o embrião, isso não precisa acontecer mais”, diz Pinto.
Comparando o DNA a uma enciclopédia, os cromossomos são os fascículos desta enciclopédia. E os genes são os capítulos de cada fascículo. Assim, para se ter uma ideia do desenvolvimento da ciência, os novos testes genéticos podem detectar alterações cromossômicas, como a síndrome de Down, mas também apontam modificações em um único gene, como a que causa a distrofia muscular de duchene, responsável por um comprometimento dos músculos da pessoa. Antes de serem feitos em embriões, esses exames já eram oferecidos para casais com histórico familiar de doenças genéticas. “Mais de 300 alterações podem ser diagnosticadas”, diz o geneticista Thomaz Gollop, da Universidade de São Paulo. Os mesmos testes podem ser feitos no início da gravidez. Nestes casos, a notícia de uma anomalia no feto costuma levar o casal a dilemas éticos e religiosos sobre o que fazer, mesmo em países onde o aborto é permitido. A evolução da genômica e a possibilidade de avaliar embriões – ainda que isso implique a necessidade de recorrer aos métodos de reprodução assistida – permitem evitar parte desses conflitos sociais e psicológicos.
PIONEIRO
O cientista Paul Serhal aplicou o primeiro exame para câncer de mama hereditário em embriões na Inglaterra
Avaliar embriões com alto risco de câncer de mama é um marco na história da medicina por causa da incidência da doença. Daqui por diante, o que se espera é uma ampliação no número de tumores passíveis de serem detectados. A expansão está diretamente ligada ao conhecimento da biologia desses tumores, área que consome milhões de dólares. “Estamos tendo ótimos resultados com testes em embriões para um tipo de câncer de cólon retal hereditário, que é causado por mutações no gene APC”, disse à ISTOÉ a cientista Sioban SenGupta, coordenadora de um centro de estudos da University College of London dedicado aos diagnósticos para embriões.
Evidentemente, o uso das ferramentas para avaliar os genes tem restrições. Atualmente, testes para o câncer de mama em embriões são realizados em países como Austrália, Bélgica, Estados Unidos e no Brasil dentro de limites bem estabelecidos. “São válidos para os casos em que já se detectou o gene mutado em pessoas da família”, diz o especialista em biologia molecular Péricles Hassun, da empresa Genesis Genetics. O ginecologista José Aristodemo Pinotti, de São Paulo, diz ter promovido o nascimento de seis meninas sem o gene indesejável. “Comecei a atender as netas das minhas primeiras pacientes e vi a doença se repetir. A seleção de embriões sem os genes mutados BRCA1 e 2 permite que a transmissão do risco seja interrompida”, diz ele. Outro uso cercado de cuidados é para investigação do sexo do embrião. Ela é feita para excluir várias doenças ligadas ao gênero. No entanto, um estudo mostrou que pelo menos 8% desses testes são feitos apenas para escolher o sexo da criança.
No Brasil, ainda que o preço para se beneficiar desses avanços da medicina seja elevado – o tratamento completo, com a fertilização in vitro, não sai por menos de R$ 20 mil –, eles são fonte de alívio para os casais com filhos ou parentes com doenças genéticas. Na rede pública, esses recursos não estão disponíveis. “Quando se trata de um filho, qualquer chance de nascer com uma doença hereditária se torna algo enorme. Isso vale o investimento”, diz Mariana, uma administradora de empresas do Rio de Janeiro que prefere manter o anonimato. Depois de dois abortos espontâneos, ela foi aconselhada a fazer exames genéticos que revelaram uma mutação em um cromossomo ligado à determinação do sexo.
Em muitos casos, na presença dessa alteração a gravidez não vai adiante. Se progride, a criança pode ter a síndrome do triplo X, uma anomalia que causa desde problemas de retardamento mental até infertilidade, entre outras doenças. Para se precaver, Mariana optou pela reprodução artificial e seleção de embriões. “É uma segurança para as mães”, diz o médico carioca Luís Fernando Dale. Mariana é mãe de gêmeos idênticos e pretende engravidar de novo. Como ela, outras 20 mulheres não quiseram sair do anonimato para aparecer nesta reportagem. Elas temem críticas de setores que consideram a seleção artificial dos embriões uma violação do curso natural da vida ou ser apontadas como pessoas com algum tipo de defeito.
FUTURO O exame de DNA revelou a Sergey Brin (à esq.), do Google, seu risco de ter a doença de Parkinson. Péricles Hassun, de São Paulo, aplica e desenvolve testes
A bióloga paulista Lúcia Pimenta não tem esse receio. Há 13 anos, ela descobriu que seu filho, então com seis anos, era portador da síndrome do X-Frágil. O problema, que é hereditário, compromete o desenvolvimento intelectual, pode causar hiperatividade e determina traços, como rosto alongado e orelhas de abano. O diagnóstico pôs fim à procura por médicos das mais diversas especialidades. Nesse processo, ela passou pelo exame e descobriu ser portadora da mesma mutação. Depois, fundou uma associação para portadores da doença e conseguiu que mais 50 pessoas da família fizessem o exame.
A exploração desta nova fronteira do conhecimento promete apresentar novos conflitos éticos. “Que tipo de decisão a sociedade poderá tomar com base no perfil genético do indivíduo?”, questiona a geneticista Lygia Pereira, da Universidade de São Paulo. “Uma escola poderá se recusar a receber um aluno que tenha um gene da agressividade? Poderei escolher se meu filho terá cabelos crespos ou lisos? Devemos discutir esses limites”, diz ela.
Recentemente, o cofundador do site Google, o jovem Sergey Brin, submeteu-se a um sequenciamento do DNA que revelou grandes chances de ele manifestar a doença de Parkinson. Esse tipo de varredura, feito pela empresa 23andMe, da esposa de Brin, Anne Wojcicki, custa cerca de US$ 1 mil. Para submeter-se a ele, basta passar um cotonete na bochecha ou cuspir em um frasco e mandar para os Estados Unidos. Brin levou para o lado positivo. “Isso me deixa em uma posição única. Saber que posso ter essa doença no início da vida me permite fazer ajustes para reduzir minhas chances de manifestá-la”, disse o executivo.
SEM MEDO Lúcia descobriu que ela e o filho têm a mesma anomalia genética. Avisou os parentes e fundou uma associação para orientar outros portadores
Não é fácil. “Vamos ter de conviver, cada vez mais, com informações sobre o nosso DNA”, diz o especialista em reprodução humana Eduardo Motta, de São Paulo. De fato, a seleção genética da espécie pode nos conduzir a outra relação com o tempo e com nós mesmos. Graças a ela, investiga- se o passado para melhorar o futuro das próximas gerações. Esse conhecimento antecipado sobre riscos potenciais à saúde ou determinadas características comportamentais, no entanto, deve influenciar também a maneira como cada um se comporta no seu dia-a-dia. “A vida não é só gene”, lembra Eduardo Motta. “De nada adiantaria selecionar um embrião sem o código do colesterol elevado se a pessoa mantiver um estilo de vida pouco saudável.” Assim, na nova era da seleção genética, não se deve abandonar o velho conceito de que, antes de tudo, é preciso saber viver bem o presente.

Colaborou Greice Rodrigues

CFM publicou uma nova resolução para normatizar a prática.
Principal mudança é limite de idade de 50 anos para receber inseminação.


O que é?
A nova resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) sobre a reprodução assistida estabelece uma série de normas para regulamentar a fertilização in vitro e a inseminação artificial. Os médicos que não cumprirem o que a resolução determina podem ser alvo de um processo ético – as punições cabíveis são advertência, suspensão e até cassação.
Segundo o CFM a resolução preenche uma lacuna da legislação brasileira, que não tem uma lei específica para a prática da resolução assistida. A resolução foi publicada pelo Diário Oficial da União nesta quinta-feira (9) e já está em vigor.
Idade máxima para engravidar
A partir de agora, a idade máxima que a mulher pode ter para se submeter à inseminação artificial é de 50 anos. Antes, não havia limite de idade para a prática. O limite foi escolhido por causa do risco obstétrico, já que, após os 50 anos, aumentam os casos de hipertensão na gravidez, diabetes e partos prematuros.
Doação de óvulos
A chamada doação compartilhada de óvulos, que não era mencionada na resolução antiga, passa a ser permitida da seguinte maneira: uma mulher que não consegue produzir óvulos ajuda financeiramente outra mulher capaz de ovular, mas com dificuldades de engravidar, a fazer tratamento reprodutivo. Em troca, a primeira recebe a doação de um óvulo. A doadora de óvulos não pode ter mais de 35 anos – para garantir que o óvulo é saudável.
Doação de espermatozoides
Antes, não havia limite de idade para a doação de espermatozoides para a reprodução assistida. A partir de agora, somente homens com menos de 50 anos poderão doar para bancos de esperma – estudos mostram que filhos de pais mais velhos correm maior risco de desenvolver problemas de saúde.
Gays e solteiros
Fica expressamente permitido o uso da reprodução assistida por mulheres solteiras ou por casais homoafetivos. Antes, o texto dizia que “qualquer pessoa” poderia usar a técnica “nos limites da resolução”, mas o CFM considerou que estas palavras permitiam diferentes interpretações. A partir de agora, homossexuais e solteiros são citados na resolução como elegíveis para a inseminação.
‘Barriga de aluguel’
A nova resolução aumenta a possibilidade de uso da “barriga de aluguel”, ou “útero de substituição”, no jargão do CFM. A prática consiste em uma mulher gerar em seu útero um embrião fecundado com o óvulo de outra mulher – que será a verdadeira mãe da criança, tanto genética quanto afetivamente.
O CFM não aceita o uso comercial da prática e só permite que ela seja feita quando a mulher que gera o filho tem algum parentesco com o pai ou com a mãe da criança, mas a permissão foi ampliada. Pela resolução antiga, esse parentesco deveria ser de até segundo grau – mãe ou irmã. Com o novo texto, parentes de até quarto grau – tias e primas – também podem emprestar o útero para este fim.
Descarte de embriões
Quando é feita uma fertilização in vitro, os médicos normalmente geram um número de embriões superior ao que vai ser inseminado na paciente. Pelo texto antigo, as clínicas não poderiam descartar estes embriões já fecundados, e a nova resolução altera este ponto.
A partir de agora, a clínica só deverá manter os embriões congelados – ou “criopreservados”, no jargão médico – por cinco anos. Depois disso, eles poderão ser descartados ou doados para a ciência – a escolha será feita pela mãe na contratação do serviço. Caso ela queira manter os embriões por mais de cinco anos, terá de pagar por isso.
Seleção genética
A nova resolução permite expressamente a seleção genética de embriões para que o bebê não tenha uma doença hereditária que algum filho do casal já tenha demonstrado. O texto permite, inclusive, o transplante de células desse bebê para o irmão mais velho. A técnica não era abordada pelas normas antigas.
Segue vetada, no entanto, a escolha do sexo do bebê em laboratório, exceto quando a seleção for feita com o intuito de evitar doenças ligadas a esse sexo.
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Entenda como funciona afertilização in vitro (Foto: Editoria de Arte/G1)

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