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9.09.2015

A injeção contra o colesterol

Brasileiros começam a testar o remédio mais eficaz desenvolvido até agora para combater o mal que atinge 40% da população mundial. Seis laboratórios brigam para saber qual lançará primeiro a nova droga no mercado

Monique Oliveira

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O controle do colesterol está no centro das atenções de médicos de todas as especialidades, até mesmo dos pediatras. Apesar de cumprir funções nobres no corpo –, é indispensável à formação das células e produção dos hormônios sexuais, por exemplo – a substância torna-se um problema quando o LDL, uma das frações que a compõem e que é conhecida como mau colesterol, ultrapassa os limites desejáveis. Em excesso, o LDL se acumula no interior das artérias e bloqueia a passagem do sangue, o que pode levar ao infarto (se for no coração) ou a um acidente vascular cerebral. Domar o mau colesterol, portanto, é um dos maiores desafios da ciência.

A boa-nova é que os pesquisadores estão prestes a dar uma virada nos rumos dessa batalha com o lançamento de um remédio que é o mais eficiente recurso descoberto desde as estatinas, a principal medicação em uso para reduzir o LDL. A substância que pode fazer essa revolução é uma molécula nova, ministrada na forma de injeção, com periodicidade quinzenal ou mensal.
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CAMINHO CERTO
Eduardo Mekitarian, 67 anos, conseguiu controlar o
colesterol com dieta, exercício e remédio
Os resultados obtidos com testes em cerca de mil pacientes surpreenderam os pesquisadores. Associada às estatinas, a injeção conseguiu reduzir em até 72% o LDL, algo jamais alcançado. “O índice apresentado nos estudos de redução do colesterol é muito alto”, afirma Leopoldo Piegas, cardiologista do Instituto Dante Pazzanese, que conduzirá testes com o medicamento. Mesmo em grupos que tomaram apenas o novo remédio o mau colesterol sofreu uma diminuição significativa. No próximo ano, dezenas de milhares de pessoas serão submetidas ao uso experimental do novo remédio. Seis grandes empresas farmacêuticas multinacionais estão acelerando o planejamento dos seus testes de fase três – que comprovam a eficácia e a segurança do medicamento em populações maiores. Elas disputam qual chegará primeiro ao mercado com o novo remédio. Em junho, por exemplo, durante uma conferência em Paris, as indústrias Sanofi e Regeneron, parceiras na pesquisa do novo remédio, anunciaram que farão estudos com 22 mil pessoas em diversos países. O laboratório Amgen, por sua vez, iniciará avaliações em 20 centros de referência em cardiologia no Brasil nos primeiros meses de 2013. A molécula, por hora designada por um amontoado de siglas e números, será avaliada também em 30 centros latino-americanos. Outras gigantes do mercado farmacêutico que participam dessa corrida são a Pfizer, a Novartis, a Merck e a Bristol-Myers em conjunto com a Isis Pharmaceuticals.

O novo remédio é a maior esperança na luta contra a doença em 25 anos. “Se essa injeção for aprovada, mudará a história do tratamento do colesterol”, afirma o cientista Raul Dias dos Santos, diretor da Unidade de Dislipidemias do Instituto do Coração de São Paulo, outra das instituições escaladas para avaliar o novo medicamento. O otimismo cauteloso do pesquisador tem fundamento. Há anos buscam-se novos caminhos para melhorar o controle do colesterol alterado, que acomete 40% da população mundial e contribui para 56% dos casos de óbitos por doenças coronárias, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS).
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A injeção é inovadora em vários sentidos. Primeiro, porque atua por caminhos diferentes das estatinas, que contêm as taxas de gordura no sangue, inibindo a sua produção no fígado. A molécula bloqueia a atividade de uma enzima natural do corpo chamada PCSK9. Essa enzima destrói os receptores de LDL no sangue, cuja função é retirar o excesso de colesterol ruim em circulação, como ficou demonstrado por estudos publicados nos últimos dez anos pela revista científica “New England Journal of Medicine”. Com o avanço das pesquisas, os cientistas encontraram mais alterações na mesma enzima capazes de gerar baixas concentrações de LDL no sangue e de ligá-la aos casos de hipercolesterolemia familiar. São situações em que membros de diversas idades de famílias inteiras convivem com elevadíssimas taxas de colesterol. “Não há dúvida de que essa enzima está profundamente envolvida na regulação do colesterol”, atesta a farmacêutica bioquímica Marileia Scartezini, da Universidade Federal do Paraná, autora de uma tese de pós-doutorado sobre mutações genéticas relacionadas a taxas excessivamente baixas. “A essa altura, já era possível vislumbrar que um novo medicamento de combate à doença passaria pelo estudo da enzima PCSK9”, disse à ISTOÉ Gregg Fonarow, diretor do Centro de Cardiologia Preventiva da Universidade da Califórnia em Los Angeles (Ucla).
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Hoje o tratamento para o colesterol alto passa necessariamente pelas estatinas quando o controle não é conseguido com mudanças no estilo de vida. O problema é que pouca gente consegue mudar a dieta, parar de fumar e adotar um programa de exercícios semanais, que são as primeiras recomendações dos médicos a quem começa a mostrar alterações no LDL. “Não é fácil, mas eu consegui”, diz o professor de pós-graduação Eduardo Mekitarian, 67 anos. Há cinco anos, ele pratica 15 minutos de caminhada todos os dias, toma estatinas religiosamente e controla a dieta. Não come pizza mais de duas vezes por mês, tirou do prato embutidos, crustáceos e reduziu o consumo de carnes. “A transformação aconteceu quando eu descobri que estava com as coronárias entupidas e fiz uma cirurgia para colocar safenas. O susto mudou minha vida”, diz ele.
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As indicações médicas, porém, não são aceitas por todos. Para alguns, a necessidade de tomar mais de um comprimido por dia é um empecilho para perseverar no tratamento. Isso fez com que a designer Ana Vizeu, 33 anos, recusasse os remédios. “Depois de descobrir que tinha o colesterol alto, pesquisei na internet como era a dieta e vida dessas pessoas”, conta. “Estou tentando segurar com dieta e exercícios, mas admito que sem tanta eficácia”, reconhece. A designer tem colesterol total (a soma de todas as frações) acima de 200 mg/dl (miligramas por decilitro de sangue) e não conseguiu até agora aderir a uma rotina que reduza suas taxas. Para a Sociedade Brasileira de Cardiologia, o colesterol total não deve ultrapassar 200 mg/dl. Níveis entre 200 e 240 mg/dl já são elevados e merecem atenção. Acima desses valores, são preocupantes.
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PESQUISA
O cardiologista Leopoldo Piegas comandará os testes com a injeção
no Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, em São Paulo
Embora seja a arma mais eficaz encontrada até hoje, as estatinas têm sido alvo de duras críticas por seus efeitos colaterais, como perda de memória e fadiga muscular. Outro efeito indesejado é um incremento na produção da enzima que destrói os receptores de LDL, responsáveis pela remoção do mau colesterol. A nova injeção combate justamente essas enzimas. Alguns pesquisadores acreditam que seja esse o motivo que faz o remédio ter impacto limitado em casos como o da aposentada Maria Júlia Lima, 63 anos, de São Paulo, que sofre da forma genética da doença. “Já tenho duas pontes de safena e meu colesterol total chega a 500 mg/dl”, diz a aposentada, que toma 12 medicamentos por dia.
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Pessoas como Maria Júlia serão as primeiras beneficiadas pela nova injeção. “É o maior golpe contra o colesterol desde as estatinas”, disse à ISTOÉ Evan Stein, pesquisadora americana que coordena os estudos patrocinados pela Regeneron e Sanofi. Os resultados da pesquisa que chegaram a uma redução de até 72% nos níveis de colesterol foram publicados em julho pela conceituada revista científica “Lancet”. O trabalho comparou indivíduos saudáveis que tomaram a injeção anticolesterol com portadores da forma genética da doença em tratamento com estatinas e ezetimiba (medicamento que ajuda na diminuição do colesterol com a absorção do LDL no intestino) por quatro meses. A Pfizer, que conduz estudo de fase 2, ainda não publicou seus resultados, mas divulgou que os 48 pacientes analisados não apresentaram efeitos adversos à sua molécula.
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Outro grupo que poderá ser favorecido pelo novo medicamento é aquele que não se dá com as estatinas, segundo Mariano Janiszewski, diretor-médico da Amgen no Brasil. “Cerca de 5% a 10% das pessoas não suportam esses remédio de jeito nenhum, e um número ainda maior não suporta doses elevadas”, diz a pesquisadora Evan.
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Sem tratamento
Ana Vizeu, 33 anos, tem colesterol alto, mas não quer tomar
medicamentos e tem dificuldade para seguir a dieta certa
Apesar da expectativa em torno da nova medicação, há ponderações a serem feitas. “Mais testes são necessários para que se avaliem as consequências de se inibir uma molécula natural em ativação no organismo. Precisamos ver os efeitos disso”, diz a pesquisadora Tânia Martinez, cardiologista e professora da Universidade de São Paulo. “Eu mesma perguntei em um congresso se não havia riscos para inflamações ou tumores. Os pesquisadores do novo medicamento asseguraram que não”, conta a professora. Porém, até cientistas ligados aos laboratórios farmacêuticos preferem adotar um tom mais brando diante dessas possibilidades. “Embora mais de mil pessoas já tenham usado a droga sem efeitos colaterais, não dá para mapear todas as suas consequências”, disse a pesquisadora Evan. “Os estudos foram feitos em períodos curtos, por no máximo 12 semanas. É necessário acompanhar por mais tempo a ação da molécula fora do terreno cardiovascular.

Uma vez aprovado pelos órgãos que regulam os medicamentos, restará ainda um desafio: garantir o acesso ao produto. Remédios biológicos estão entre os mais caros da atualidade. Nos Estados Unidos, por exemplo, especialistas da American Cancer Society tentam firmar um pacto entre as companhias que produzem esses medicamentos, as seguradoras e o governo para que mais pessoas possam usufruir o que a medicina oferece de mais moderno. No Brasil, alguns remédios desse grupo foram incluídos nos protocolos de tratamento de instituições públicas, como o Instituto do Câncer do Estado de São Paulo, e há centenas de liminares para que os planos de saúde paguem por esses tratamentos. Afinal, é preciso garantir que as conquistas da ciência cheguem a quem precisa.
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Foto: Kelsen Fernandes; Julio Vilela

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