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11.11.2015

A entrevista de Lula ao SBT

Marcus Ianoni
No dia 5, quinta-feira passada, Lula concedeu uma longa entrevista ao SBT. O entrevistador foi o jornalista Kennedy Alencar. Goste-se ou não do PT e de Lula, o ex-presidente da República, que exerceu dois mandatos entre 2003 e 2010, é inegavelmente uma grande liderança política, característica fundamental para entender o processo de transformação das nações nas esferas política, econômica e social e avaliar os resultados alcançados. E não se trata de um líder que aposta no mero   protagonismo personalista e voluntarista. Sua trajetória e seu discurso evidenciam que ele tem consciência de que a democracia é difícil, institucionaliza a disputa política, depende de muita negociação e diálogo e da construção de coalizão social e partidária. Mas a democracia é o único caminho que interessa aos trabalhadores, por abrir a eles, através da política, a possibilidade da inclusão social, através da implementação de um processo de desenvolvimento que combata a pobreza e a desigualdade.
Lula considera que há uma onda de incerteza e pessimismo no país e ela deve ser substituída pela perspectiva do desenvolvimento e da esperança. Cabe à presidente Dilma reverter essa situação, fazendo a roda gigante da economia voltar a girar, nem que seja aos poucos, para abrir perspectivas de emprego, sobretudo aos jovens que, a cada ano, demandam ingresso no mercado de trabalho. Há ainda três anos de mandato e já existem algumas condições para a mudança, ao passo que outras devem ser construídas através da política. Para mudar, ao invés da opção pela reintrodução da CPMF, ele preferiria uma forte política de crédito, envolvendo as cadeias produtivas, com grandes empresas sendo avalistas de suas fornecedoras, passando pelo crédito consignado para a indústria, liberação de financiamentos para governadores e prefeitos que têm capacidade de tomar empréstimos e algum crédito para o consumo.
Por outro lado, a perspectiva desenvolvimentista de Lula não se opõe à preocupação com a estabilidade. De fato, a integração dessas duas dimensões foi uma preocupação de seu governo, cuja política macroeconômica, orientada por uma metodologia gradualista, situou-se, sobretudo a partir de 2006, em algum ponto intermediário entre o neoliberalismo e o novo-desenvolvimentismo. O ex-presidente afirmou que tem obsessão contra a inflação.  Defendeu o primeiro mandato de Dilma, que encerrou 2014 com alto nível de emprego, mesmo enfrentando uma conjuntura internacional desfavorável, devido a uma crise que alcançou proporções inesperadas até mesmo pelas lideranças do G-20 (grupo que reúne as maiores economias do mundo).
Mas Lula avalia que houve dois equívocos na política econômica de Dilma Roussef e Guido Mantega, que concorreram para a perda de credibilidade dos capitalistas no governo, um sobre como combater a inflação e outro de natureza fiscal. O primeiro foi a contenção do preço dos combustíveis e o segundo, o excesso nas desonerações. Aliás, o líder petista assumiu que manifestou, em 2013, a opinião, destinada ao então ministro Mantega, de que, quem está há muito tempo no governo, precisa afastar-se para renová-lo. Os problemas fiscal e inflacionário e o acirramento das disputas políticas a partir da conjuntura aberta pelas manifestações de 2013, além de outras dificuldades não mencionadas por ele, como o baixo crescimento e o desequilíbrio em Dilma 1 entre, por um lado, o avanço do intervencionismo e, por outro, o recuo em relação às práticas de concertação com os empresários e movimentos sociais, provocou a ruptura da coalizão social-desenvolvimentista lulista, que vinha sendo construída, e abriu caminho para a ofensiva neoliberal sobre as políticas do Estado, expressa na opção pela austeridade, que os grandes industriais apoiam, desde que não implique em aumentos de impostos e não tarde em ser substituída por uma agenda de crescimento. Obviamente, o problema da corrupção, ingrediente importante da conjuntura desde 2014, assim como as consecutivas vitórias eleitorais do PT, a partir de 2002, e a eleição de um Congresso Nacional de composição conservadora também exacerbam a competição política entre oposição e governo.
Em relação à corrupção, afirmou que hoje, no Brasil, para as pessoas não serem investigadas, elas têm que andar corretamente, pois seus governos e os de Dilma fortaleceram e continuam fortalecendo a Polícia Federal e estimularam e estimulam a autonomia do Ministério Público. Disse ser totalmente favorável às investigações em curso na Operação Lava Jato e Operação Zelotes, mesmo quando se dirigem a seus amigos ou parentes. No entanto, criticou os vazamentos seletivos de informações sobre os investigados e o que chamou de “república da suspeição”. Considera que as instituições não têm apenas que ser fortes, mas também responsáveis, pois detêm um poder que precisa ser exercido adequadamente, tanto para não franquear a impunidade contra os que comprovadamente cometeram irregularidades, como para não cometer injustiças contra os suspeitos, como aconteceu no famoso caso da Escola Base, na cidade de São Paulo.
Enfim, os pontos principais da entrevista foram os grandes temas que caracterizaram os três primeiros governos de coalizão do PT: democracia, desenvolvimento, inclusão social e combate à corrupção. Infelizmente, houve problemas no último ponto, que prejudicaram o desempenho nas outras áreas também. Por outro lado, pode-se fazer o seguinte balanço rápido em relação aos outros três temas. Houve um inegável avanço no combate à pobreza e na inclusão social, internacionalmente reconhecido, iniciado em Lula e prosseguido por Dilma. Na questão da democracia, alavanca fundamental para o fortalecimento institucional da coalizão social-desenvolvimentista, Dilma recuou em relação ao caminho de concertação que Lula vinha perseguindo e isso contribui para explicar seu isolamento e o enfraquecimento da aliança entre classes, frações e partidos. Em relação ao desenvolvimento, Lula tanto se beneficiou de uma conjuntura internacional mais favorável quanto foi um líder mais consciente da dimensão política do processo de transformação, sobretudo por ter demonstrado, na prática, as virtudes da concertação, via conselhos e conferências, realizando, por exemplo, reuniões sistemáticas até mesmo com reitores de universidades públicas, como ele menciona na entrevista. Além da aproximação em relação às organizações da sociedade civil, construiu mais pontes com o Legislativo. Por outro lado, não houve avanços suficientes em relação à industrialização. Uma das principais raízes dessa dificuldade está nas pressões internas e externas desfavoráveis, embora não definitivamente impeditivas, a uma política macroeconômica desenvolvimentista.
Ao fim e ao cabo, a opção gradualista de Lula parece ter sido mais efetiva que a opção voluntarista de Dilma, que tentou dar um grande passo à frente nas políticas monetária, cambial e fiscal, mas, não tendo costurado a necessária concertação, acabou por ser forçada a dar dois passos para trás. O saldo líquido é bruto, pois o país está submetido, desde o início de 2015, a uma política econômica de austeridade, em recessão e atravessando uma crise política que dificulta o encontro de uma rota alternativa. Como diz o título de um artigo acadêmico recente do professor André Singer (USP), Dilma cutucou onças com varas curtas. Avalio que Lula lidou com essas mesmas onças, mas sem fazê-las sentir que estavam sendo atraídas para fora de seu ecossistema natural ou lideradas por um insensível e tecnocraticamente insulado diretor de parque nacional de felinos. Não à toa, entre o final de 2013 e o início de 2014, durante cerca de seis meses, grandes empresários de todos os setores e políticos pressionaram fortemente pelo “Volta Lula”. Ele ainda é uma grande liderança nacional, apesar dos pesares.
* Marcus Ianoni é cientista político, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense (UFF), pesquisador das relações entre Política e Economia e Visiting Researcher Associate da Universidade de Oxford (Latin American Centre)

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