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11.22.2015

O que move a mente dos terroristas

  • Helio Gurovitz
    William McCants, diretor do projeto para as relações entre os EUA e a comunidade islâmica da Brookings InstitutionQuem acompanha este blog com regularidade deve ter percebido o tempo e a energia que tenho dedicado a estudar o Estado Islâmico e o jihadismo. Uma das vozes mais esclarecedoras a respeito da questão tem sido William McCants (foto), diretor do projeto para relações dos Estados Unidos com o mundo islâmico na Brookings Institution. Em setembro passado, ele lançou o livro “The Isis Apocalypse: the history, strategy and doomsday vision of the Islamic State” (Apocalipse Isis: a história, estratégia e visão de fim do mundo do Estado Islâmico), sobre o qual escrevo na minha coluna da revista Época desta semana. No livro, McCants mistura sua erudição em cultura árabe e conhecimento da história do jihadismo a uma narrativa vibrante, capaz de contar em detalhes toda a história e a analisar a ideologia escatológica e apocalíptica que move os terroristas do EI. Boa parte de suas ideias estão nesta entrevista, concedida no lançamento do livro. McCants acredita que a maior razão para o êxito militar do EI foi a inação do Ocidente entre 2013 e 2014, que o deixou crescer. Diz que, agora, vencê-lo levará um bom tempo. A principal batalha, afirma, nem é militar, pois derrotar um Estado jihadista não basta para derrotar o jihadismo. O Ocidente já destroçou o poderio de terroristas como Osama Bin Laden, Abu Musab Al-Zarqawi (criador do EI) e Anwar Al-Awlaki (da Al-Qaeda na Península Arábica). Ainda assim, a força das ideias jihadistas só faz crescer no Oriente Médio e no Ocidente. “A luta ideológica é a luta real”, escreve McCants. Daí a importância de entender a lógica perversa dos terroristas do EI e os meandros da literatura jihadista, com toda a sua escatologia, oriunda de uma leitura particular do ultra-conservador wahabismo, o Islã como praticado na Arábia Saudita, misturado a tratados escritos pelos principais jihadistas nos últimos anos. “O Estado Islâmico justifica todas as suas ações citando as escrituras islâmicas e o exemplo de Maomé”, afirmou McCants em entrevista ao site Vox depois dos atentados de Paris do último dia 13. No livro, ele decifra o conteúdo dessa literatura jihadista e nos permite vislumbrar métodos mais eficazes para tentar combatê-la.

  • , por Helio Gurovitz
    Foto sem data, publicada em uma revista online do Estado Islâmico, mostra Abdelhamid Abaaoud, apontado como mentor dos ataques de Paris 
    1) Um dos maiores enigmas para os estudiosos é entender a mente dos jihadistas. Duas reportagens recentes publicadas pela New Yorker trazem um raio X das comunidades que alimentam as redes de aliciamento do EI. A primeira na Bélgica, por onde passaram os principais envolvidos nos atentados de Paris, como o mentor Abdelhamid Abbaoud (foto). A segunda, na própria periferia de Paris.

    2) O site Daily Beast também publicou duas excelentes reportagens relativas ao tema depois dos atentados. Na primeira, jovens egípcios têm dificuldade para manter seus ideais democráticos, por causa da perseguição do estado policial a grupos islâmicos e da propaganda do EI. A segunda reportagem relata um encontro revelador, em Istambul, com um desertor do EI que mantivera uma posição de destaque num de seus vários departamentos de espionagem.

    3) O Vice publicou no ano passado um documentário controvertido, porque aceitou ter acesso controlado a áreas governadas pelo EI. O resultado permite ver como vive e pensa a população local – mas só aqueles com quem os repórteres foram autorizados a falar.

    Manifestante protesta com cartaz:  

    4) O cientista político Shadi Hamid participa do projeto para as relações dos Estados Unidos com o mundo islâmico, da Brookings Institution, e é um conhecedor profundo da mentalidade da comunidade muçulmana. Depois dos atentados de janeiro passado em Paris, ele escreveu na The Atlantic um ensaio sobre os erros do Ocidente ao lidar com a população islâmica, resultados em boa parte de visões extremistas, preconceituosas ou politicamente corretas sobre o assunto. Suas ideias são revistas agora, à luz dos novos atentados, em novos artigos na The Atlantic e no The Washington Post. A dificuldade da esquerda para condenar o terror islâmico, por resistência a ser considerada “islamófoba”, também foi tema de um alentado artigo, publicado no início do ano por Michael Walzer, editor emérito da Dissent, uma das mais tradicionais publicações esquerdistas americanas.

    5) Com base em pesquisas próprias com jovens aliciados pelo jihadismo, o antropólogo franco-americano Scott Atran chega a conclusões semelhantes às de Hamid a respeito das as motivações religiosas do EI. Elas são expostas em artigos publicados depois dos atentados pela New York Review of Books e pelo jornal The Guardian.

    6) Também na New York Review of Books, um artigo publicado por Malise Ruthven em fevereiro passado busca as raízes do jihadismo ao longo de toda a história do Islã. Em junho, ele voltou ao tema em novo artigo, que explica a importância, dentro da ideologia do EI, da extinção da fronteira entre a Síria e o Iraque.

    Peregrinos em Meca, na Arábia Saudita, durante o hajj, a peregrinação anua7) A variante religiosa praticada pelo Estado Islâmico, o wahhabismo, tem origem na Arábia Saudita, cuja relação com movimentos de natureza jihadista tem sido ambivalente desde o século XVIII. Dois artigos publicados no Huffington Post pelo ex-espião britânico Alastair Crooke contam a história da relação dos monarcas e da sociedade saudita com o jihadismo e explicam por que será impossível vencer o EI sem resolver a questão saudita. No site Politico, o estatístico e ensaísta Nassim Nicholas Taleb escreve que os wahhabitas sauditas são o verdadeiro inimigo.

    8) Também no Político, o arabista William McCants, colega de Shamid Hamid na Brookings Institution e autor do livro “The Isis Apocalypse”, conta como o EI venceu a disputa com Osama Bin Laden pela liderança do jihadismo. Na Der Spiegel, Christoph Reuter revelou com exclusividade em abril documentos que mostram o funcionamento do EI por dentro e a estrutura burocrática criada para implementar a sharia nos territórios sob seu comando.

    Marine Le Pen fala em coletiva de imprensa no Parlamento Europeu, em 10 de junho9) Os sentimentos das vítimas dos atentados reergueram uma onda em favor do maior controle das fronteiras e de maiores poderes ao Estado para investigar os cidadãos. O editor do Politico, Michael HIrsch, compara o sentimento dos franceses ao dos americanos depois do 11 de Setembro. Com os atentados, ganhou força na França o nome de Marine Le Pen (foto), provável candidata nas eleições de 2017 pela Frente Nacional e tema de um perfil publicado pela revita online Tablet. A França, segundo a Foreign Policy, também emerge dos atentados como uma nação geopoliticamente mais forte, capaz de desafiar em alguns aspectos a liderança da Alemanha. No New York Times, o articulista conservador Ross Douthat lamenta o espectro de restrição às liberdades individuais que agora paira sobre a Europa

    Muitos alemães veem o ex-agente de inteligência americano Edward Snowden como um herói nacional10) O Le Monde publicou uma entrevista com uma jurista que critica as novas medidas de segurança adotadas pelo Estado francês. Entre as principais em discussão, está a concessão ao Estado de poderes de escuta sobre qualquer tecnologia digital, uma batalha descrita na Foreign Policy como “guerra da criprografia”. O site The Intercept, que costuma ter acesso exclusivo aos documentos vazados pelo ex-prestador de serviços da Agência Nacional de Segurança (NSA) Edward Snowden (foto), publicou uma reportagem criticando a medida, com base na constatação de que os envolvidos nos ataques em Paris usaram comunicação sem criptografia e, mesmo assim, a polícia foi incapaz de prevenir os atentados.

    11) A revista do New York Times publicou uma reportagem curiosa, a respeito do “mercúrio vermelho”, uma espécie de pedra filosofal dos terroristas, cuja existência lendária é disseminada pela internet e cujos poderes explosivos são comparados aos de uma bomba atômica. A existência da substância jamais foi comprovada.

    12) Ninguém tenta ensinar médicos a fazer cirurgia, engenheiros a construir pontes ou estradas ou advogados a elaborar pareceres jurídicos. Mas as redes sociais estão cheias de professores e críticos de jornalismo. Em geral, jamais pisaram numa redação e costumam chamar “imprensa” de “mídia”, sem saber direito o significado das duas palavras. Não tardaram a criticar os veículos profissionais por não dar destaque aos ataques do EI que mataram 43 pessoas em Beirute, apenas aos atentados de Paris. Aqui no Brasil, fizeram uma comparação estapafúrdia e descabida entre as tragédias de Paris e de Mariana (ocorrida mais de uma semana antes), como se uma desgraça pudesse ser maior ou menor que a outra. Pois o site Vox e o jornalista Martin Belam, no Medium, mostram que as bombas em Beirute não foram ignoradas pela impresa, que publicou quase 1.300 reportagens sobre o assunto – mas pelos tais “professores de jornalismo”, que preferiram acusar os jornalistas de fazer o que não tinham feito sem cumprir o mandamento básico: verificar a informação.

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