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12.07.2015

Jorge Antonio Zepeda Bermudez (entrevista)

Doutor em Saúde Pública, o médico Jorge Antonio Zepeda Bermudez foi convidado a integrar o grupo das Nações Unidas criado com o objetivo de ampliar os investimentos em pesquisas e desenvolvimento de medicamentos para doenças cujo retorno financeiro não seja garantido. Atual vice-presidente de Produção e Inovação em Saúde da Fiocruz, Bermudez levará para a ONU toda a sua experiência na área de Saúde Coletiva, principalmente com relação à democratização do acesso a medicamentos, políticas públicas, inovação e propriedade intelectual.

Ex-diretor do Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos/Fiocruz), sua trajetória internacional na área da saúde foi pavimentada por cargos estratégicos, tais como secretário-executivo da Unitaid e chefe da Unidade de Medicamentos, Vacinas e Tecnologias em Saúde da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), ambas as entidades vinculadas à Organização Mundial da Saúde (OMS). Ocupou também os cargos de diretor da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (Ensp/Fiocruz) e presidente do Instituto Vital Brazil (IVB), laboratório público ligado ao Estado do Rio de Janeiro.

Em entrevista à Ascom de Farmanguinhos, Bermudez fala sobre as perspectivas frente ao desafio de integrar mais uma vez um importante grupo internacional. Confira a entrevista na íntegra.




Como será sua atuação dentro deste grupo criado pela ONU (secretário para um segmento específico, por exemplo)?
Considerando que a primeira reunião do Painel está agendada para os dias 11 e 12 de dezembro em Nova Iorque, nessa reunião vai ser estabelecido como será o processo, que vai incluir duas audiências públicas, reuniões do Painel, chamadas para receber e avaliar propostas e o apoio de um grupo de trabalho também constituído no âmbito da proposta do secretário Geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon. Ainda não tenho clareza de segmentos, papeis específicos ou tarefas individuais. Posso dizer da importância e da honra que representa para mim, para a Fiocruz e para o Brasil nossa participação.



Está no escopo de sua atuação a busca pelo fortalecimento da indústria farmoquímica brasileira?
Sempre vai estar no escopo da minha atuação o fortalecimento da indústria farmoquímica e farmacêutica local nos países em desenvolvimento, consolidando as políticas sociais e a capacitação tecnológica em termos de soberania nacional. Entretanto, também é necessário que levemos em consideração a questão do acesso a medicamentos como premissa básica e como questão de saúde pública, portanto baixando os custos para assegurar o acesso.



Em entrevista à rádio ONU, o senhor destacou a atuação no campo dos antirretrovirais (ARV) e disse que hoje tem visto produtos inovadores para hepatite C e câncer. Enquanto integrante do grupo da ONU, como o senhor pretende atuar para ampliar o acesso a essas inovações?
Temos que ter presentes as lições aprendidas com a pandemia do HIV/aids, que objetivaram assegurar o acesso universal aos medicamentos. Sabemos hoje que a competição genérica, o fato de a Índia não ter reconhecido patentes e desenvolvido sua indústria de medicamentos genéricos, propiciou uma diminuição considerável nos preços dos medicamentos de primeira linha. Não é por outro motivo que hoje temos acima de 15 milhões de pessoas em tratamento.

Essas lições, embora não idênticas, devem nos ajudar a enfrentar outras barreiras ao acesso a medicamentos. Hoje, novos medicamentos lançados no mercado, para hepatite C e os oncológicos se encontram inviáveis para serem absorvidos pelos sistemas de saúde, mesmo nos países de renda alta. O Senado dos EUA (Estados Unidos da América), hoje, enfrenta uma discussão sobre os preços com que produtos para o tratamento da hepatite C foram lançados e como temos que ter medidas para enfrentar essas questões, eliminando determinadas barreiras. Todo o processo do Painel de Alto Nível das Nações Unidas pretende discutir medidas para assegurar o acesso como direito.



O Brasil vive hoje uma discussão sobre a reforma da lei de patentes, da qual o senhor tem participado ativamente.   Muitos desses medicamentos inovadores são protegidos por patentes, como o sofosbuvir, por exemplo. Uma consequência é o alto custo aos cofres públicos. Como a atuação deste grupo pode reverter este cenário brasileiro?
Atualmente, o Congresso Nacional discute a possibilidade de reformas na Lei de Propriedade Industrial, com uma série grande de propostas em pauta. A proteção patentária e consequente monopólio pode ser uma das barreiras ao acesso. Toda a questão da proteção patentária seguramente vai estar na pauta de discussão e o Brasil certamente vai também aproveitar positivamente os resultados dessa discussão.



Os países do Mercosul acabam de realizar uma manobra inovadora: a compra conjunta de antirretrovirais, que inclui, dentre outros, o sofosbuvir. A estratégia visa à redução de preço dos medicamentos. Até que ponto essa compra conjunta pode ser benéfica.  Quais os efeitos disso para Farmanguinhos enquanto produtor de antirretrovirais?
As compras conjuntas, hoje em discussão no Mercosul, abordam as possibilidades de adquirir ARVs e medicamentos antivirais para hepatite C, numa iniciativa inovadora e que pode impactar os preços desses produtos para o conjunto dos países e consequentemente ampliar o acesso. No passado, países da América Latina negociaram conjuntamente e conseguiram reduções de preços que beneficiaram toda a Região. Todo esse conjunto de iniciativas devem ser inseridas em estratégias de caráter abrangente para ampliar o acesso a tecnologias.



Ban Ki-moon enfatizou a urgência em garantir acesso a tratamentos de saúde de qualidade e de baixo custo. Ele disse ainda que os países devem continuar incentivando a inovação e o desenvolvimento de novas vacinas, medicamentos e diagnósticos. É sabido que a Fiocruz se esforça nessas três frentes, inclusive C&T&I é um dos eixos do Congresso Interno. Como o senhor avalia o cenário deste eixo para os próximos anos na Fundação?
Efetivamente, o secretário Geral das Nações Unidas estabeleceu, nas atividades e propostas a serem discutidas no Painel de Alto Nível, a busca de tecnologias para a saúde de qualidade, e a preços acessíveis, incluindo diagnóstico, vacinas e medicamentos. A Fiocruz atua de maneira importante nessas áreas e certamente poderá ser um reforço concreto e respaldo a ações propostas no âmbito das discussões nas Nações Unidas. A inovação, radical e incremental; o desenvolvimento tecnológico e produção e a transferência de tecnologia para novos produtos devem ser atividades inseridas nas metas para promover acesso das nossas populações.



As Parcerias de Desenvolvimento Produtivo (PDP) têm sido uma importante estratégia de mercado e de saúde pública. Como estimular a inovação num processo de absorção de tecnologia já existente?
Na última década, o Brasil vem implementando uma política industrial em saúde aliada ao processo de desenvolvimento e incorporação/ internalização de tecnologia. As PDP são um dos mecanismos que agilizam essa incorporação, ao mesmo tempo em que têm que ser planejadas para promover uma redução gradativa nos preços de produtos utilizados pelo nosso SUS (Sistema Único de Saúde). É um grande desafio para o Brasil promover a inovação e, ao mesmo tempo, absorver tecnologias conhecidas em prazos reduzidos. Nossas instituições de ciência, tecnologia e inovação e nossos INCTs (Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia), no contexto do novo marco regulatório (PLC 77/2015), são elementos centrais para enfrentar essas necessidades nacionais de natureza estratégica.
 Seg, 07 de Dezembro de 2015 10:51 Alexandre Matos

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