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12.23.2015

Manual de sobrevivência a familiares reaças no Natal


manual

A essa altura, você deve estar suando frio ao imaginar os horrores que viverá nos próximos dias – principalmente se for paulista. Progressista, esquerdista ou como queira se definir, já sabe que, mesmo que seja crítico ao PT – certamente de forma civilizada -, para aquele seu cunhado, primo, sogro ou mesmo irmão, pai ou mãe, você será sempre “petista”.
Estará em uma festa, o que já lhe tira a opção de mandar aqueles parentes chatos para aquele lugar; você terá que suportá-los, porque se tiver uma reação que seria natural ante uma afronta, acabará estragando a festa de gente que você curte – possivelmente, sua esposa ou esposo, filhos etc.
Há dois níveis de perigo em reuniões familiares como essas que se avizinham: o risco que oferecem um ou poucos parentes chatos e reacionários ao extremo que estejam na festa ou o risco demolidor de estar indo se reunir com uma família composta só por gente assim.
No primeiro caso (o de haver um ou poucos parentes reaças na festa), em tese bastaria você se controlar ou sair de perto logo após ele dar o bote – sabendo que ele dirá o seguinte, pelas suas costas:
— Tá vendo?, petista, quando não tem argumento, foge…
Mas como a sua experiência pretérita lhe revela, não adiantaria se afastar. Parentes chatos de direita caçam sua vítima em cada quadrante dessas festas para fazer suas provocações baratas, buscando constrangê-la, sem se importarem em criar climões.
Você será caçado como a um animal, tenha certeza – aliás, você já sabe disso.
Então comecemos a traçar a estratégia. Aquele parente-reaça mais abusado já chega detonando, como você sabe. Certa vez, um deles chegou a uma roda, em que conversávamos amenidades, com o seguinte papo:
— Eduardo, quero lhe fazer uma pergunta: como você consegue apoiar um partido de corruptos como o PT?
Em primeiro lugar, tenha em mente o seguinte: tudo o que ele quer é que você entre no jogo, que conteste sua afirmação, que cite que há corrupção em outros partidos para que ele estique o papo dizendo que os crimes de outros partidos não absolvem o PT, e toda aquela conversa mais que a gente já conhece.
Se entrar nessa, você fatalmente acabará se irritando e é isso que o seu parente psicótico quer.
O que fazer, então? Apelar para a racionalidade, ora.
Pense comigo: onde você estará, naquele momento? Em uma festa, certo? Divergências políticas são o melhor assunto para discutir em uma festa? É óbvio que não. Então, leitor, diga isso a ele:
— Estamos em uma festa, meu caro. E em uma festa cujo espírito é o amor, a fraternidade, a tolerância. Não acha que questionar minha opinião política não é assunto para tratarmos aqui? Você não quer azedar o clima, quer? Que bom. Então deixemos para conversar isso outra hora, ok?
Acabou com ele, que será olhado como o que é: um chato, intolerante, psicótico. Vai pedir licença e sair de fininho. Ou, se for menos inteligente, ficará na roda com aquela cara de pateta.
Há, também, o tipo mais sutil, menos burro, que, sabendo que atacar de frente não é uma boa estratégia, e sabendo que todos naquela rodinha sabem de sua opção político-ideológica, citará algum “causo” que acredita que, por vias transversas, falará mal das posições políticas de quem quer atingir.
Recentemente, um contraparente chegou a uma rodinha virtual de familiares postando um vídeo até interessante, sobre um juiz sueco que é visto como “caçador de corruptos” e que, como todas as autoridades dos países escandinavos, não desfruta de luxo proporcionado por dinheiro público.
Se fosse qualquer pessoa, não seria nada. Mas como é um sujeito que se dedica exclusivamente a malhar o PT, a dizer que o PT inventou a corrupção, a espalhar que o filho de Lula é dono da Friboi, a dizer que a Globo é “petista” etc., etc., sua alusão à frugalidade da vida de autoridades escandinavas pretende atingir o PT, já que gente assim não se dá conta de que os abusos que as autoridades brasileiras cometem sempre existiu e atingem autoridades vinculadas a todos os partidos.
Além disso, a comparação que meu contraparente reaça fez entre Suécia e Brasil é absolutamente descabida. Não dá para comparar esses países por várias razões.
Vejamos o vídeo que ele postou e a resposta que lhe dei – e que o fez calar a boca, já que, como todo bom reaça, falta-lhe cultura e informação para um diálogo de nível mais alto.
Minha resposta:
Caro Fulano,
Esse vídeo sobre os méritos da organização político-institucional da Suécia é mesmo encantador. Assim, aproveito a insonia nas horas mortas da madrugada para divagar um pouco sobre o tema para você.
Por primeiro, vale lembrar que os avanços suecos verificam-se – em pouco maior ou pouco menor grau – nas outras sociedades escandinavas.
Eis que ficamos boquiabertos com a diferença estarrecedora para a nossa organização político-institucional e social.
Bate-nos, então, o bom e velho complexo de vira-latas e nos perguntamos a razão de nossa inferioridade.
A solução fácil é atribuir tudo “aos políticos”, como se eles tivessem vindo de Marte, apesar de que nossos políticos são amostra do nosso povo e produtos da nossa cultura.
Resumindo e trocando em miúdos: nossos políticos somos nós.
Mas por que somos como somos e não como suecos, noruegueses, dinamarqueses, que já formaram uma nação só durante a União de Kalmar (do século XIV ao século XVI)?
Há várias razões, mas a principal é que, ao falarmos da Suécia, estamos falando de uma cultura milenar.
Descobertas arqueológicas comprovaram que a Suécia já era povoada durante a Idade da Pedra. O sul da Suécia, aliás, já era densamente povoado durante a Idade do Bronze, que remonta a 3300 anos Antes de Cristo (AC), ou 4.800 anos antes de o Brasil ser descoberto…
Nosso país, portanto, tem pouco mais de 10% da idade da milenar civilização sueca.
Mas não é só.
A Suécia tem menos de 10 milhões de habitantes (5% da nossa população) para um PIB que é 30% do nosso. Além disso, tem IDH 12 enquanto o nosso é 73. E tem uma das melhores distribuições de renda, enquanto que a nossa é uma das piores do mundo.
Mas se quisermos afastar de vez o complexo de vira-latas de nós podemos comparar a Suécia, ao menos em termos de corrupção, com outra nação jovem, os EUA, infinitamente mais corruptos que a Suécia.
Agora, particularmente, tenho um ponto de vista sobre uma das causas da inferioridade sócio-político-institucional das Américas diante da Europa, sobretudo da Europa escandinava: julgo o sistema parlamentarista muito melhor, mas essa é outra história, que já me vem o sono.
Escrever é um santo remédio para insônia…
Abração,
Eduardo
Note, leitor, que chamei o sujeito de ignorante, expus sua ignorância e ainda dei informações que gente como ele jamais seria capaz de ter porque não se aprofunda em nada. E com a maior classe.
Se você estiver em uma festa com maioria de pessoas normais, que entendem que festas não são lugar para esse tipo de provocação, quem estiver por perto ficará encantado com as informações e concluirá que o sujeito que veio com a comparação estapafúrdia entre Brasil e Suécia não sabe nem onde tem o nariz.
Agora, e se você tiver uma família quase que totalmente reaça e todos, no entorno, pensarem como o chato que veio provocá-lo?
Da mesma forma, você calará a boca de todos se aprofundando no assunto. Vão se dar conta de quanto são ignorantes, mas só se não forem extremamente ignorantes. Do contrário, dirão que é “papo furado”, que o Brasil é corrupto mesmo, etc.
Ou seja: é impossível “sobreviver” em uma festa como a de Natal em que a parentada, à exceção de você, seja toda ignorante, reacionária, preconceituosa e hipócrita. Aí não tem jeito, meu caro. Não há como não se aborrecer em uma festa como essa.
Nesse caso, o manual de sobrevivência de Eduardo Guimarães recomenda que passe o Natal em outro lugar. Se possível, com esposa, esposo, filhos, com pessoas com as quais você pode conviver mesmo que pensem diferente porque sabem respeitar a divergência. Mas, se não der, melhor passar só com o ser amado, com um amigo ou até sozinho.
Feliz Natal – dentro do possível.

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107 Comentário


  1. Só diria uma coisa, o coxinha de hoje da ceia de natal, amanhã no vaso será um cocô. Se ele continuasse, eu falaria só mais duas palavras: Lula 2018!

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