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7.19.2016

A volta dos golpes baixos contra Dilma

Por Paulo Moreira Leite

A culpa, certamente, é do procurador Ivan Claudio Marx, do Ministério Público Federal. Depois que ele jogou uma pá de cal na denúncia de pedaladas fiscais, reconhecendo que não configuram uma acusação de crime de responsabilidade a ser usado contra Dilma Rousseff, nada mais restou aos jornais e telejornais que se empenham em derrubar uma presidente eleita por mais de 54 milhões de eleitores a rebaixar um pouco mais o padrão de trabalho. Numa opção que demonstra uma preferência nítida pela Justiça do Espetáculo, em vez de um cuidado responsável com as regras elementares do Estado Democrático de Direito, nos últimos dias vários veículos reforçaram o espaço de denuncias vazias e escandalosas, que cumprem a única finalidade de manter a pressão sobre os 81 senadores que até o fim de agosto irão definir o destino de Dilma Rousseff. A mensagem não poderia ser mais clara.

O que se quer é ameaçar aqueles parlamentares que, desobedecendo o mandamento que em 1969 jogou o país na ditadura do AI-5 ("às favas todos os escrúpulos de consciência", como recomendou o ministro-ditador Jarbas Passarinho), podem atrever-se a votar com base, unicamente, em fatos e provas -- como fez o procurador Ivan Claudio Marx. Ou o colunista Elio Gaspari, ao reconhecer: "há golpe." Ou o professor de Direito Constitucional, Pedro Serrano: "a decisão do Ministério Público Federal mata o impeachment."

É neste ambiente de fim de feira moral que se pode explicar uma reportagem aviltante da Istoé sobre familiares de Dilma Rousseff, intitulada "Mordomia: carros oficiais a serviço da família de Dilma." Na falta de informações consistentes e argumentos racionais para seguir sustentando o ponto de vista de que Dilma deve ser afastada definitivamente do cargo para o qual foi eleita a revista tenta transformar uma banalidade num escândalo, um direito num abuso, uma falsidade numa denúncia. Tentando apresentar a filha, o genro e os netos da presidente como beneficiários de mordomias e privilégios sustentados com dinheiro público, a revista afirma:

"Perante à lei (sic), filhos de presidente da República são iguais a todos. Ombreiam-se aos demais cidadãos. Não deveriam merecer distinção ou receber tratamento especial, salvo em alguns casos de excepcionalidade. Mas a filha de Dilma, que hoje se encontra afastada, ou seja, nem o mandato de presidente exerce mais, não se constrange em cultivar uma mordomia ilegal. Diariamente, Paula Rousseff Araújo desfruta de uma regalia. A máquina do Estado a serve, bem como ao seu marido e filhos."

Na verdade, o único escândalo real, aqui, encontra-se na própria reportagem. A afirmação central do texto, aquela que pretende alimentar um tom de denúncia, dizendo que se trata de uma "mordomia ilegal" apenas comprova que trata de um serviço ignorante. O leitor é levado a acreditar que a resistência liderada por Dilma para derrotar um golpe contra a democracia não passa de uma ação de aproveitadores, que não querem abrir mão das delícias do poder. Como a própria Dilma enfrenta uma luta árdua em defesa de seu mandato, a imagem que a revista tenta montar é clara: todo esforço político para derrotar o golpe parlamentar de abril-maio não passa de uma tentativa de quem está de olho na esforço de quem na boa vida que o poder pode proporcionar.

Errado. Para começar, como a presidente esclareceu em nota, nem é Dilma nem "são os familiares da presidente que definem as regras de sua segurança em relação ao transporte, mas o Gabinete de Segurança Institucional." Basta recordar que a mudança no comando do GSI foi uma das primeiras providências do interino Michel Temer, para entender que o núcleo familiar de Dilma não teria direito de usar um litro sequer de gasolina comprada com dinheiro público se isso não fosse uma determinação legal.

Conforme o artigo 6 da lei 10.683, tanto o presidente da República, como o vice, e também seus familiares, devem ter segurança fornecida pelo Estado brasileiro. Já o artigo 5 do decreto 6403, regulamenta o uso de transporte institucional, extensivo aos familiares do presidente e do vice. Com base na legislação federal, os governadores de Estado, e seus vices, também têm um direito semelhante.

Muitas publicações podem achar que esse direito é uma "mordomia." Todos têm direito a expressar sua opinião. A experiência da vida real, contudo, permite argumentar que se trata de um cuidado necessário de segurança.

É o que se aprende numa consulta rápida ao arquivo dos jornais, que relatam episódios tão violentos que, vez por outra, seguranças e motoristas de autoridades acabaram sendo vítimas de acidentes fatais durante o cumprimento do dever.

Conforme o Estado de S. Paulo, em 23 de outubro de 2002, o PM Diogenes Barbosa Paiva, encarregado da segurança de Thomaz, filho do governador de São Paulo Geraldo Alckmin, morreu numa tentativa de assalto nas cercanias da Vila Mariana, bairro da capital paulista. Menos de um ano depois, em junho de 2003, a Folha de S. Paulo relatou que Sandro Luiz, um dos filhos do então presidente Lula, fora encontrar uma namorada no fim de semana. Mobilizados pela presidência, dois de seus seguranças, do Exército, sofreram uma tentativa de assalto na região do ABC paulista. Um deles, o subtenente Alcir José Tomazi, 35 anos, recebeu um tiro no crânio e morreu antes de chegar ao hospital. Outro, Nivaldo Ferreira dos Santos, 30 anos na época, recebeu uma bala na mão e outra no tórax, mas recuperou-se. Na edição de 7 de fevereiro de 2015, o Globo noticia a morte do PM Francisco de Chagas Neves, que reagiu a uma tentativa de assalto quando conduzia um dos filhos do governador Wellington Dias, do Piauí, para participar de um grupo de orações num bairro nobre de Teresina.

Com este jornalismo sem escrúpulos, a mídia grande do país não está só prestando um desserviço a democracia - mas, como é inevitável, a ela própria. Uma sociedade onde jornais, revistas e telejornais não tem credibilidade constitui um universo ideal para ataques aos direitos da maioria, um campo aberto para a mentira e a desmoralização das instituições, como ensina a insubstituível profecia de Joseph Pulitizer, um do pioneiros no estudo da imprensa norte-americana:

- Com o tempo, uma imprensa cínica, mercenária, demagógica e corrupta formará um público tão vil como ela mesma.

Um comentário:

  1. É uma pena que a revista IstoÉ se preste a um deserviço mas sujo que a revista "Veja"

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