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9.01.2016

De vidraça a estilingue

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Colocada definitivamente do lado de fora do Planalto, Dilma Rousseff não poderia ter recebido notícia melhor do que a preservação dos próprios direitos políticos.
Daqui para frente Dilma poderá assistir, a uma distância confortável, aos esforços do governo de Michel Temer para responder a dramas como a alta no desemprego e a queda no salário real, que só poderão agravar-se com a política econômica de Henrique Meirelles e os juros altos do Banco Central do economista-chefe do Itaú. Entre outras prerrogativas, Dilma terá direito de mostrar-se solidária aos velhinhos quando e se o projeto de Reforma da Previdência começar a ser discutido no Congresso, num debate medonho para a aprovação popular de quem está no governo e excelente para quem pode colocar-se na oposição.
Com os direitos políticos preservados, terá de resolver no momento certo se pretende ou não disputar um cargo eletivo em 2018 -- uma imensa novidade na vida de quem disputou a primeira eleição, já para presidente, em 2010. Até lá, por pouco mais de dois anos ela terá toda liberdade de movimentos para fazer contraponto a um sucessor a quem acusa de traição.
Enquanto isso, Temer terá de enfrentar as agruras, contradições e conflitos de um sistema que se pode chamar de golpismo de coalização -- idêntico ao presidencialismo do mesmo nome, com o detalhe de que não possui lastro na soberania popular.
Se o golpe foi uma derrota vergonhosa da democracia brasileira, abrindo caminho à retirada de direitos e conquistas de dimensão histórica, a nova condição legal de Dilma pode se tornar instrumento para o reposicionamento de quem ontem mesmo anunciou uma “oposição implacável” ao novo governo.
Possibilitada por 16 senadores que votaram “não” à cassação de seus direitos políticos depois de votar “sim” por seu afastamento, num cortejo engordado por três abstenções que reforçaram o bloco na mesma direção, o conforto relativo de Dilma abriu a primeira crise séria no golpismo de coalizão.
O líder do PSDB, Cássio Cunha Lima, deixou o plenário falando em “punhalada pelas costas.” Aécio Neves fez questão de deixar claro “o estranhamento” pelo fato da “base aliada” não ter recebido “qualquer comunicação a respeito.” Agripino Maia, do DEM, reagiu no mesmo tom.  
A mudança foi assegurada, basicamente, por senadores do PMDB – justamente,  o partido de Michel Temer -- que mudaram de lado na passagem de um voto para outro, entre eles o presidente da Casa Renan Calheiros, que repetiu o movimento pendular que tem marcado sua atuação.
A preservação dos direitos políticos de Dilma não é um ponto pacífico entre os juristas, como ressaltou o presidente do STF Ricardo Lewanútidovski ao anunciar que colocaria o assunto em votação.
A partir de um fato lembrado pela senadora Kátia Abreu ao defender a proposta, deve-se reconhecer que há uma divisão até no Supremo. Gilmar Mendes publicou até em livro a visão de que a perda do mandato e a cassação de direitos de um presidente da República envolvem questões diferentes, e que seria errado tratar tudo como um bloco só.
Já o ministro Celso de Mello tem visão contrária. Para ele, a cassação dos direitos pelo prazo de oito anos é uma consequência natural da perda do mandato. Mas o próprio Celso de Mello admitiu a repórter Livia Scocuglio, do portal Jota, que reconhecia a decisão do Senado não apenas como soberana mas inteiramente legítima.
A ideia inicialmente veiculada pelos aliados decepcionados de Temer, de apresentar recurso ao STF, foi abandonada por cálculo de prudência elementar: a mesma sessão que pode questionar a preservação dos direitos de Dilma é capaz de abrir espaço a questionamentos do próprio impeachment, o que não interessa a Temer em hipótese alguma.
"Se o STF revolver questionar uma decisão tomada no mesmo dia, no mesmo debate, não terá condições de fugir do debate para examinar o próprio impeachment," afirma um aliado de Dilma. 
Numa reação de quem sentiu no ar uma mudança desfavorável, Marina Silva condenou a preservação dos direitos de Dilma com especulação de  que não passava de um "acordão" capaz de beneficiar Eduardo Cunha. Pode ser um argumento útil para quem procura manter-se no palanque de qualquer maneira, sem receio de revelar uma visão frouxa das garantias e princípios democráticos, onde reside a verdadeira discussão aqui. Mas não faz sentido teórico nem prático. 
Não há jurisprudência que possa permitir a Eduardo Cunha tentar um benefício semelhante ao que foi obtido por Dilma. A legislação reconhece peculiaridades fundamentais entre o tratamento dado a um presidente cassado e a parlamentares cassados. A diferença começa pelo crime de responsabilidade, que pode servir par condenar o chefe de governo, mas não deputados ou senadores. Outro aspecto envolve a distancia abismal das acusações contra Dilma e Cunha. A primeira foi alvo de denúncias de natureza fiscal. O caso de Cunha diz respeito a acusações de natureza criminal, o que torna a situação diferente e muito mais grave. Dilma enfrentou provas de ocasião, que ninguém chamaria de robustas, até em repeito pela língua portuguesa. As provas contra Cunha são fartas e consistentes, com atestado suíço.
A preservação dos direitos de Dilma expressa a evolução do ambiente político em torno do projeto de  impeachment desde que a denúncia foi recebida por Eduardo Cunha na Câmara e aprovada por mais de 2/3 dos parlamentares num espetáculo deprimente.
No início, parecia que a condenação de Dilma seria absoluta e inevitável. Viu-se ontem, na derrota de 61 contra 20, que ela estava condenada num jogo de cartas marcadas.
No mesmo dia, contudo, um número considerável de senadores preferiu tomar distância de um processo que, dentro e fora do país, passou a ser tratado como golpe parlamentar sem muita cerimônia. Nas últimas semanas, personalidades influentes e celebridades até disputavam espaço para repetir o mantra "impeachment sem crime de responsabilidade é golpe." Algo mudou nessa derrota anunciada, vamos combinar. 
A decisão expressa uma velha verdade sobre o Congresso brasileiro. Seus integrantes possuem infinitos defeitos mas não perderam a capacidade de ouvir as várias melodias políticas disponíveis no universo frequentado por seus eleitores. A dupla votação mostrou que há uma nova música nas conversas do país. A resistência ao golpe produziu frutos. 
Nem tudo é pensamento único nem caminha para um lado só.
Pelas vias tortas de tantas decisões políticas, foi uma fresta numa direção necessária. O nome disso é resistência. 
É bom abrir o olho.
ireitos políticos preservados, Dilma poderá assistir de camarote ao espetáculo do governo Temer tentando enfrentar a alta do desemprego, a queda nos salários e ainda cumprir um conjunto de promessas retrógradas que sustentam o golpismo de coalizão", escreve o colunista Paulo Moreira Leite; ao votar pelo afastamento de Dilma e, ao mesmo tempo, tomar uma decisão que permite sua atuação na esfera pública, o Senado mostrou a evolução do ambiente político desde que a Câmara aprovou o pedido de impeachment, avalia PML; para ele, a decisão deixou claro que há uma nova música no ar e que nem tudo é pensamento único

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