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10.10.2016

A ameaça de Temer


"A PEC tem uma essência autoritária, na medida em que substitui um debate político que deve ser permanente, por uma norma fixa e rígida, que pretende valer por duas décadas", diz o colunista Paulo Moreira Leite; segundo ele, a PEC 241 quer transformar as regras boladas pela equipe econômica de um governo não-eleito, que na melhor das hipóteses ficará no Planalto até 2018, em cláusula constitucional; "Isso quer dizer que, se em determinado momento os brasileiros concluírem que a PEC não serve, que é um suicídio econômico, terão de reunir 3/5 de votos no Congresso para derrubá-la"
No jantar que marcou o esforço final para arrebanhar os 308 votos que necessita para a aprovar a PEC 241, Michel Temer fez afirmações previsíveis nessas ocasiões. Chegou a dizer que, se a PEC for aprovada, no final do governo todos poderão dizer "salvamos o Brasil." Mas Temer incluiu uma ameaça nas parágrafos finais de seu discurso, o que torna o pronunciamento particularmente preocupante. Disse:
-- Todo e qualquer movimento de natureza corporativa que possa tisnar a PEC do teto não pode ser admitido.
A frase chama atenção, em primeiro lugar, pelo vocabulário. "Tisnar", segundo o minidicionário Houaiss, quer dizer "tornar-se negro com carvão," ou "enegrecer". Ou ainda "sujar", "manchar", "queimar", 'tostar." Curioso que seja empregado desta maneira -- negativa -- num país onde mais de 50% da população considera-se negra e a Constituição condena o racismo como crime inafiançável. Num universo cultural onde a população afrodescendente obteve  oportunidades inéditas de progresso social,  inclusive naquele governo do qual Temer foi um vice apenas "decorativo", como ele mesmo disse, o significado antes oculto de várias palavras torna-se evidente.     
A outra questão é aquilo que Temer acha que não pode ser admitido: "todo e qualquer movimento de natureza corporativa"  contra a PEC. Como assim?
Vivemos num país com uma Constituição que assegura, no parágrafo XVI do artigo 5,  que "todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente."
Isso quer dizer que, "independentemente de autorização," todos os 205 milhões de brasileiros tem todo o direito de se manifestar sobre a PEC 241. Seja para ficar a favor ou contra. Seja como corporação, como fez o Ministério Publico Federal, que denunciou o projeto como inconstitucional, por afetar o equilíbrio entre poderes. Seja como partido político, como fez Jandira Feghali, ao bater as portas do Supremo com um mandado de segurança para travar a votação, lembrando que a PEC irá retirar a autonomia de cinco governos eleitos a partir de 2018 para definir sua orientação econômica.  Ou sindicatos, ou entidades estudantis, o MST e o MTST. Todos interesses que representam serão prejudicados pela PEC.
A PEC tem uma essência autoritária, na medida em que substitui um debate político que deve ser permanente, por uma norma fixa e rígida, que pretende valer por duas décadas.
Grandes empresários acham que serão beneficiados. Calculam que, evitar qualquer medida contra os juros, terão suas rendas financeiras asseguradas, num país onde o cassino financeiro cresceu a ponto de tornar-se uma aberração capaz de ter prioridade sobre seus investimentos de origem. Ontem, centenas de entidades assinaram um manifesto  publicado pelos jornais em defesa da PEC.
Eu acho que o debate, a mobilização e o confronto de ideias é sempre saudável, ainda mais numa decisão que envolve o perfil fundamental da política econômica por 20 anos. Pense nas suas necessidades pelas próximas duas décadas. Nos planos de seus filhos, nos netos. Tudo isso será regulado, definido, por um Congresso que teve em Eduardo Cunha e seu sistema de poder como arquitetura principal.
Nessa situação, o debate a pressão do eleitor sobre os parlamentares não é só um direito. É uma obrigação. Só o debate irá mostrar, como já disse aqui neste espaço, que, descontando artifícios contábeis, o endividamento público permanece num dos níveis mais saudáveis de sua história e, em julho de 2016, mantinha-se  
Muitas pessoas não perceberam -- outras já sabem e tentam disfarçar -- mas a PEC 241 é um novo pacote econômico, daqueles que tantas ilusões e decepções produziram no Brasil desde 1986, quando José Sarney foi pioneiro e anunciou o Cruzado, tornando-se campeão de popularidade por um ano. Já perdi a conta do número de planos que o país enfrentou, depois disso. Até porque eles passaram a ter a versão 1 e a 2, pois a primeira sempre dava errada e era preciso divulgar um remendo para ganhar tempo até o próximo ministro da Fazenda -- ou próximo governo.
A diferença é que a PEC do Teto distingue-se dos projetos anteriores por envolver uma temeridade sem igual. Para começar, seu objetivo primeiro é a austeridade, o controle da inflação -- e não o crescimento, a criação de empregos e oportunidades, necessidade absoluta do país.
Em segundo lugar, não é um plano conjuntural. Quer transformar as regras boladas pela equipe econômica de um governo não-eleito, que na melhor das hipóteses ficará no Planalto até 2018, em cláusula constitucional. Isso quer dizer que, se em determinado momento os brasileiros concluírem que a PEC não serve, que é um suicídio econômico, terão de reunir 3/5 de votos no Congresso para derrubá-la. Caso contrário, terão de se conformar em sobreviver sob uma tragédia permanente.



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