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10.10.2016

PEC 241: do novo desenvolvimentismo ao neoliberalismo tardio

Por Aloizio Mercadante, especial para o 247
A estratégia econômica dos governos do PT foi a de construir um novo desenvolvimentismo, que articulava políticas de inclusão social, com distribuição de renda e construção de um amplo mercado interno de consumo de massas. Este processo histórico começou, em 2003, com uma política de transição que procurava tirar o país do acordo com o FMI, recuperar a estabilidade ameaçada e reduzir a vulnerabilidade externa e a fragilidade das finanças públicas.
A política externa, que integrou a América do Sul, formou os BRICS e incrementou das relações sul-sul, foi favorecida pelo ciclo favorável das commodities e a abertura de novos mercados e viabilizou um acúmulo de reservas cambiais de mais de U$ 370 bilhões.
O esforço fiscal, acompanhado da retomada do crescimento econômico, permitiu reduzir a dívida pública líquida de 64% do PIB em 2003, para cerca de 32% em 2013 e, depois da crise econômica e da política decorrente do golpe e suas consequências, para 42% em 2016. A inflação se manteve quase sempre dentro do regime de metas. A única exceção foi o ano de 2015, em razão do impacto do desabamento dos preços das commodities, acompanhado de uma forte desvalorização do real e pela elevação dos preços do alimentos e energia, desdobramento da maior seca dos últimos 80 anos. É evidente que a articulação golpista bloqueou a pauta legislativa e patrocinou instabilidade agravando a recessão e a crise. A inflação já cedeu ao choque externo e da seca, aponta para o centro da meta, abrindo espaço para uma forte e acelerada queda na taxa básica de juros.
A política de transição de 2003 foi essencial para a recuperação da capacidade de investimento do Estado com o PAC e o PIL, que alavancaram o setor de construção civil, transportes, energia, mobilidade urbana, aeroportos, portos e habitação popular. O mais inovador foram as políticas de inclusão social e distribuição de renda, que começaram a mudar o padrão histórico da economia brasileira, altamente concentrador de renda e riqueza e marcado por níveis alarmantes de pobreza e exclusão social.
O Bolsa Família, a recuperação do emprego e salários, o crescimento do salário mínimo, o acesso popular ao crédito consignado, a reforma agrária e o fortalecimento da agricultura familiar, a formalização do mercado de trabalho, as políticas de apoio à micro e pequena empresa impulsionaram um amplo mercado interno de consumo de massas. Este mercado interno foi decisivo para a resistência à grande crise econômica e financeira de 2009. Este mercado interno fortalecido ampliou as escalas de produção e aumentou a competitividade sistêmica da economia brasileira.
O golpe está ancorado, no plano econômico, na restauração da agenda neoliberal tardia. Isto significa abandono do novo desenvolvimentismo e da formação deste amplo mercado interno de consumo de massas. Além da redução do custo do trabalho- direto e indireto, retorno ao modelo exportador de commodities e a um padrão de consumo altamente concentrador de renda e socialmente excludente.
A PEC 241 é o marco histórico desta reversão golpista do novo desenvolvimentismo ao neoliberalismo tardio. Ela estabelece um teto para todos os gastos sociais, alterando radicalmente o conceito estabelecido na Constituição de 1988 de formação de um Estado do Bem-Estar Social. A constituição estabeleceu um piso de gastos fiscais para Saúde e Educação. A emenda Calmon garantiu 18% da receita líquida de impostos da União para a educação.  Com a retirada da DRU, a partir dos governos Lula e Dilma, a educação teve um ganho de R$ 96 bilhões a mais no orçamento.  Só nos últimos cinco anos, o governo da presidenta Dilma investiu, em educação, R$ 54 bilhões acima do piso. Foi estabelecida, também, a vinculação dos royalties do petróleo e do fundo social do Pré-Sal como instrumento inovador de financiar a implantação Plano Nacional de Educação. A privatização de reservas estratégias do Pré-Sal e a PEC 241 acabam, definitivamente, com as metas ambiciosas do Plano Nacional de Educação, que não tinha resolvido de forma efetiva o problema do financiamento público, mas apontava para avanços significativos.
A população brasileira deve aumentar em 21 milhões de pessoas até 2027 e a população idosa, neste período, deverá crescer de 16,8 milhões para 36,1 milhões. Temos para além do acesso, imensos desafios de qualidade nos serviços públicos. Como esta PEC estabelece como teto a inflação do ano anterior, podemos ter despesas inclusive inferiores ao teto, ou seja, o gasto per capita em Educação e Saúde deverá cair significativamente.
Os cálculos demonstram que se esta fosse a política fiscal desde 2003, teríamos uma redução dos gastos em educação e cultura de R$ 1,1 trilhão para R$ 686 bilhões. E na Saúde de R$ 955 bilhões para R$ R$ 701 bilhões acumulados até 2015. Viveríamos em um país sem o Bolsa Família, sem a recuperação do Salário Mínimo e sem o “Minha Casa Minha Vida”.
Na educação, sem expansão das Universidades e Institutos Federais, sem o Prouni, sem as Cotas, sem o Fies e sem este modelo de Enem, que se consolidou, especialmente para os mais pobres, como o caminho de oportunidades para o acesso ao ensino superior. Seguramente não teríamos o Fundeb, o esforço de formação e o piso nacional dos professores, o Pronatec, a expansão da pós-graduação, a política de creches e o Ciência sem Fronteiras.
Na Saúde, não teríamos o Mais Médicos, o Samu, as UPAS, a farmácias populares e a expansão da rede básica e da rede hospitalar. Este é o tamanho do retrocesso que já começou a ocorrer e poderemos assistir na próxima década. Os pobres estão, mais uma vez na história, saindo do orçamento, do acesso as políticas sociais e de consumo. Falta só acabar com o PT, que derrotou de forma democrática, nas urnas, por quatro vezes seguidas, essa agenda de retrocesso histórico e social. Tivemos muitos e graves erros, mas é muito mais do que isto que está em disputa para o futuro do Brasil. O Brasil profundo que construímos distribuindo renda, riqueza, conhecimento e oportunidades vai resistir. Temos nossa capacidade de lutar. É disto que precisamos. 
Aloizio Mercadante foi ministro da Casa Civil e da Educação no governo da presidente Dilma Rousseff

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