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12.31.2016

2016: ano do vira-lata


Normalmente, países costumam ser destruídos por guerras. Sejam intestinas ou agressões eternas, as guerras deixam um rastro terrível de destruição que pode retroceder o desenvolvimento de um país em décadas. A destruição é ainda maior quando o Estado Nação fica muito fragilizado e o país se torna presa fácil de interesses externos.  
Os recentes casos de países do Grande Oriente Médio, como Iraque e Líbia, são emblemáticos. Hoje, tais países não passam de territórios controlados por diferentes grupos armados, abertos à “predação” internacional sem controle.
Mas há casos em que países são destruídos ou fragilizados por meios pacíficos e sutis. Sem sangue. Sem que seja necessário disparar um tiro.
É o caso do Brasil. Com efeito, o ano de 2016 ficará conhecido como o ano em que o Brasil se autoimplodiu. O ano em que “chutamos a escada” do nosso próprio desenvolvimento.
Tudo começou com a implosão da nossa democracia, com o álibi inventado das “pedaladas fiscais” e a desculpa esfarrapada do “combate à corrupção”.  Isso permitiu que a presidenta honesta fosse afastada para dar lugar à amálgama política canhestra da hipercorrupta “turma da sangria” com os interesses do capital internacionalizado e “financeirizado” e da mídia oligárquica.
Mesmo sem nenhuma legitimidade e nenhum voto, esse “Frankenstein” político do golpe tomou rapidamente decisões estruturantes que reverterão todo o progresso social e econômico obtido em anos recentes e comprometerão, talvez de forma definitiva, a possibilidade de o Brasil se converter num país plenamente desenvolvido.
Tais decisões, explicitadas na “Pinguela para o Passado”, de fato implodirão todos os vetores, recursos e mecanismos que o Brasil dispõe para alavancar seu desenvolvimento econômico e social. Não se trata apenas de promover um óbvio retrocesso social, em nome da redução dos custos do trabalho e do nosso incipiente Estado do Bem Estar, mas de limar a possibilidade do país promover um ciclo de autêntico desenvolvimento, em nome de aposta insana num modelo econômico ultraneoliberal, concentrador, excludente e antinacional.
O primeiro mecanismo a ser abatido por esse modelo fracassado, que não tem mais apoio nem mesmo no FMI, é o do mercado interno.
Ao contrário do que se diz, os extraordinários progressos que o Brasil fez no início deste século não se basearam, de modo decisivo, nas exportações e no “boom das commodities”. O crescimento substancial das exportações foi vital para superação da vulnerabilidade externa da economia e para o acúmulo de grandes reservas internacionais, que nos transformou de devedor em credor externo.  Mas o eixo estratégico do nosso ciclo de desenvolvimento recente foi a dinamização do mercado interno de consumo de massa.  
A contribuição das exportações para o crescimento do PIB só foi significativa no período de 2001 a 2005, durante o qual elas se igualaram ao consumo das famílias, no estímulo a atividade econômica. Já no período 2006- 2010, para um crescimento de médio de 4,51% ao ano, o consumo das famílias contribuiu com 2,66 pontos percentuais, ao passo que as exportações contribuíram com somente 0,22 pontos percentuais, abaixo também da formação bruta de capital (1,07 p.p.) e do consumo do governo (0,55 p.p.). E, no período 2011 a 2015, para um crescimento médio de 1,05% (por causa da queda em 2015), o consumo das famílias respondeu por 0,95 pontos percentuais, ao passo que as exportações responderam por apenas 0,25 pontos percentuais.
O Brasil, um país continental com mais de 200 milhões de habitantes, não pode se desenvolver plenamente sem a dinamização desse mercado, ainda mais numa conjuntura de estagnação do comércio internacional.
Nos períodos mencionados, a dinamização do mercado interno de consumo se deu por quatro vertentes: as políticas sociais distributivas, com programas como o Bolsa Família e do Benefício de Prestação Continuada, o aumento real do salário mínimo em mais de 70%, a substancial geração de mais de 20 milhões de empregos formais e a forte expansão do crédito popular, graças à atuação dos bancos públicos. Em virtude esses fatores, o volume do comércio varejista aumentou mais de 100%, em apenas 8 anos.
Ora, o modelo ultraneoliberal do golpe está fazendo o oposto. Pretende diminuir substancialmente o alcance das políticas sociais, acabar com a política de valorização do salário mínimo, desvincular o salário mínimo de benefícios previdenciários e assistenciais, restringir o crédito pela amputação ou privatização dos bancos públicos e implementar, como regra, a precarização das relações trabalhistas.
Com efeito, todas as medidas aprovadas ou anunciadas até agora, a PEC 55, a PEC da Previdência e as novas normas trabalhistas, conduzem à desconstrução massiva dos direitos sociais e trabalhistas assegurados na Constituição 88 e na CLT. É que o golpe trabalha com a lógica de que é preciso diminuir os custos previdenciários, sociais e trabalhistas para que o Brasil possa crescer. O golpe aposta no retorno da desigualdade, da pobreza e da precariedade laboral como elementos indutores do investimento privado. Trata-se do oposto ao que fizemos no início deste século e do que uma parte dos países desenvolvidos, com o apoio do FMI, tenta fazer agora.
Assim, com o modelo ultraneoliberal do golpe, a redução da demanda interna, que hoje é apenas conjuntural, se tornará estrutural. Dentro desse modelo, poderemos ter até espasmos de crescimento, “voos de galinha”, mas jamais um ciclo de desenvolvimento sustentado que promova o bem-estar de todos os brasileiros.
Outro vetor importante para o nosso desenvolvimento que o golpe vai destruir é o do Estado como estimulador da atividade econômica. A PEC 55, em particular, impedirá novos investimentos estatais em educação, saúde, infraestrutura, ciência e tecnologia, defesa nacional, etc. por longos 20 anos, mas não impedirá o pagamento dos maiores juros do mundo aos abonados rentistas, bem como a oferta desinteressada de presentinhos modestos a amigos, como os R$ 100 bilhões às teles, e a compra necessária de mimos inocentes com sabor a Häagen-Dazs. Além disso, haverá a “privatização de tudo o que for possível”, isto é, de tudo, mesmo. Petrobras, pré-sal, Banco do Brasil, Caixa Econômica, terras e tudo o mais entrarão, mais cedo ou mais tarde, fatiados ou não, no grande balcão de negócios do golpe. Com isso, o Brasil perderá instrumentos insubstituíveis para a alavancagem de seu desenvolvimento.
Aliás, a substancial redução do papel do BNDES como banco de desenvolvimento e a destruição da cadeia de petróleo e gás, inclusive da política de conteúdo nacional, já retiram do Estado brasileiro mecanismos vitais para o estímulo à atividade econômica.  
Não há país que tenha se desenvolvido sem um forte estímulo estatal à atividade econômica. O Brasil não será exceção.
Mas a redução estrutural do mercado interno e a destruição dos mecanismos estatais de indução ao desenvolvimento não são os fatores decisivos para a fragilização do nosso Estado Nação.
O fator realmente decisivo é externo.
O golpe tem uma agenda geopolítica implícita. Trata-se de extinguir diretrizes vitais da antiga política externa altiva e ativa, como a da integração regional via Mercosul, a da cooperação Sul-Sul, a das alianças estratégicas com os BRICS, a da reaproximação à África e ao Oriente Médio, etc. Essas diretrizes nos transformaram de país frágil e periférico da década de 1990 em ator internacional de primeira grandeza, com espaço de relevo assegurado em todos os foros internacionais e com interesses próprios e independentes bem definidos.
Na realidade, o objetivo maior do golpe é reinserir o Brasil na órbita dos interesses geoestratégicos dos EUA e aliados e abrir nossa economia às necessidades do capital financeiro globalizado e das “cadeias mundiais de valor”.
Isso não é teoria de conspiração. É somente a dura realidade da implacável e óbvia luta geopolítica que se desenvolve hoje no mundo. Quem não consegue entender isso, não conseguirá entender nada.
O fato concreto é que o golpe vem apequenando o Brasil em todos os sentidos. O pior, contudo, é que esse processo de fragilização do nosso Estado Nação não foi imposto pela força. Foi alegremente assumido por setores importantes das nossas “elites”.
Em particular, os procuradores e juízes da Lava Jato deram contribuição substancial para tanto, ao destruírem, em nome da cooperação internacional no combate à corrupção, o braço empresarial da nossa política externa, que exportava serviços para o mundo, abrindo portas dos mercados para produtos brasileiros, e a base empresarial da indústria da defesa, inclusive à que tange à construção do nosso submarino nuclear. De quebra, submeteram a Petrobras a investigações externas.
Messiânicos, cooperando à margem da autoridade central prevista em acordos, julgam-se heróis de um mundo kantiano de interesses universais comuns. Na verdade, não passam de instrumentos cegos da luta “clausewitziana” que rege a geopolítica mundial.
Como a maior parte das nossas classes dirigentes e empresariais e de vastos setores da classe média, acreditam numa suposta superioridade intelectual, cultural e moral dos países hoje desenvolvidos.
Com aliados internos desse calibre, os interesses externos podem aqui se tornar hegemônicos, sem necessidade de bombas e grupos armados.
Vira-latas se autoimplodem. Não precisam de disciplinamento. Ante quaisquer gestos de aceitação, de cooperação, abanam os rabos para seus donos.
O ano de 2016 foi o ano em que, além de toda a tragédia política e social, o Brasil se autoimplodiu. Implodiu seu futuro de país plenamente desenvolvido.
O ano de 2016 foi o ano do vira-lata.

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