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3.13.2017

Abriu-se a Caixa de Pandora: a política do vale-tudo



(134) Rodolfo Buhrer / La Imagem

Em grupos de conversa, na sala de aula, em reuniões entre amigos sempre sou questionado sobre o abismo no qual se encontram as instituições, os atores políticos e a própria democracia brasileira depois do golpe.
Há um espanto geral, principalmente em alguns setores da classe média, um pouco mais politizada, acerca do nível de despudor, mesquinharia, ladroagem e desfaçatez que tomou conta da política nacional.
Como explicar uma cena política tão decadente, que parece nunca se aproximar do fundo do poço? Consolida-se a convicção segundo a qual o escândalo ou o saco de maldades de hoje sempre será abafado ou superado pelo escândalo ou pela perversão de amanhã.
E, nesse jogo, parece que tudo é natural e normal.
Como entender uma cidadania anestesiada, incapaz de reagir frente à criminalidade organizada que tomou conta do estado brasileiro?
Aqui cabe o conceito de crime organizado, porque se trata de um conluio de grupos políticos imersos na corrupção que operam dentro do Estado, atuando de forma cooperada, envolvendo o judiciário e o aparelho político com vistas à construção de salvaguardas e redes de influência, objetivando a consolidação do poder econômico e político de tais grupos.
Poderíamos recorrer a uma das variáveis do mito de Pandora para tentar explicar o que acontece no Brasil. Diz o mito que uma mulher de extrema beleza foi enviada por Zeus para se casar com Epimeteu. O presente de casamento era uma caixa que continha todos os males, que ficou conhecida como “caixa de Pandora”. Uma vez que Pandora não conseguiu conter a sua curiosidade e abriu a caixa, ela libertou todos os males e desgraças sobre a humanidade.
A trama perversa do golpe abriu a caixa de Pandora dessa república das bananeiras: escancarou não somente a podridão do sistema político, como também expôs o nível de manipulação e de controle que a mídia exerce sobre as instituições e a sociedade brasileira, o envolvimento de uma juristocracia elitista e conservadora com o submundo da política, o fascismo de setores da classe média, a fragmentação e as disputas dos setores democráticos e de vanguarda; enfim, a farsa de uma democracia altamente excludente, erigida e sustentada na desigualdade social e nos privilégios de elites, com instituições republicanas dominadas por grupos de interesse ensimesmados e não comprometidos com princípios basilares de um estado democrático e de direito.
Quando a ética - que referencia as relações sociais e políticas - é quebrada abre-se o caminho para o vale-tudo. Todos os males vêm à tona e não há mais limites no trato com os negócios públicos. As leis e a Constituição passam a ser reles acessórios sistematicamente manipulados pelos grupos no poder. Como disse Jucá: “É um acordo, botar o Michel, num grande acordo nacional. (...) Com o Supremo, com tudo.”
Os políticos já não se referenciam no povo, origem e fonte do poder. O botão do “dane-se” é ligado, como podemos observar na entrevista de Temer dizendo que não tem medo da impopularidade ou na fala do juiz Moro, segundo o qual o concurso à magistratura permite ao juiz a aplicação a lei a partir das suas convicções. É o que acontece no Brasil atual.
Por um lado, presenciamos, quase anestesiados, um festival de desmandos e corrupção generalizados envolvendo os principais atores dos poderes públicos. Um complô midiático blinda e referenda o grupo no poder, naturalizando os comportamentos e práticas eivados de toda a sorte de perversidades. Como se tudo fosse natural, necessário e compreensível... Têm-se a sensação de um conformismo frente à banalidade do mal, esta ocorrência tenebrosamente cotidiana da crueldade institucionalizada, mais ou menos nos mesmos moldes refletidos por Hannah Arendt.
Noutra ponta, observamos uma população inerte, sem esperança e confiança no comportamento ético dos ocupantes dos cargos públicos nos três poderes.
Ora, não é possível falar em democracia nessas condições. Afinal, o comportamento viciado e corrupto dos ocupantes dos cargos públicos além de não inspirar confiança nas instituições públicas, deslegitimando-as, acaba por estimular a violação de quaisquer valores éticos também pelos cidadãos. Afinal, as pessoas passam a repudiar as instituições pelo fato dos ocupantes dos cargos públicos não buscarem o bem comum.
Os cidadãos percebem que os atores políticos trabalham contra o povo; atuam despudoradamente combatendo os interesses daqueles que são os verdadeiros titulares do poder. Ora, fica evidente que nessas condições não se pode falar em democracia. Na política do vale-tudo não há limites; não há regras; não há pudor. É como se os golpistas, pelos seus atos, conchavos e omissões, dissessem à população: estamos no poder e podemos tudo. Uma espécie de inferno de Dante: “Deixai a esperança, ó vós que entrais”...
E é também recorrendo a Dante que encerro este texto e respondo aos meus interlocutores atônitos em relação a tudo o que acontece em nosso país. Em “A divina Comédia”, o escritor italiano Dante Alighieri propôs uma inversão da lógica medieval que imperava até então: onde tudo era atribuído ao poder divino, sobretudo o destino dos homens, Dante sugeria que era o homem quem decidia seu futuro com suas ações. Assim, a Divina Comédia é antes de tudo um livro sobre escolhas. Assim, podemos concluir que mudança não virá com um salvador de pátria; nem brotará desse sistema político-jurídico-midiático sustentado na corrupção. A mudança está nas mãos dos cidadãos. Nossas escolhas nos manterão no inferno ou nos darão uma chance de subir ao paraíso.
Ou seja, somente quando a sociedade brasileira acordar desse pesadelo anestesiante do inferno do vale-tudo que se abateu sobre nós é que teremos condições de superar o golpe. Não é uma empreitada fácil. Mas, parece ser o único caminho. Portanto, a resposta ao dilema vem com uma pergunta crucial: o que cada um individualmente e nos grupos sociais, eclesiais, sindicais pode fazer para fecharmos a caixa de Pandora e recuperarmos nossa democracia?

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