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5.13.2017

Mercadante aponta o desmonte na educação


247 - Na sexta-feira (12), dia que marcou um ano do afastamento da presidenta eleita Dilma Rousseff, o ex-ministro da Educação, Aloizio Mercadante, falou com exclusividade ao 247 sobre o impacto que o golpe teve na educação brasileira. Para Mercadante, está em curso um processo de retrocessos e desmontes inaceitáveis e sem precedentes na história recente da educação no Brasil.
Além disso, Mercadante avalia que, para se sustentar no poder, o governo Temer deve aprofundar a tentativa de imposição de um projeto neoliberal tardio no país, com retirada de direitos trabalhistas e previdenciários, além de um profundo retrocesso nas políticas de inclusão social e igualdade de oportunidades, como a própria educação pública. Para o ex-ministro, no projeto golpista de Temer, o mercado é quem regula a democracia e não o inverso.
Mercadante também voltou a defender eleições diretas e pediu o Fora Temer. Confira a íntegra da entrevista:
247 - Ministro, hoje completa um ano que a Câmara dos Deputados afastou a presidenta Dilma do cargo, efetivando o golpe parlamentar no país. Qual balanço você faz deste primeiro ano de governo Temer?
Mercadante: Este dia marca o início da ruptura institucional e democrática em nosso país, após a Constituição de 1988, quando a Câmara dos Deputados passou por cima de mais de 54,5 milhões de votos de brasileiros, afastando uma presidenta legítima e eleita sem que ela tivesse cometido qualquer crime de responsabilidade. A crise se agravou, com impactos profundos nas instituições democráticas, na qualidade da representação política e na própria economia, e vemos um presidente rejeitado por 92% da população. A única união nacional que este governo conseguiu foi da ampla maioria da nação contra ele e seu projeto de retrocesso democrático e social.
O Brasil perdeu importância internacional e, mais grave, perdeu respeito e autoridade nos fóruns internacionais. Neste cenário, quem mais perde são os mais pobres, os que mais precisam de políticas públicas.

247 - E qual caminho você avalia que seja possível?
Mercadante: No caso do governo golpista, como já disse em outras oportunidades, viveremos o que defini como o paradoxo de Temer, ou seja, quanto mais impopular o governo é, mais impopular ainda ele precisará ser para se manter no poder. Um governo que se sustenta, simplesmente, por um projeto neoliberal tardio, que jamais chegaria ao poder por meio de eleições diretas. Aliás, falamos de um projeto que foi derrotado quatro vezes seguidas nas urnas.
Só há uma solução, a recuperação do poder pelo povo por meio de eleições diretas e constituição de um governo que tenha a legitimidade do respaldo popular. Agora, queria centrar no mais feroz retrocesso que estamos sofrendo na educação nos últimos anos, com o desmonte de uma série de políticas sociais e de inclusão dos mais pobres.

247 – Então, como você avalia o impacto do golpe na educação?
Mercadante: Presenciamos um ano de retrocessos e desmontes na educação. Nos governos Lula e Dilma, implementamos um conjunto de políticas públicas educacionais articuladas, complementares e consistentes que mudaram para muito melhor a educação do país. A política educacional foi implementada, desde o início, como um conjunto sistêmico, envolvendo desde a educação infantil até a pós-graduação, para resgatar um atraso educacional histórico da educação brasileira.
Somos um país de capitalismo tardio e educação retardatária, para se ter uma ideia do tamanho do nosso atraso educacional, em 1920, 75% da população era analfabeta e foi quando tivemos nossa primeira universidade. As primeiras universidades foram criadas na Europa sete séculos antes, e praticamente toda a América Latina tinha universidades desde o século XIX. Estávamos fazendo um grande esforço histórico para recuperar este imenso atraso educacional.

247 – O que foi feito na Educação Básica?
Mercadante: Foi com muita disposição, inovação e trabalho que estávamos construindo um caminho para a superar o caráter retardatário de nosso sistema educacional. Tudo o que fizemos procurava assegurar acesso, permanência e qualidade na educação. Uma primeira diretriz importante foi ampliar a jornada escolar obrigatória, primeiro antecipamos de 7 para 6 anos o ingresso obrigatório das crianças na escola, e, desde o ano passado, a idade é a partir dos 4 anos. Retomamos os investimentos nas creches e pré-escola, que são essenciais, especialmente para as crianças mais pobres poderem ter melhores condições na alfabetização. Criamos também uma Avaliação Nacional da Alfabetização, que mostra o imenso desafio que ainda temos pela frente. E o Pacto pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic), até oito anos, que assegura bolsa de estudos e uma formação complementar para mais de 300 mil professores e professoras alfabetizadores. A educação infantil foi abandonada pelo MEC no passado. Mesmo com a criação do Fundef, por FHC, não tínhamos repasses do MEC para a educação infantil e ensino médio, que só foi corrigido com a criação do Fundeb, no governo Lula. Tivemos, também, o programa Mais Educação para garantir uma jornada de tempo integral nas escolas, em mais de 60 mil escolas de ensino fundamental. O programa Caminho da Escola distribuiu milhares de ônibus e até lanchas para facilitar o acesso. Garantimos, com o Programa do Livro Didático, todo o material pedagógico necessário para toda a educação básica, respeitando a escolha do professor e assegurando qualidade nos livros. Distribuímos 500 mil tablets para os professores do ensino médio com todos os livros didáticos embarcados, colocamos banda larga e projetor digital em 65 mil escolas e laboratório de informática em mais de 100 mil. E com a Lei do Piso e Valorização Salarial tivemos um aumento de 46% acima da inflação no piso, que continua muito baixo e que alguns estados e municípios ainda não cumprem.
247- E no ensino superior.
Mercadante: Implantamos o Enem como um caminho de oportunidades, que passou a garantir um acesso democrático e republicano, a 1,6 milhões de bolsas do Prouni; o Reuni, responsável pela maior expansão da história das universidades e institutos tecnológicos federais; a reformulação do Sisu, que permite ao estudantes escolher qualquer curso em qualquer universidade ou instituto federal com sua nota do Enem; o novo Fies, que já garantiu o financiamento subsidiado para mais de 2,3 milhões de estudantes; o Ciência Sem Fronteiras, que garantiu mais de 100 mil bolsas para os melhores estudantes estagiarem nas melhores universidades do mundo; a Lei de cotas, que garante hoje metade das vagas em todas as universidades e institutos federais para os estudantes das escolas públicas, com acesso diferenciados para pobres, negros e indígenas, historicamente excluídos do ensino superior; o próprio Pronatec, que garantiu 9,4 milhões de matrículas em educação profissional e tecnológica, entre tantas outras políticas públicas de reconhecido êxito na educação. Com o golpe, essa estratégia foi abandonada e várias destes programas já acabaram.
247 – Podia nos dar alguns exemplos do que você está falando exatamente?
Mercadante: Os desmontes são vários. Mas, vamos começar, por exemplo, pelo fim do Pronatec, com um corte de 2 milhões de matrículas só 2016. E não há mais programa de educação profissional e técnico em 2017, o Pronatec acabou no governo Temer. Com a crise fiscal, tínhamos construído um acordo com o sistema S, que foi um grande parceiro do Pronatec e, além do acordo de gratuidade, eles garantiriam matrículas adicionais para podermos oferecer 2 milhões de matrículas em 2016. Os golpistas simplesmente suspenderam o acordo e acabaram com o Pronatec. Na crise, com este nível de desemprego, a educação profissional e técnica é fundamental para os trabalhadores se requalificarem e voltarem com mais formação e oportunidades para o mercado de trabalho. Do dia para a noite, extinguiram, de forma autoritária, um programa que atendeu 1,6 milhões de mães no bolsa família, os trabalhadores do seguro desemprego e que gerou um retorno à educação de uma parcela considerável dos 16,8 milhões de brasileiros que terminaram o ensino médio e não cursaram uma universidade. A educação técnica e profissional proporciona um salto de qualidade na inclusão de mão de obra qualificada no mercado de trabalho. Voltar a estudar, se qualificar e buscar uma nova inserção no mercado de trabalho seria uma porta de saída para os programas de maior impacto social e custo fiscal, como o Bolsa Família e o Seguro-Desemprego. Era o passo que estava permitindo uma inclusão sustentável no mercado de trabalho. Com o golpe, este programa acabou e, com ele, o sonho de milhões de pessoas, que sofrem com o desemprego e poderiam buscar uma nova qualificação e melhoria na realocação no mercado de trabalho. Assim como o Pronatec, o golpe acabou com o Ciência Sem Fronteiras.
247- O que houve com o Ciência Sem Fronteiras?
Mercadante: Quando denunciamos o fim do Ciência Sem Fronteiras, falaram que só queríamos criar pânico nos estudantes. Agora, confirmam o desmonte do programa. Como sempre acontece, neste governo, sofrem, principalmente, os mais pobres que, em razão da renda, dificilmente terão a oportunidade de estudar no exterior, como faziam com o suporte do Ciência Sem Fronteiras. Dos alunos que participaram do Ciência Sem Fronteiras, 26,4% são negros; 25% são jovens de famílias com renda até três salários mínimos; e mais da metade são de famílias com renda de até seis salários mínimos. Nunca tiveram essa oportunidade. Todos os países importantes do mundo têm programas de incentivo a mobilidade internacional de estudantes. A União Europeia, por exemplo, tem o Erasmus Mundi, isso para não falarmos da China que tinha, quando lançamos o Ciência Sem Fronteiras, 80 mil estudantes de doutorado só nos Estados Unidos. O choque de conhecimento gerado pelo Ciência Sem Fronteiras ajudou o a Brasil chegar a ser, em 2014, o 12º país do mundo que mais publicava artigos científicos. Além disso, lançamos o Idiomas Sem Fronteiras para atender a demanda pelo aprendizado de idiomas, especialmente o inglês, gerada pelo Ciência Sem Fronteiras, que já era um dos objetivos complementares do programa, o de internacionalizar nossas universidades. Além disso, a participação no Ciência Sem Fronteiras despertou nestes jovens a motivação para seguir na pós-graduação, mestrado e doutorado. Dos 13 mil alunos de graduação que passaram um ano no exterior pelo programa, que retornaram e concluíram o ensino superior no Brasil, 20% se tornaram alunos de pós-graduação. Quando falamos dos alunos que não participaram do Ciência Sem Fronteiras, esse percentual é inferior a 5%, nas mesmas áreas de formação. O programa priorizou áreas estratégicas para o país como ciências, tecnologias, engenharia, matemática, computação, informática, medicina e saúde. Com isso, o Ciência Sem Fronteiras impulsionou o país para a ciência, tecnologia e inovação, aumentando a produtividade, competitividade e preparando as bases da economia do conhecimento. Como sempre, o desmonte acontece sem nenhum tipo de diálogo com a sociedade. Falamos de um governo que se esconde do povo e interditou todo e qualquer diálogo na educação.
247 – O que a propaganda do governo diz é que realizaram uma reforma do ensino médio, que conta com ampla maioria da população...
Mercadante: Deixa eu te falar uma coisa, os mais importantes instrumentos para avançarmos na qualidade do ensino médio, que é o grande desafio da educação brasileira, são a valorização e formação dos professores e a melhoria no currículo. Por que isso? Temos uma estrutura muito rígida e enciclopedista, no ensino médio, com no mínimo 13 disciplinas sem nenhuma opção para dialogar com a diversidade de interesses dos estudantes. Há uma ampla convergência em relação à desejada flexibilização deste currículo. Esta mudança estava em curso. Iniciamos, em 2015, o processo de construção de uma nova Base Nacional Comum Curricular para toda a educação básica, com forte participação de entidades e educadores organizados no chamado Movimento pela Base Nacional Comum Curricular. A nova BNCC assegurou um amplo, transparente e democrático processo de elaboração. O Portal do MEC recebeu mais de 12 milhões de contribuições, que foram analisadas e classificadas por uma equipe técnica liderada pela UnB e parcialmente incorporadas. Foram realizadas ainda inúmeros seminários e audiências públicas em todos os estados da federação. A BNCC entregue ao Conselho Nacional de Educação em maio de 2016, produto deste amplo e participativo processo, permite ao país ter um currículo nacional flexível, que respeita as diversas correntes pedagógicas e as diversidades regionais, que complementarão o currículo final, assegurando o mesmo direito essencial de aprendizagem para todos os estudantes do país. Os sonhos e as experiências inovadoras locais poderão ocorrer dentre de diretrizes curriculares nacionais, que definem com objetividade as competências a serem oferecidas em cada ano escolar. A BNCC poderá permitir um salto na aprendizagem, na formação inicial e continuada dos professores e na produção de material didático. Uma das áreas de concentração no campo flexível e optativo será a educação profissional e técnica, com novos itinerários formativos, que desta forma pode ampliar e fortalecer sua presença nas modalidades integrada, integrada-complementar e concomitante. Este processo foi interrompido pela atual gestão, depois do golpe contra a Presidenta Dilma, quando retirou o projeto entregue ao CNE para revisão, atrasando em mais de um ano o processo e o calendário definido pelo Plano Nacional de Educação.
247- Mas e a reforma do ensino médio?
Mercadante: A nova BNCC é essencial para a reforma do ensino médio. Foi extremamente grave a edição da Medida Provisória do ensino médio que, pela primeira vez em duas décadas, tentou mudar a LDB por um instrumento legal do poder executivo que só se justifica na urgência e relevância. Isto jamais tinha ocorrido. Esta MP foi imposta de forma autoritária e sem nenhum diálogo com professores e estudantes, ou mesmo a comunidade acadêmica envolvida com todo o debate da BNCC. Foi uma iniciativa que desconsiderou todo o trabalho realizado pela BNCC e pelas discussões do projeto de lei que tramitava no Congresso, com dois anos de debate e acúmulo de conhecimento, que propunha mudanças curriculares no ensino médio para fortalecer o ensino profissionalizante e técnico. Esta MP tentou abolir do currículo, por decreto, as disciplinas de filosofia, de sociologia, de artes e de educação física, além de outras mudanças, sem qualquer discussão, ou mesmo uma reflexão pedagógica mais aprofundada, gerando um clima de indignação e revolta. Mais de 1 mil escolas foram ocupadas por estudantes indignados, além de greves, manifestações e conflitos com professores e gestores. A truculência e falta de diálogo do governo Temer neste tema impactou inclusive na realização do Enem de 2016, com adiamento dos exames para 240 mil estudantes. A resistência estudantil e docente fez com que o governo fosse derrotado em sua proposta autoritária. Mais uma vez, ficou demonstrado que tentativas de reformas de cima para baixo e de fora para dentro dificilmente chegam efetivamente nas salas de aula. O Congresso Nacional apresentou um projeto de conversão, que recuperou a essência do parecer do relator Deputado Reginaldo Lopes (PT/MG), que sistematizava toda a discussão acumulada pela Câmara dos Deputados. A equipe golpista do MEC apresentou uma nova versão da BNCC para o a educação infantil e ensino fundamental, um texto mais resumido com poucos acréscimos relevantes, mas com um retrocesso inaceitável. Foram retiradas as expressões "identidade de gênero" e "orientação sexual". Esta visão obscurantista e retrógrada esteve presente em todo o debate do Plano Nacional de Educação e mesmo da BNCC. Representa uma tentativa de ocultar o preconceito e a violência patrocinados pela homofobia nas escolas brasileiras. Milhares de jovens, meninos e meninas, voltam todos os dias das suas escolas, chorando, deprimidos, envergonhados, humilhados, discriminados e até agredidos fisicamente, sofrendo todas as formas de bulling, em razão der suas orientações sexuais. A convivência e respeito à diversidade deve ser uma dimensão fundamental de uma escola acolhedora. O Conselho Nacional de Educação ainda pode fazer alterações e o processo não está concluído. Quanto à BNCC do ensino médio, ainda não foi apresentado um novo texto. As atitudes do governo Temer foram autoritárias e desastrosas, gerando uma forte reação e antagonismo, com uma iniciativa que vinha sendo conduzida com muito diálogo e convergência e que precisa ser recuperada e preservada. Porém, o novo marco legal aprovado pelo Congresso Nacional abre novos espaços para a educação profissional e técnica. Precisamos discutir a implantação efetiva de um currículo mais flexível, amigável com os estudantes, aberto à desejada complementariedade da educação profissional e técnica, sem comprometer o mesmo direito de aprendizagem para todos os estudantes. Mas em nada contribuiu as graves, autoritárias, desastrosas e desnecessárias intervenções da atual equipe do MEC.
247 – Ao que você e refere quando fala em intervenções da atual equipe do MEC?
Mercadante: Mais um exemplo muito preocupante foi a intervenção, igualmente autoritária, do MEC no Fórum Nacional de Educação, que reúne cerca de 50 entidades da sociedade civil vinculadas à educação. Foram afastadas, por decreto e sem nenhuma consulta, entidades que representam nacionalmente os professores da rede privada, os professores das universidades federais e entidades de grande prestigio e história nas discussões educacionais, como a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação. O FNE também perdeu seu papel de coordenação da 3º Conferência Nacional da Educação, convocada para 2018, prevista no próprio Plano Nacional Educação, que passa a ser realizada sob a orientação do MEC, que revogou todos os encaminhamentos anteriores que estão definidos no Plano Nacional de Educação. Estas atitudes vão inviabilizando o ambiente para o diálogo com a sociedade civil, envolvida diretamente com a educação. Sem diálogo, muito diálogo, e negociação a reforma curricular do ensino médio estará seriamente ameaçada. Foi o mesmo tipo de postura que tiveram, quando das greves das universidades e institutos federais e nas ocupações estudantis de resistência em escolas por todo país, quando eles tentaram transformar reitores e depois diretores em delatores, algo que não se viu nem na ditadura militar. E ainda tem a questão do financiamento.
247 – Qual questão do financiamento?
Mercadante: A Constituição Brasileira exige um patamar mínimo de 18% da receita com impostos federais para financiamento da educação. O governo da presidenta Dilma investiu R$ 54 bilhões acima deste piso constitucional. A aprovação e promulgação da Emenda Constitucional nº 95, patrocinada pelo governo golpista, estabeleceu um teto para todos os gastos públicos nos próximos vinte anos, incluindo a educação, que só poderão ser reajustados no limite da taxa de inflação do ano anterior. Para dar um exemplo, o governo ilegítimo anunciou cortes de 45% nos investimentos e 18% no custeio para 2017, nas universidades e institutos federais. Esta medida, somando a suspensão de contratação de novos professores, coloca em risco não apenas a expansão futura, mas a conclusão da implantação de cursos que já estão em andamento, com graves consequências para a qualidade do ensino superior público. Será este padrão que vamos congelar para os próximos vinte anos? É isto que estamos tentando explicar, nós ainda temos um importante atraso educacional, e este teto trará graves consequências para a educação e todas as demais áreas sociais. O descaso com a educação é tanto que o governo golpista revogou os novos representantes da sociedade no Conselho Nacional de Educação, oficializados pela presidenta Dilma. Eles promoveram uma substituição por representantes do ensino privado, especialmente no Câmara da Educação Superior. Na Câmara da Educação Básica, revogou a nomeação dos mais indicados pela lista de 39 entidades vinculadas a educação, que elaboram listas tríplices para a aprovação da presidência. Também impediram a representação apoiada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, UNE, UBES, ANDIFES, ANPG, só para mencionar apenas algumas entidades preteridas. As Olimpíadas Brasileiras de Matemática das escolas públicas tiveram um contingenciamento de 50% dos repasses previstos para atender a participação de 18 milhões de estudantes em 47 mil escolas. Nas outras Olimpíadas, como a de Astronomia um corte de 50%, História 35%, desmotivando e desmobilizando um dos instrumentos mais motivador dos estudantes da rede pública. Eles acabaram com o Portal dos Diplomas, que poderia facilmente ser utilizado, para erradicar com todas as fraudes de diplomas no país e agora, para solucionar o caso do professor Wemerson da Silva Nogueira, nomeado pelo próprio MEC como embaixador da educação no Brasil, e que está sob suspeita de ter obtido um diploma fraudado. Também acabaram com os avanços do novo Sistema de Avaliação do Ensino Superior e da Educação Básica e com o Programa de Acolhimento, Permanência e Êxito de Volta para Escola, que faria uma busca ativa de milhares de jovens que, hoje, estão fora das escolas.
247 – Para finalizar, algum comentário sobre as recentes mudanças no Enem, um exame de tamanho impacto para estudantes para os brasileiros?
Mercadante: Ao falarmos do Enem, que eles sempre foram contra, não posso deixar de mencionar o fim do programa A Hora do Enem. Com este programa, organizado,lançado e entregue em pleno funcionamento, a TV Escola passou a realizar uma hora diária de sua programação, em uma rede formada por 40 tv's que aderiram ao projeto, de discussões preparatórias do Enem. Paralelamente, ocorreram em 2016, três simulados online para o Enem, com os parâmetros da TRI, Teoria de Resposta ao Item que permitiam ao participante ter uma avaliação do seu potencial desempenho no Enem ao final do ano. Terminado o simulado, além da nota que ele deveria tirar nas provas do Enem, ele recebia um diagnóstico detalhado da sua situação, por disciplina e uma orientação de estudo para acessar o Portal MEC FLIX, com 1.220 horas-aulas. Mais de 4,6 milhões de estudantes participaram deste processo. Os acessos à plataforma digital da TV Escola, que eram de 500 mil acessos por dia, passaram para 8 milhões, reforçando a importância de novos instrumentos de EAD, com baixo custo e amplo alcance. A iniciativa também está sendo abandonada pelo MEC. E este programa foi inteiramente apoiado pelo Sesi-Senai, sem custos para o MEC. Porquê acabar com este programa? A única resposta que eu encontro é que como eles não tem o que apresentar, precisam destruir o passado, tentar apagar a memória.
247 – E quanto ao exame em sí?
Mercadante: O Enem já sofre algum esvaziamento e não poderá ser mais utilizado para certificação do ensino médio. Já havíamos anunciado que faríamos um exame específico e adicional para certificação, mas sem acabar com esta oportunidade também no Enem. No nosso governo, o exame passou a ser o grande canal de ingresso nas vagas das universidades e institutos federais. Também passou a exercer um papel essencial no acesso ao conjunto de políticas públicas ofertadas pelo setor privado. O Enem foi e continua sendo duramente combatido pelos setores conservadores, com amplo apoio da verdadeira indústria de vestibulares que existia no país e por cursos preparatórios especializados nestes exames específicos. O caráter republicano e democrático do Enem se sobrepõe à exclusão imposta por sistemas descentralizados de seleção, como eram os vestibulares específicos, que jamais alterariam a lógica até então vigente, mantendo cada vez mais estreito o funil. A demanda reprimida por acesso à educação superior permaneceria, porque temos 16,8 milhões de brasileiros entre 18 e 29 anos que já concluíram o ensino médio e não cursaram uma faculdade, sendo que cerca de um terço destes disputa uma vaga cada Enem, todos os anos. Além de cerca de 2,2 milhões de estudantes concluintes do ensino médio, todos os anos. No passado, com os vestibulares, o candidato tinha que pagar uma taxa de inscrição para cada curso que disputasse, excluindo ou prejudicando os mais pobres, que tinham que reduzir suas escolhas. O Enem permite que o estudante possa disputar qualquer vaga, em qualquer curso, em qualquer Universidade pública ou Instituto Federal, e, ainda, uma bolsa de estudos em uma instituição privada por meio do ProUni ou do Fies, com um único exame. Espero que o caráter republicano do Enem seja mantido e que continue a ser o grande caminho de oportunidade que nós criamos. Quanto ao governo Temer, podemos dizer que é um desastre sobre qualquer ângulo, especialmente, se olharmos para a educação pública, cada vez mais marcada por desmontes, retrocessos e truculência. O Brasil precisa de eleições diretas já. E Fora Temer.

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