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8.28.2017

Na caravana, Lula reencontra o povo


Ricardo Stuckert

  Num país onde a queixa sobre a apatia da grande massa dos cidadãos tornou-se o grande lugar comum das análises políticas, a caravana de Luiz Inácio Lula da Silva pelo Nordeste oferece uma surpresa e tanto.  
    Num fenômeno pouco visível para quem limita-se a acompanhar a realidade do país pela cobertura dos grandes monopólios da mídia familiar, basta reconstruir o que aconteceu neste domingo, quando a caravana completava seu 10 o dia, para se ter uma noção adequada do que se passa no fundão da política brasileira.
    Depois de fazer, no sábado, um discurso de 43 minutos para uma pequena multidão reunida no Ponto Cem Réis, na região central da capital paraibana, Lula assumiu seu lugar no ônibus número 1 da caravana, líder de um comboio com outros dois ônibus e pelo menos nove automóveis e veículos mais leves.
      O plano do dia era percorrer os 277 quilômetros que separam João Pessoa para chegar a Currais Novos, no Rio Grande do Norte. Num esforço para recuperar velhas audiências e estabelecer novos laços com um eleitorado que esmagou o Partido dos Trabalhadores em 2016, a ideia era convocar aliados, militantes e eleitores mais irredutíveis para dar um novo oxigênio a máquina de um partido. A proposta se resumia a organizar três comícios num único dia, o que por si só já seria uma proeza respeitável. Mas, ao longo do dia se descobriu que ao menos uma parcela da população local achou que isso era pouco para quem pretendia ouvir Lula.  Sem condição de comparecer aos locais pré-estabelecidos, em diversos pontos do trajeto os moradores da beira do caminho resolveram participar da festa de forma imprevista.
     Na medida em que a caravana se aproximava, em vários pontos do trajeto eles se concentravam à beira da estrada para saudar Lula e acompanhantes. Quando a concentração -- de homens, mulheres, jovens e muitas crianças – atingia um bom tamanho, a caravana era obrigada a parar. Se o volume de gente era mesmo grande, Lula descia e fazia uma pequena saudação – era isso, exatamente, o que pretendiam as pessoas que corriam pela beira da estrada.
     Em Acari, já no Rio Grande do Norte, ocorreu a grande cena do dia. Estimulada pelo prefeito local,  que é filiado ao PMDB, uma pequena massa começou a se concentrar nas vizinhanças do asfalto.  Quando a caravana se aproximou, até uma parcela dos fiéis que acompanhavam a missa de domingo, numa igreja das redondezas aderiu a mobilização. A estrada acabou bloqueada, aos gritos de “Lula, Lula, Lula”. Com um novo comício pela frente, o próprio não discursou porque precisava poupar a voz. Mas desceu do ônibus para conversas rápidas com quem estava por perto.
      De forma mais organizada, os comícios definiram uma ajudam a entender uma situação clara.  Assistindo, a partir da posse de Michel Temer-Henrique Meirelles, ao desmanche de direitos definidos durante a passagem do Partido dos Trabalhadores pelo Planalto, uma parcela considerável de brasileiros encara um possível retorno de Lula à Presidência como a principal esperança para preservar suas conquistas – e estão dispostos a lutar por isso.
       Com uma pequena produção de queijo em Caicó, que distribui em duas cidades do Rio Grande do Norte, Mário Luiz da Silva fez questão de comparecer a última parada do dia, o comício de Currais Novos. “Precisamos garantir a vitória do Lula no primeiro turno”, diz ele. “Não falo por mim, pois nunca obtive qualquer benefício direto pelas medidas do governo. Mas pelos programas sociais, que beneficiam a população mais pobre e, dessa forma, fazem bem para o país inteiro.” Num dos lados do palco, o comício de Currais Novos exibia um boneco de Lula. Nada a ver com o execrável pixuleco nos tempos de Lava Jato, mas um Lula bem trabalhado e esculpido, com rosto bem desenhado e camisa vermelha-PT brilhante.
     Ao longo de sua carreira, o deputado-sindicalista Vicentinho esteve em Currais Novos em duas situações. Em 2002, quando Lula venceu as eleições presidenciais pela primeira vez, e na semana passada. “ A mudança é total, disse ele ao 247. Em 2002, as pessoas respondiam ao discurso do candidato do PT “virando o polegar para baixo, em sinal negativo”.  Ontem, era só aplauso. “Aqui é uma região conservadora mas a compreensão do papel de Lula está clara.”
   Prefeito de Picuí, única das 223 cidades da Paraíba na qual o Partido dos Trabalhadores ganhou as eleições para a prefeitura em 2016, Olivânio Remígio fez, no domingo,  uma respeitável demonstração de força. Numa cidade com 19000 habitantes, colocou perto de 5000 pessoas na praça principal para saudar Lula -- na matemática, de cada quatro moradores de Picuí, pelo menos um saiu de casa para dar seu apoio a Lula.
    “Basta pensar na seca para entender esse comportamento”, disse Olivânio ao 247. A conta, no caso, é objetiva. Numa cidade onde 6 mil pessoas residem na área rural, os programas dos governos Lula-Dilma asseguraram a distribuição de 5 000 cisternas – seja aquelas de tamanho pequeno, adequadas para o consumo humano, seja no tamanho maior, ideal para a agricultura. “Chegamos a situação correta, na qual a maioria das famílias tem duas cisternas, que permitem fazer seu trabalho e também cuidar da saúde e da higiene”.      
     Destinada a reforçar a musculatura política de Lula, alvo de uma perseguição da Lava Jato que ameaça tirar de cena uma candidatura favorita em todas as pesquisas para 2018, a mobilização em torno do mais popular presidente nossa história é a mais importante novidade da política brasileira. Enquanto adversários tradicionais se desmoralizam perante o eleitorado, a começar por Aécio Neves, Geraldo Alckmin, João Doria e Jair Bolsonaro se encontram em cenas de canibalismo que ninguém sabe como vai parar.
    Numa situação na qual a fragilidade dos adversários  coloca em risco a democracia,  a ampliada base popular de Lula lhe confere uma legitimidade única numa conjuntura de dúvidas e incertezas para tirar o país da maior catástrofe econômica e política e sua história.

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