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3.18.2018

O homem que não consegue sentir emoções


Homem com eletrodos (Foto: Thinkstock)Direito de imagem




THINKSTOCK
Image captionPara quem não é capaz de sentir emoções, a expressão de sentimentos parece uma 'produção teatral'
Caleb me conta sobre o nascimento de seu filho, agora com 8 meses. "Sabe como outros pais descrevem a sensação de ser tomado por um sentimento de alegria e afeto ao verem seus bebês pela primeira vez? Não senti nada disso", confessa.
O dia de seu casamento também lhe pareceu desinteressante. "Para mim, era como uma produção teatral, algo mecânico", admite Caleb, cujo sobrenome ele não quis revelar.
Caleb afirma que quase não sente nenhum tipo de emoção, seja ela boa ou ruim. Eu o conheci em um fórum na internet para pessoas que sofrem de alexitimia, um tipo de "cegueira emocional" que as impede de perceber ou expressar os vários sentimentos que normalmente enfeitam nossas vidas.
O distúrbio é identificado em 50% dos pacientes com autismo, mas muitos "alexes", como eles gostam de se chamar, não apresentam nenhum outro componente do problema, como o comportamento compulsivo ou repetitivo.
Descobrir a fundo tudo o que envolve a alexitimia pode ajudar cientistas a entender melhor muitas doenças graves, da anorexia e da esquizofrenia à dor crônica e à síndrome do intestino irritável.

Camadas de sentimentos

Para entender essa paralisia emocional, pense nas emoções como uma espécie de boneca russa, formada por várias camadas, cada uma mais complexa do que a outra.
No centro de tudo está uma sensação física. Pode ser a aceleração do coração quando se encontra a pessoa amada ou o estômago apertado quando se está com raiva.
Arte do cérebro (Foto: Thinkstock)Direito de imagemTHINKSTOCK
Image captionCientistas acreditam que a paralisia emocional pode ser causada pela falta de conexão entre partes do cérebro
O cérebro pode, então, catalogar esses sentimentos para que você saiba se é algo bom ou ruim, forte ou fraco. As sensações começam a tomar forma e surge uma representação consciente da emoção. No fim, conseguimos atribuir palavras a elas.
Quando a alexitimia foi classificada pela primeira vez, em 1972, cientistas acreditavam que o problema estava nessa última fase de verbalização. Para eles, haveria uma falha na comunicação entre os dois hemisférios do cérebro, impedindo que os sinais das regiões emocionais, localizadas predominantemente no lado direito, chegassem às áreas de linguagem, do lado esquerdo.
"Você precisa dessas transferências emocionais para poder verbalizar o que está sentindo", afirma Katharina Görlich-Dobre, pesquisadora do Departamento de Neurologia do Hospital Universitário de Aachen, na Alemanha.
Ao fazer imagens de ressonância magnética do cérebro de vítimas da alexitimia, a cientista descobriu que elas apresentam conexões inesperadamente densas nessa ponte neural. Para Görlich-Dobre, isso pode contribuir para que uma interferência impeça o cruzamento dessas informações emocionais.
Hoje, no entanto, está cada vez mais claro para os especialistas que existem muitos tipos de alexitimia. Enquanto alguns indivíduos têm dificuldade de expressar suas emoções, outros, como Caleb, não têm nem consciência destes sentimentos.
O psiquiatra Richard Lane, da Universidade do Arizona, acredita que uma explicação para o distúrbio é o fato de o circuito neural envolvido no processamento de emoções estar danificado, impedindo sentimentos como a tristeza, a raiva e a alegria de chegarem à consciência. "Talvez a emoção esteja ativada e a pessoa até tenha uma reação física a ela, mas não está ciente disso", explica.

Problema de percepção

Alguns estudos recentes que usaram ressonância magnética para mapear o cérebro de vítimas do distúrbio, encontraram sinais de um problema básico de percepção. Görlich-Dobre descobriu menos massa cinzenta em áreas do giro do cíngulo, a região cerebral que controla a autoconsciência. Isso poderia bloquear uma representação consciente das emoções.
Já André Aleman, da Universidade de Groningen, na Holanda, detectou falhas em áreas associadas à atenção quando alexitímicos observavam imagens carregadas de conteúdo emocional. "Era como se seus cérebros não estivessem registrando os sentimentos", explica.
O próprio Caleb descreve uma "desconexão da consciência" que impede que as emoções cheguem à sua mente. "Quanto mais intensa a emoção que eu deveria estar sentindo, mais meu pensamento fica claro e eu me torno mais analítico", conta.
Para ele, sua situação tem um lado ligeiramente positivo: o de poder lidar melhor com procedimentos médicos, sem sentir medo nem ansiedade.

Curto-circuito neural

Homem com expressão de dor (Foto: Thinkstock)Direito de imagemTHINKSTOCK
Image captionA alexitimia costuma vir associada a outras doenças, como a esquizofrenia
A alexitimia aparentemente está associada a várias outras doenças, como esquizofrenia e distúrbios alimentares, talvez porque as emoções normalmente nos levam a cuidar melhor de nossa saúde física e mental.
Entender melhor o problema poderia ajudar cientistas a encontrar soluções para essas outras doenças e ainda para o autismo. Também seria possível estudar mais a fundo os chamados "distúrbios psicossomáticos", como a dor crônica ou a síndrome do intestino irritável, que parecem ser comuns em pessoas com alexitimia.
Para Lane, essa associação ocorre por causa de uma espécie de "curto-circuito" no cérebro, criado pela cegueira emocional. Segundo o psquiatra, normalmente a percepção consciente das emoções ajuda a amortecer as sensações físicas associadas aos sentimentos. "Você pode conscientemente processar e permitir que o sentimento evolua", explica. Mas sem essa válvula de escape, a mente fica presa nas sensações físicas, potencialmente ampliando as respostas.

Em busca das emoções perdidas

Caleb espera que um dia especialistas consigam encontrar a origem da alexitimia e impedir que seus efeitos aumentem. Ele acredita que seu problema tem origem genética, mas o distúrbio também pode estar associado à maneira como alguém é criado e educado. Outras vezes, um trauma pode ter desligado a capacidade de processar algumas emoções.
Na infância, Patrick Dust, um dos pacientes de Lane, foi vítima de violência e abusos por parte de seu pai alcoólatra. Mesmo décadas depois de ter saído de casa com a mãe, ele tinha dificuldade de interpretar e entender suas emoções, particularmente o medo e a raiva. Segundo ele, isso o levou a sofrer de fibromialgia (dores crônicas e contrações por todo o corpo) e um distúrbio alimentar.
Com a ajuda do psiquiatra, Dust conseguiu rever o passado e se reconectar com emoções que ele havia deixado "trancadas". Isso o ajudou a aliviar os problemas de saúde de que sofria.
Caleb também passou a fazer terapia comportamental cognitiva para tentar melhorar seu entendimento social e a fazer um esforço consciente para relacionar suas reações físicas a emoções.
Caleb pode não ter sido transportado ao paraíso no dia de seu casamento ou do nascimento do filho, mas ele passou a maior parte de sua vida olhando para dentro, esforçando-se para sentir e entender suas sensações e as das pessoas à sua volta.
"A cegueira emocional não nos torna indiferente, cruel ou egoísta. É possível estar desconectado de sentimentos sem ser uma pessoa fria ou um psicopata", define ele.
Leia a versão original desta reportagem em inglês no site BBC Future.

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