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4.29.2019

Internet! Nem 2 milhões em duas semanas viram o Moro no Bial...

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Nem 2 milhões em duas semanas viram o Moro no Bial...

Lula durante a entrevista a El País e Folha na última sexta-feira, 26/IV (Crédito: Ricardo Stuckert)
De Sérgio Guedes Reis, no GGN:
Tenho dificuldade em pensar em alguma ocasião, pelo menos na última década, na qual tenha havido tamanho esforço da mídia televisiva em silenciar uma agenda. Em tempos de crescente preponderância dos meios virtuais, parece que essa escolha é pouco inteligente.
E os dados mostram que a tentativa foi realmente um esforço vão: em pouco mais de 48 horas, apenas os vídeos da entrevista com Lula feita na última Sexta-feira (completos ou contendo trechos) existentes no Facebook ou no Youtube já ultrapassaram, somados, cerca de 10 milhões de visualizações (e, no momento em que escrevo, 100 mil novas visualizações são registradas por hora). E o que é mais interessante: os vídeos mais vistos são aqueles com a entrevista completa (a qual teve quase 2 horas de atuação). Em geral, um pressuposto para a viralização de vídeos com conteúdo político é que sejam mais curtos, e que contenham “frases de efeito” – que mobilizam as torcidas, à esquerda e à direita. Não é o caso da entrevista: os links mais acessados são justamente os que apontam para o vídeo completo de Lula com os jornalistas Monica Bergamo e Florestan Fernandes Jr. Além disso, é interessante observar que há centenas de repostagens dos vídeos, sendo a imensa maioria feita por cidadãos comuns – muitas publicações sequer alcançam mil visualizações. Em comparação, vídeos de próceres da direita costumam ser viralizados a partir de uma única fonte – algo que facilita a aparição do link da postagem no topo dos mecanismos de busca e torna o patrocínio por clique algo mais rentável. No caso da entrevista de Lula, há um indicativo, portanto, de uma disseminação mais orgânica do conteúdo.
O impacto da entrevista de Lula não pode ser subdimensionado. Só pra se ter uma ideia, o vídeo mais visto de Bolsonaro desde que se tornou candidato foi a sua entrevista ao Roda Viva, em Julho de 2018 (9,1 milhões de visualizações até hoje). Sua primeira aparição após o atentado que sofreu em Juiz de Fora teve 8,1 milhões de visualizações. Desde então, a cada novo registro audiovisual relevante há menos expectadores: 6,3 milhões na live do 1o. turno, 5,8 milhões ao ganhar as eleições, e cerca de 1 milhão a cada live semanal. Comparativamente, há um vídeo de Sergio Moro interrogando o ex-Presidente Lula o qual possui cerca de 18 milhões de visualizações (em um ano e meio). A recente entrevista do atual Ministro da Justiça com Pedro Bial, contudo, não alcançou 2 milhões de visualizações em duas semanas. Imaginem se Lula tivesse sido entrevistado a uma semana das eleições (como era previsto e como lhe era de direito)…
Ficou claro como a direita não conseguiu pautar como interpretar a entrevista de Lula (há 3 vídeos que tentam fazer isso – um do William Waack, um da Jovem Pan e um de um Youtuber, e nenhum passou de 200 mil visualizações até agora). Tenho a impressão de que a entrevista foi realmente um marco histórico na militância virtual de esquerda – a qual, a bem da verdade, teve muito menos capacidade e capilaridade do que a direita raivosa ao longo dos últimos 5 anos. Lula, uma vez mais, mostra que é uma liderança muito superior a seus pares. As pessoas ainda querem ouvi-lo, querem saber o que ele pensa sobre o Brasil de hoje e continuam a se magnetizar com o seu discurso. Detalhe: há poucas figuras famosas, poucas “celebridades de internet” promovendo o vídeo de alguma forma (tais como os tantos influenciadores digitais que assim o fazem com as aparições de Bolsonaro). Não, o contato é em boa medida direto, expressão da curiosidade popular em “reencontrar” Lula. E isso depois de tudo o que lhe aconteceu. A repercussão da entrevista indica como Lula tem imensa força catalisadora, e como tentar ignorá-lo se tornou uma estratégia tola. Conforme a crise política e econômica se agrava no Brasil, a sombra de Lula pairará com ainda mais força sobre o condomínio de forças retrógradas que agora ocupa o poder. Que farão eles? Silenciarão o ex-Presidente?
No caso da imprensa, a opção por esconder agendas perdeu o sentido a partir do momento em que a maioria da população passa a ter acesso à internet. O caminho possível para o mainstream seria tentar controlar a narrativa, interpretando eventos como a entrevista a partir de lentes convenientes. Isso é desafiador no caso do ex-Presidente, na medida em que uma cobertura minimamente convincente do evento implicaria em lhe dar alguma voz. E Lula, de forma geral, dificilmente escorrega – é muito difícil contornar a linguagem eficaz que ele invariavelmente adota. Por outro lado, quanto mais tempo a imprensa ignorar Lula, mais difícil ficará para que controle a narrativa…
Para a esquerda, fica o aprendizado a respeito da força da “marca” Lula. Esse aprendizado deveria significar duas coisas básicas: 1) para quem quer, dentro do campo progressista, contestar a hegemonia do PT, faz pouquíssimo sentido atacar o ex-presidente ou suas ideias centrais – Lula prova toda vez que é força bem maior do que as clivagens ranhetas que observamos entre grupos sectários nas redes sociais; 2) para quem quer que a esquerda, de modo geral, consiga voltar a estar em posição de disputar o país, é muito difícil conceber o desafio sem um Lula ativo. Se é verdade que o ex-Presidente falhou em formar, encontrar ou apoiar sucessores que pudessem efetivamente liderar um projeto sustentado de país, o fato é que seu capital político ainda é grande o bastante pra influenciar os rumos do país por muitos anos a fio. Não há ninguém, em todo o ecossistema político brasileiro, que disponha de uma fração sequer desse capital. Em tempos em que as forças democráticas andam tão combalidas, esse é um ativo decisivo, e dele não se pode abdicar. Mesmo que o futuro do Brasil seja construído a partir de bases distintas, na esquerda, daquelas as quais Lula propõe, ele não será erigido sem a voz, a vez, a energia e o legado de Luis Inácio. Pois Lula, com seus méritos e defeitos, não é só uma ideia: é o projeto, como sujeito político e como governante, de um país possível. E quanto mais o outro projeto – que sequer é de nação ou de elite que se preste, mas de clã ou facção – for implementado, mais forte viralizará a lembrança de Lula.

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