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5.22.2019

Ministério da Justiça estuda reduzir o imposto do cigarro para conter o contrabando; comunidade médica critica

Por Elida Oliveira, Filipe Domingues e Luiza Tenente, G1
 


Grupo de trabalho busca analisar se a redução dos impostos levaria à queda de preços e, consequentemente, à pouca procura por produtos contrabandeados — Foto: Ralf Kunze/PixabayGrupo de trabalho busca analisar se a redução dos impostos levaria à queda de preços e, consequentemente, à pouca procura por produtos contrabandeados — Foto: Ralf Kunze/Pixabay
O Ministério da Justiça (MJ) deve decidir, até o fim de junho, se vai propor a redução de impostos sobre cigarros fabricados no Brasil. Em março, uma portaria assinada pelo ministro Sérgio Moro instituiu um grupo de trabalho para avaliar se mudanças nos impostos ajudarão a "diminuir o consumo de cigarros estrangeiros de baixa qualidade".
A instauração do grupo foi criticada por especialistas em saúde e por entidades do setor, inclusive ligadas ao próprio Ministério da Saúde (veja mais abaixo). Profissionais da área afirmam que a medida não seria suficiente para reprimir o mercado ilícito de cigarros, contribuiria para o aumento do número de fumantes e acarretaria custos.
O que se sabe sobre a iniciativa do MJ:
  • Ministério informou em nota que estuda "formas de diminuir o consumo de cigarros contrabandeados, sem aumentar o consumo no Brasil".
  • Governo afirma que os ministérios da Economia e da Saúde foram chamados a participar das discussões.
  • Pasta cita como uma das bases da discussão no Grupo de Trabalho um estudo de economistas que questiona a "eficiência da estratégia de aumentar tributo" na redução do tabagismo.
  • Oficializado em 23 de março, grupo tem 90 dias para a concluir os trabalhos.
  • Em abril, o Conselho Nacional de Saúde (CNS), ligado ao Ministério da Saúde, recomendou o fim do grupo de trabalho.
As conquistas do combate ao tabaco:
  • queda no tabagismo no Brasil é expressiva: o país já bateu a meta global, que é reduzir o percentual de fumantes na população para 15%.
  • Em 2017, o total de fumantes na população brasileira era de 10,1% (2017), segundo o Ministério da Saúde. Em 1989, 34,8% da população brasileira fumava, segundo a OMS.
  • Uma estimativa publicada em estudo na revista "PLOS Medicine", em 2012, aponta que cerca de 420 mil mortes foram evitadas no Brasil por políticas públicas implementadas entre 1989 e 2010.
  • OMS estima que um em cada 10 cigarros consumidos globalmente sejam comprados no comércio ilegal.
  • O Instituto Nacional do Câncer (INCA) diz que aumento de preços na ordem 10% seria capaz de reduzir o consumo em cerca de 8% em países como o Brasil.

Base para o Grupo de Trabalho

Após mais de um mês de sua oficialização, o Grupo de Trabalho realizou uma "reunião preliminar", conforme informado ao G1 pelo ministério. A pasta não informou a lista dos participantes, mas disse que representantes dos ministérios da Saúde e da Economia foram convidados.
Questionado pelo G1 sobre se existiam estudos que serviram como base para o debate sobre a redução de impostos, o Ministério da Justiça citou um estudo de três economistas apresentado em 2017. No texto “Uma alternativa de combate ao contrabando de cigarro a partir da estimativa da Curva de Laffer e da discussão sobre a política de preço mínimo”, os economistas Mario Antonio Margarido, Matheus Lazzari Nicola e Pery Francisco Assis Shikida concluem que a "eliminação da estratégia de preços mínimos (...) afetaria drasticamente a rentabilidade da indústria ilegal de cigarros".
O estudo avalia que, em um dos cenários de mudança de política de preços por eles simulada, o aumento do faturamento da indústria nacional seria de R$ 7,526 bilhões e de R$ 2,547 bilhões na arrecadação por meio do IPI.
Os pesquisadores acreditam que a mudança na política de preços levaria "fumantes de cigarros ilegais para o consumo dos cigarros legais." Além disso, os economistas citam que os recursos arrecadados poderiam ser usados em campanhas educativas e que a medida "reduziria gastos em saúde", já que os cigarros ilegais apresentam "baixa qualidade".
Dados sobre o cigarro no mundo — Foto: Infográfico: Diana Yukari/G1Dados sobre o cigarro no mundo — Foto: Infográfico: Diana Yukari/G1

Posicionamento do ministro

Em nota enviada para a Globo News, o ministro Sergio Moro ressaltou que a redução é uma possibilidade e que nada está definido. Segundo Moro, não é uma afirmação verdadeira dizer que o Ministério da Justiça quer reduzir
imposto de cigarro.
Moro ressaltou que a portaria deixa claro que é preciso avaliar a redução de impostos aumentaria o consumo global. Ainda de acordo com o ministro, a estimativa é de que mais de 40% do mercado seja dominado por cigarros paraguaios, que são ainda piores à saúde do que os brasileiros.
Ainda segundo o ministro, o cigarro paraguaio é um problema de saúde
pública grave, consumido pela população mais pobre e que não é fácil
coibir o contrabando por meio repressão policial.Segundo os motoristas presos por contrabando, cargas de cigarros apreendidos seriam levadas de Mundo Novo (MS) para São Paulo (SP) — Foto: PRF/ Divulgação

Possibilidade criticada

“Não faz sentido (diminuir os impostos”, alerta Ciro Kirchenchtejn, membro da Comissão Científica de Tabagismo da Sociedade Brasileira de Pneumologia
 e Tisiologia (SBPT). “Tem de educar a população, promover medidas de prevenção ao crime, combater e prender essas pessoas.”
Para ele, uma das medidas mais efetivas para reduzir o consumo do cigarro está justamente na taxação do produto -- com o tabaco mais caro, o acesso a ele fica mais restrito. Uma pesquisa de 2017 apontou que os fumantes são
20% mais propensos a parar de fumar se o preço do produto aumentar
US$ 1. O estudo foi publicado no periódico científico 'Epidemiology'.
“Se o cigarro custa R$ 10 e o de contrabando custa R$ 3, o fumante não vai deixar de comprar o ilegal se o preço cair um ou dois reais”, pondera Kirchenchtejn. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que um em
 cada dez cigarros (25%) consumidos globalmente são comprados no
comércio
ilegal.
Segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca), um aumento de preços na
ordem 10% seria capaz de reduzir o consumo de produtos derivados do
tabaco em cerca de 8% em países como o Brasil.
“Contrabando tem de ser combatido, e não só do cigarro. Mas se a forma de fazer isso for reduzir imposto, o governo teria que aplicar a mesma medida para outros produtos e cortar imposto de peças automotivas para combater desmanches,
por exemplo” - Ciro Kirchenchtejn, da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT)
Em abril, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) se posicionou contra a
possível iniciativa de reduzir os impostos do cigarro. O órgão publicou uma recomendação ao Ministério da Justiça e Segurança Pública para extinguir o grupo de estudo.
"É uma decisão temerária e extremamente problemática para a saúde pública, visto que aumenta o consumo de cigarros (...) e impacta direto no SUS, demonstrando-se ser uma alternativa controvertida, desnecessária e polêmica que atende única e exclusivamente os interesses do lobby da indústria do tabaco", diz o texto do CNS.

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