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6.18.2019

Atropelo na troca de comando do BNDES mostra ansiedade do Governo por caixa

Joaquim Levy é substituído por Gustavo Montezano na chefia do banco. “Falar de 'caixa preta' é cortina de fumaça”, diz ex-presidente da instituição no Governo Temer

Novo presidente do BNDES, o economista Gustavo Henrique Moreira Montezano.
Novo presidente do BNDES, o economista Gustavo Henrique Moreira Montezano. DIVULGAÇÃO
O presidente Jair Bolsonaro correu para apaziguar o mal-estar que ele mesmo gerou no final de semana quando avisou espontaneamente à imprensa que o então presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Joaquim Levy, estava com a “cabeça a prêmio”. Levy entendeu o recado e pediu demissão no mesmo dia. Nesta segunda, Bolsonaro anunciou que trocava Levy, doutor em economia pela Universidade de Chicago que deixou o Banco Mundial para embarcar no Governo Bolsonaro, por Gustavo Montezano, mestre em economia pela Faculdade de Economia e Finanças do Rio de Janeiro, e ex-sócio do banco de investimentos BTG. Montezano assume sob a pressão de acelerar a venda de ativos do banco e devolver empréstimos feitos ao Governo.
O porta-voz do Governo, general Otávio Rêgo Barros, tratou com normalidade a mudança de cargo. “Uma das medidas que se deseja é a devolução dos recursos [emprestados ao] banco para o Tesouro Nacional. Além disso, deve aumentar investimentos em infraestrutura e saneamento e ajudar a reestruturar, ‘abrir a caixa-preta do passado’, apontando para onde foram investidos em Cuba e na Venezuela, por exemplo”, disse o porta-voz na noite desta segunda-feira.
A frequente alusão a que existam operações suspeitas do banco em gestões passadas é vista como “cortina de fumaça” usada pelo Governo para ocultar a urgente necessidade de fazer dinheiro, num momento de arrecadação baixa, desemprego alto e investimento tímido do Governo e das empresas. “Não existe caixa preta no BNDES, nem caixa cinza nem caixa de qualquer outra cor. Nada deixou de ser aberto ali. Providências, inspiradas nas próprias exigências do Tribunal de Contas da União, e que Dyogo de Oliveira [seu sucessor] complementou, fez do BNDES o banco de dados aberto mais escancarado de uma instituição financeira em nível mundial”, diz Paulo Rabelo de Castro, que assumiu a presidência do BNDES em junho de 2017, logo após a saída de Maria Silva Bastos, durante o Governo Temer.
“Quando cheguei lá, encontrei duas investigações mais aprofundadas, sobre créditos à JBS e à Odebrecht, feitas de forma rigorosa. É quase ofensivo tratar como se eu e Maria Silvia tivéssemos fechado os olhos”, completa Rabelo, que estudou na Universidade de Chicago como o ministro da Economia Paulo Guedes, a quem conhece desde a juventude. Para o ex-presidente do BNDES, o Governo está mirando em um alvo por não enxergar outro. “Ele simplesmente não acertou o alvo da política econômica de 2019. Ele descartou que haveria desaceleração este ano pelo radicalismo monotônico sobre a necessidade de aprovar a reforma da Previdência”, avalia.
O economista Sérgio Lazzarini, do Insper, que analisa dados do banco há mais de uma década, concorda. Lazzarini acredita que Bolsonaro precisa ser mais específico quando fala em uma caixa-preta no BNDES. "Dados de quem pega o empréstimo, para onde foi, a qual taxa de juros, etc., já estão abertos desde 2015. Se caixa preta for dados, isso já está transparente. Agora, se ele quiser saber quem exatamente autorizou o empréstimo, precisa ir ao conselho de administração e pegar atas de reunião", explica. Há tempos Bolsonaro reclamava que a direção do banco ainda não tinha aberto o que ele chama de "caixa-preta" do BNDES, onde estariam comprovados desvios ocorridos no banco em Governos anteriores, principalmente nos anos do PT. A abertura desses dados foi uma pauta eleitoral bastante repetida pelo então candidato de extrema direita.
Mas, para além da tal falta de informações, o Governo Bolsonaro reclamava de uma suposta resistência de Levy para a devolução ainda este ano 126 bilhões de reais do BNDES devidos ao Tesouro Nacional num momento delicado para a economia. Entre 2008 e 2014, ou seja, em parte do Governo Lula e Dilma, o Tesouro fez aportes de mais de 400 bilhões no BNDES. De 2015 a 2018, já foram devolvidos 309 bilhões. O compromisso inicial era de devolver 26 bilhões neste ano, mas Guedes pediu para antecipar um total de 100 bilhões de reais. O ex-presidente do banco defendia um prazo maior para pagar o que devia.
Outro ponto de atrito entre Levy e a equipe econômica diz respeito à venda de participações do BNDES em empresas, através do seu braço de investimento BNDESPar. O banco tem participação, por exemplo, na Petrobras, na Eletrobras e também na JBS. Na avaliação de Lazzarini, tanto a devolução de recursos ao Tesouro quanto a venda de ativos do banco são salutares para a instituição de fomento à economia. Mas é preciso ser feito através de um plano, entendendo a especificidade de cada processo. "O jeito incorreto é o presidente criticar na mídia, fazer esse falatório, sem usar os instrumentos de governança", diz.
O anúncio de Montezano veio depois de um processo de fritura pública de Levy, em mais um episódio da "usina de crises" do presidente – para usar a alcunha dada pelo presidente do Congresso, Rodrigo Maia. Bolsonaro reclamou de Levy por ele ter escolhido Marcos Barbosa Pinto, que trabalhou no Governo do PT, para assumir a diretoria de mercado de capitais do banco. Bolsonaro afirmou a jornalistas que Levy "estava com a cabeça a prêmio". A afirmação levou aos pedidos de demissão tanto de Barbosa como o de Levy. O modo como a saída dos executivos ocorreu foi criticada por Rodrigo Maia, que se disse "perplexo" pelo modo como Guedes agiu no episódio. Ele disse que o caso revelou uma "covardia sem precedentes".
Apesar do ruído político, o banco teria condições de atender ao pedido de Guedes, segundo Marcos Ferreira, ex-diretor de Infraestrutura e Governos do BNDES no Governo Temer. "Tudo que entrou no banco do Tesouro terá que sair. Fazer essa devolução mais rápido não é difícil. Ainda mais neste momento de baixo crescimento econômico, a demanda está baixa." Para ele, vender ativos do banco também é um processo natural. “Não faz sentindo [as participações do banco em outras empresas]. Tem que vender, mas sem tumultuar o mercado”, conclui. A dúvida é se o BNDES com menos capital vai conseguir conceder crédito para dinamizar a economia

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