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6.10.2019

Material ainda não revelado reforça interferência de Moro, diz jornalista



Brendan Smialowski/ AFP


O jornalista Glenn Greenwald, fundador do site The Intercept BrasilImagem: Brendan Smialowski/ AFP

Por Gabriel Sabóia e Igor Mello
Do UOL, no Rio
10/06/2019 15h02
Um dos autores da série
 de reportagens iniciada
 ontem pelo site
The Intercept Brasil,
que mostra como
trocas de mensagens
 entre o então juiz federal
 Sergio Moro e a
força-tarefa da
Lava Jato podem
ter ditado os rumos
 das eleições no país,
 o jornalista norte-
americano
                                                                           
Glenn Greenwald disse em entrevista hoje ao UOL que
 ainda possui um grande volume de dados não
publicados que reforçariam a atuação indevida do
 ex-magistrado para influenciar em prisões e guiar a
opinião pública.
Greenwald --que também é um dos fundadores do site-- diz que
 o volume de material obtido por ele neste caso supera o da
principal reportagem de sua carreira, que comprovou, em
parceria com o ex-agente da CIA e da NSA Edward Snowden,
 no ano de 2013, o monitoramento indevido de informações
privadas em massa pelos serviços de inteligência dos Estados
 Unidos.
Àquela altura, o banco de dados analisado era o maior já obtido
 por uma investigação jornalística. As reportagens publicadas
 no jornal britânico The Guardian deram a ele o Prêmio Pulitzer
 de Jornalismo e fama mundial.
Cauteloso ao falar sobre as próximas revelações, o jornalista
 diz já ter uma certeza: "Moro era um chefe da força-tarefa,
 que criou estratégias para botar Lula e outras pessoas na prisão,
 se comportando quase como um procurador, não como juiz".
Casado com o deputado federal David Miranda (PSOL-RJ),
 Greenwald --que adotou o Rio de Janeiro como abrigo
depois de ter sido ameaçado após as reportagens feitas
com Snowden-- se vê às voltas com uma nova onda de
 ataques homofóbicos e acusações nas redes sociais sobre
 um suposto partidarismo na publicação das reportagens.
"Dizem que eu e meu marido somos de esquerda, mas nem
 Moro, nem a Lava Jato, dizem que os argumentos
 [das reportagens] são falsos", resume. Em relação ao fato
 de as reportagens terem sido veiculadas sem que os
citados fossem ouvidos previamente, o jornalista defende
a legitimidade das matérias, que na avaliação dele poderiam
 ter sua publicação barradas na Justiça.
Leia a seguir trechos da entrevista de Glenn Greenwald ao UOL:

Próximos passos da investigação

Moro era o chefe da força-tarefa da Lava Jato. É muito difícil
 para falar [sobre os próximos passos], porque o processo
jornalístico é importante para confirmar o que temos em mãos.
Temos mais materiais envolvendo o papel do Moro na Lava Jato, mostrando que ele é um chefe da força-tarefa, que criou estratégias para botar Lula e outras pessoas na prisão, e atuou quase como um procurador, não como juiz.
Glenn Greenwald

Arquivo maior que o do Caso Snowden

Eu acho que [esta] é uma das mais importantes reportagens
 que eu fiz na minha carreira. Nunca vou comparar nada com
 o caso do Snowden, porque para mim foi uma dos mais
 importantes episódios do jornalismo nos últimos 20 ou 30 anos.
 Mas eu compararia essa reportagem de agora com o caso
do Snowden. Talvez a única diferença é que o caso do
Snowden foi muito global, e isso é mais doméstico.
É sobre um país muito grande e muito importante, agora mais
 do que nunca por vários motivos.
O tamanho do arquivo que temos é maior do que o arquivo que recebemos do Snowden. E, até aquele ponto, era o maior vazamento da história do jornalismo.
Eu acho que as consequências pelo menos para o Brasil serão
 iguais ou maiores que as consequências do Snowden.
 [A Lava Jato] é um processo que durou cinco anos, botou
 muitas pessoas e dois ex-presidentes na prisão. Que tirou
a pessoa que estava liderando a corrida presidencial em
2018 [o ex-presidente Lula], deixando alguém como
 [Jair] Bolsonaro ganhar. Para mim, qualquer material
que mostra que tinham comportamentos e ações antiéticas
e corruptas nesse processo é enorme.

Convite de Bolsonaro a Moro x reputação

 da Lava Jato

Sobre essa questão do Moro e Bolsonaro, é muito interessante.
Temos conversas que ainda não reportamos sobre o Moro estar pensando na possibilidade de aceitar uma oferta do Bolsonaro, caso ele ganhasse. Isso foi antes da eleição, acho que depois do primeiro turno.
E tem pessoas dentro da força-tarefa da Lava Jato, outros
procuradores, falando que isso iria destruir a reputação da
Lava Jato, porque iria criar uma percepção de que o tempo
 todo não foi uma apuração contra a corrupção, nem uma
 apuração do Judiciário. Mas uma apuração política para
impedir a esquerda e empoderar a direita.
E o fato de que o mesmo juiz que condenou o principal
adversário do Bolsonaro e depois receber essa oferta para
 ser muito poderoso já foi muito estranho para o mundo.
Mas o fato de que ele fez isso usando um comportamento
 proibido é ainda pior.
Como podemos ter um ministro da Justiça que todo mundo sabe que quebrou as regras básicas da Justiça? É impossível.
E mais ainda quando todo mundo sabe que fez isso para
impedir o adversário principal do presidente de concorrer,
 e isso o ajudou a ganhar a eleição.

Outros lados x possível censura

Obviamente quando estamos reportando sobre os juízes,
o ministro e os procuradores mais poderosos do país,
sabíamos da possibilidade de que se pedíssemos comentários
 antes da publicação, eles vão diretamente para os amigos
 no tribunal e pegam uma ordem de censura proibindo
 a publicação.
Geralmente o jornalista deve procurar comentários quando
 se está publicando uma reportagem sobre alguém, mas há
 exceções.
E imediatamente quando publicamos mandamos mensagens
 para Moro, para Deltan [Dallagnol], para a força-tarefa
da Lava Jato, para todo mundo falando: qualquer comentário
 que vocês tenham nós vamos incluir no minuto que vocês
mandarem. Mas foi para evitar a possibilidade de conseguirem
 impedir a publicação com ordem de um juiz que apoia a Lava Jato.

Estratégias contra censura no exterior

No Reino Unido, eu trabalhava com o [jornal] The Guardian e,
 lá, não há direito de liberdade de imprensa na Constituição.
Então é comum que os jornais sejam proibidos antes da
publicação. Jornalistas britânicos trabalham muitas vezes em
 segredo e publicam sem pedir comentários exatamente para
evitar essa possibilidade.
Em países mais repressivos, ainda jornalistas fazem isso o tempo
 todo. Nós temos episódios recentes aqui de jornalistas censurados
 e proibidos de publicar, ou mandados para tirar artigos da
 internet. São casos muito extremos. Então achamos que foi
 totalmente justificado. Não só para evitar esse risco, mas
também porque os documentos falam de quem eles falam.
E sabemos que Moro, Deltan e a força-tarefa têm microfones
 muito grandes e podem responder de um jeito muito rápido,
 que todo mundo vai ouvir. E foi exatamente isso que aconteceu.
 Acho que foi totalmente justificável por conta do risco
 concreto disso acontecer.

Jornalista nega relação com ataques hackers

Antes desses ataques [nas últimas semanas, os celulares
de Moro e de procuradores da Lava Jato foram alvo de
ataques hackers] já tínhamos recebido todo o nosso material.
Qualquer tentativa de hackear acontecidas nas últimas
duas ou três semanas não têm nada a ver com o material
que recebemos. Todos os arquivos que recebemos vieram
 muito antes disso. O próprio Moro disse que qualquer
 pessoa que invadiu o telefone dele não conseguiu retirar nada.
 Ou seja: não tirou nada.

Ataques nas redes sociais

Não estou vendo defesas ao que Moro fez. Eu estou vendo
 ataques contra mim, contra meu marido, alegando que
somos da esquerda, mas não vejo defesas.
O que estão tentando fazer é enganar as pessoas dizendo
 que a publicação pode ser fake news (e vi isso com a
postagem do [juiz federal] Marcelo Bretas). Nem Moro,
 nem Lava Jato argumentam que os documentos são falsos.
 Apuramos muito antes de publicar isto. Até agora não
vi ninguém defendendo o que ele fez.


Suposta fake news

Estamos trabalhando neste arquivo há muito tempo para
fazer pesquisas necessárias, da mesma coisa com o que
aconteceu no Caso Snowden: falamos com fontes,
investigamos o conteúdo, cruzamos as conversas com
 eventos que aconteceram naquelas datas.
É impossível que alguém que não fosse um advogado tivesse
 forjado essas conversas. Era necessário saber muito sobre
 a Lava Jato e seus prazos. Tudo o que é mostrado ali pode
 ser conferido com eventos públicos. Foi o mesmo processo
 que usamos com o arquivo do Snowden, que ninguém
alegou que era alterado ou fake. Nem Moro, nem
[o procurador de Justiça] Deltan Dallagnol disseram que era fake.
Estão protestando pela privacidade e, com isto, estão confirmando que tudo o que publicamos é autêntico.

Direito à publicação e partidarismo

Vou citar dois episódios muito irônicos: em 2016, quando
 Moro e a força-tarefa da Lava Jato divulgaram conversas
privadas entre Dilma e Lula, o argumento era de que pessoas
 com poder público fazem coisas que o público deve saber
 e que isso deveria ser uma brecha para a divulgação.
O próprio Dallagnol postou um tuíte dizendo isto,
que jornalistas têm o direito de divulgar este tipo de fato.



Outro caso foi em 2017, em um evento no exterior para premiar
 pessoas que lutavam contra a corrupção. Eu fui convidado
antes de os finalistas serem anunciados. Logo depois, soube
que um dos finalistas era a força-tarefa da Lava Jato.
Ali, petistas fizeram campanha para que eu não fosse, mas
estive lá ao lado do Dallagnol e os elogiei. Disse que tinha
críticas a eles, mas manifestei apoio ao trabalho de colocar
 na prisão pessoas que cometeram crimes. O mesmo Dallagnol
 postou o meu discurso, com orgulho, dizendo que eu era um
jornalista premiado e que havia enaltecido o trabalho deles.
Ninguém pode negar que o que publicamos são coisas que o público tem o direito de saber. Os adoradores da Lava Jato estão chocados com o fato de Moro ter excedido limites, deixado claro que estão trabalhando para interferir nas eleições.
Ninguém pode negar que o vazamento desses materiais
 são exatamente aquilo que os jornalistas devem fazer:
 denunciar pessoas poderosas que estão se comportando
de forma antiética.

Consequências jurídicas

Eu sou advogado, mas só nos EUA. Não sou advogado
 brasileiro, então não conheço muito bem as leis sobre isso.
 Mas é uma questão de Justiça básica. Se um juiz condena
 alguém e no mesmo caso está se comportando de maneira
proibida, obviamente a condenação desse juiz precisa ser
examinada, porque a condenação que bota alguém na prisão
é uma coisa muito grave. Só podemos aceitar a validade
dela se o comportamento do juiz é totalmente ético.
E quando o juiz viola as regras éticas, obviamente cria dúvida se vamos aceitar o julgamento do juiz. Não só no caso do Lula, mas em todos os casos em que ele fez isso.
Acho que essa dúvida agora existe e os advogados do Lula
 vão entrar com processo para falar que é preciso anular
 o julgamento de Lula por causa dessa evidência nova.

Outros personagens

Não quero falar nada sobre as coisas que ainda não divulgamos.
 Mas posso falar que esse arquivo é muito grande e é sobre
mais pessoas do que a força-tarefa da Lava Jato ou o Moro.
 Mas não posso dizer mais que isso.

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