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2.06.2020

Médica, ativistas e parlamentares repudiam fala de Bolsonaro de que pessoa com HIV é despesa para todos: “Absurda, preconceituosa, na contramão do mundo”


06/02/2020 - 09h09

por Conceição Lemes
Nessa quarta-feira (05/2), ao sair em defesa da campanha da ministra do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, que prega a abstinência sexual para prevenir a gravidez precoce, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) afirmou:
— “Uma pessoa com HIV, além de ser um problema sério para ela, é uma despesa para todos aqui no Brasil”.
Foi enquanto falava sobre uma história contada pelo jornalista Alexandre Garcia, sobre a experiência da sua esposa, que é obstetra:
— O próprio Alexandre Garcia, ele fala que a esposa dele, que é obstetra, atendeu uma mulher que começou com o primeiro filho com 12 anos de idade. Outro com 15, e no terceiro, que a esposa dele atendeu, ela já estava com HIV. Uma pessoa com HIV, além do problema sério para ela, é uma despesa para todos no Brasil.
Bolsonaro disse ainda que há uma “depravação total” e responsabilizou as administrações do PT por isso:
— Essa liberdade que pregaram ao longo (do governo) do PT todo, que vale tudo, se glamoriza certos comportamentos que um chefe de família não concorda, chega a esse ponto, uma depravação total. Não se respeita nem sala de aula mais”.
“Em 32 anos de trabalho com epidemia de HIV-AIDS, eu nunca imaginei viver um momento triste como este”, afirma a médica sanitarista Maria Clara Gianni, Centro de Referência e Treinamento DST/AIDS-SP
“A declaração do presidente da república é inaceitável e absurda”, avalia.
“Culpabiliza as pessoas que vivem com HIV-Aids, reforça o preconceito, não contribui para que a Aids possa ser considerada como uma doença como outra qualquer”, acrescenta Maria Clara.
“A Saúde das pessoas que vivem com HIV e Aids é um direito garantido pela Constituição Federal. Eu não sou despesa!”, rebate Moysés Toniolo, representante da Articulação Nacional de Luta Contra a Aids (Anaids) no Conselho Nacional de Saúde (CNS).
O conselheiro nacional de saúde denuncia:
“Dizer que somos despesa para todos aqui no Brasil é distorcer informações e manipular a opinião pública.
Demonstra preconceito e total desconhecimento da política de HIV/Aids do nosso país, que é referência para o mundo. É com tristeza e indignação que vemos essa tentativa de retrocesso e discriminação. Investir na Saúde é investir na vida”.
Em rede social, a ativista Silvia Almeida, vivendo com o HIV há 30 anos, observa:
 O Sr presidente deve saber que “toda doença” e que toda epidemia é para o SUS (existente neste país) uma responsabilidade!
Algumas doenças são previsíveis, outras não, mas para que esta prevenção seja eficiente, é necessário saber quais ações são necessárias e eficazes, não olhar para a Saúde Sexual e Reprodutiva como um todo não vai resolver a questão do HIV.
Ao Governo um pedido: “vamos falar sobre isso”?
Não é à toa que, em notas, movimentos de luta contra a Aids e parlamentares repudiam veementemente as declarações de Bolsonaro.
Leia-as, na íntegra, abaixo.

NOTA DE REPÚDIO DO MOVIMENTO DE LUTA CONTRA A AIDS
O Movimento de Luta Contra a Aids, aqui representado pela ANAIDS, RNP+Brasil, MNCP e RNTTHP, REPUDIA as declarações do presidente da República, na manhã de hoje [quarta-feira, 05/02], afirmando que as pessoas com HIV/Aids são uma “despesa” à sociedade.
Destacamos que a resposta brasileira à epidemia de Aids é uma política de Estado, não uma política de governos ou partidos, ancorada nos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS) e na garantia dos direitos humanos, com reconhecimento e destaque internacional.
Expressamos nossa repulsa para a abordagem desrespeitosa, superficial e preconceituosa dispensada às pessoas que vivem com HIV/Aids.
As declarações ofendem e rotulam quase um milhão de cidadãos e cidadãs nesta situação, além de seus familiares, amigos e entorno social.
Não podemos tolerar que depois de décadas de conquistas e de luta contra a discriminação, discursos ancorados em preceitos equivocados e preconceituosos, potencializem estigmas e processos de exclusão sociais ainda presentes no cotidiano das pessoas que vivem com HIV/Aids no Brasil.
Acreditamos que estas manifestações, panfletárias, são estratégias adotadas pelo governo para desviar a atenção da população de questões e problemas emergentes que o país vive.
Além disto, o exemplo ilustrativo apresentado pelo presidente, evidência a falta de programas/políticas públicas de educação sexual, voltadas a adolescentes e jovens, articuladas com ações de prevenção e que considerem os contextos de vulnerabilidade social dos adolescentes e jovens brasileiros.
Mas isto se contradiz nas ações do governo brasileiro, que investe em ações com mera valoração moral, sem evidência científica.
Ampliaremos nossa mobilização pela garantia de direitos e de políticas públicas inclusivas, plurais, fundamentadas em evidências científicas e construídas com participação social.
Somente com engajamento social conseguiremos impedir que que o obscurantismo e ideias fundamentalistas predominem.
A saúde é direito de todos e dever do Estado.
As pessoas que vivem com HIV/Aids exigem respeito!
ANAIDS – Articulação Nacional de Luta contra a Aids
RNP+ Brasil – Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/Aids
MNCP – Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas
RNTTHP – Rede Nacional de Mulheres Travestis e Transexuais e Homens Trans vivendo e convivendo com HIV/ Aids
NOTA DE REPÚDIO DA ABORDA
Diante das declarações do presidente Bolsonaro, na manhã de hoje [quarta-feira, 05/02], afirmando que as pessoas que vivem com HIV e Aids são “ despesas” para todo o Brasil, a Associação Brasileira de Redução de Danos (Aborda) manifesta seu profundo repúdio a total falta de empatia com o sofrimento alheio que o discurso do mandatário apresenta.
Nossos mobilizadores, em todo o país, convivem diariamente com pessoas a margem do acesso social, vivendo o preconceito em suas diversas formas, tentando superar as limitações com esforço imenso.
Dentre estes grupos  estão muitas pessoas com HIV/Aids, empurrados para a marginalidade e a exclusão e por eles que nossa luta ganha sentido e força.
Não podemos tolerar que afirmações deste tipo reforcem o apartamento social que vivemos e que agrave, com seu discurso de ódio, o estigma a quem pensa ou age diferente do padronizado.
O avanço do obscurantismo atual exige posições de luta e ampliação de nossa mobilização, expondo o horror cultivado por um governo sem compromisso com os mais necessitados, mas parceiro de poderosos cujo lucro é a vontade maior.
Sigamos na luta pela construção de um mundo novo, sem medo de fantasmas, que podem durar uma noite mas se desmancham na luz do sol da verdade.
Diretoria Colegiada da Associação Brasileira de Redução de Danos (Aborda)
NOTA DE REPÚDIO DA FRENTE PARLAMENTAR DE PREVENÇÃO AO HIV/AIDS 
A Frente Parlamentar Mista de Enfrentamento às Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs), do HIV/Aids e Hepatites Virais no Congresso Nacional repudia com veemência a declaração desrespeitosa do presidente Jair Bolsonaro contra as pessoas vivendo com HIV/aids no país, onde afirmou: “Uma pessoa com HIV é uma despesa para todos aqui no Brasil”.
O presidente Bolsonaro mais uma vez escolhe mentir e, ainda, revela preconceito tentando estigmar as políticas públicas aplicadas nos últimos anos, preconizadas por órgãos multilaterais e reconhecidas mundialmente no combate ao HIV.
Bolsonaro demonstra, também, profundo desrespeito contra a população brasileira e com a história da ciência no país, desenvolvida de forma eficiente e precisa por milhares de pesquisadores e servidores públicos da área.
Mas, Bolsonaro prefere implantar e incentivar ações não comprovadas cientificamente, que já demostraram não estabelecer resultados efetivos, indo, mais uma vez, na contramão do mundo.
O preconceito, a mentira, o estímulo à ignorância, a segregação e estigmatização por parte do chefe do Poder Executivo não pode ser tolerada, pois ofende a dignidade da pessoa humana, avilta milhares de cidadãos e cidadãs brasileiros e aprofunda, ainda mais, a tragédia do nosso tempo.
O estigma pode levar a morte, e estudos realizados pela Unaids Brasil demonstra que mais de 64% das pessoas entrevistadas e que vivem com HIV já sofreram alguma discriminação.
Por isso a agência da ONU criou a campanha “zero discriminação”. E é preocupante que ela seja realizada pelo próprio chefe do poder executivo.

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