Beppe
Sala, um moderado de centro-esquerda, estava muito mal acompanhado.
Como lembraram alguns eleitores em respostas a seus tuítes, Giorgia
Meloni, ex-ministra de Silvio Berlusconi, gravara um vídeo
também em inglês em frente ao Coliseu culpando, claro, a imprensa, e
“mostrando” que o local estava cheio de turistas. Segundo ela, o que
estava na boca dos jornalistas não refletia a realidade.
Em outra resposta
enviada por um eleitor, Matteo Salvini – o político de extrema-direita
mais popular do país e que Bolsonaro segue no Twitter – conclamava em
vídeo para “reabrir tudo aquilo que se pode: fábricas, comércio, museus,
bares, discotecas…”.
Demorou, mas a ficha caiu. Beppe Sala pediu desculpas
ao vivo no sábado passado, 22 de março, em um dos programas mais
assistidos do país. Disse, sobre suas declarações equivocadas: “naquele
momento ninguém havia entendido a agressividade do vírus”.
Vendo
em perspectiva, hoje, Sala parece um político prudente diante de Jair
Bolsonaro. Apesar de seus erros, o prefeito de Milão não negou jamais o
perigo da doença, em momento algum endossou aventuras homicidas, não
desdenhou do poder do contágio, da letalidade e do caos social que
fatalmente virá quando todos voltarem às ruas mais cedo do que recomenda
quem entende do assunto – os médicos, e não os políticos populistas e
suas claques.
Sala
olhou para a China, viu o futuro da Itália e não acreditou. Ontem, um
mês depois dos tuítes desastrosos e das decisões que serão julgadas pela
história, o país tinha 9 mil mortos, a imensa maioria na Lombardia,
onde fica Milão. O crematório da cidade anunciou nesta semana que não
aceita mais corpos que não sejam de cidadãos residentes. Uma das
principais capitais da Europa não sabe mais o que fazer com os mortos.
Em Bréscia, distante pouco mais de uma hora de carro, os coveiros não
conseguem mais cavar tantas covas.
Até a semana passada, o Brasil tinha feito apenas 46 mil testes.
Essa estatística sumiu, está sendo escondida pelo governo federal. Eu
perguntei pra muita gente, ninguém sabe de nada. Ando recebendo relatos
de pessoas que chegam aos hospitais com sintomas de covid-19 e
simplesmente são mandadas embora sem nenhum exame. Na Itália, só ontem,
foram feitos 36 mil testes (de um total de 394 mil até agora). Na média, a cada cinco testes feitos por lá, um é positivo.
A repórter Ana Clara Costa noticiou:
“No dia em que 19 pessoas foram enterradas em apenas um cemitério de SP
com diagnóstico suspeito ou confirmado de coronavírus, o Ministério da
Saúde anunciava doze novas mortes no país inteiro. Essa discrepância nos
dados vem da subnotificação.”
Entenderam?
Foram
19 corpos suspeitos ou confirmados em apenas um cemitério em SP, em
apenas um dia. A estatística oficial de mortes por covid EM TODO O
BRASIL, naquele mesmo dia, divulgada pelo governo: 12 mortes. É a
construção mais clara de uma farsa mortal na cara de todo mundo.
Esse
apagão de dados é incompetência, falta de kits de testes, fraude
histórica para acusar cientistas de disseminação de pânico ou tudo isso
junto? Nós ainda não sabemos. Mas vamos descobrir.
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