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5.30.2020

Vamos mandar a Vakinha pro brejo?

Na quarta-feira, 15h40, recebi esta mensagem: 
“Olá Leandro. Você pode acompanhar o posicionamento do @vakinha no perfil da empresa. Você sabe que para essa questão precisamos de embasamento jurídico para tomar alguma decisão. Estamos aguardando o OK do nosso jurídico para tomar as ações cabíveis.”
E, logo em seguida, essa outra:
“Só gostaria de ressaltar que achei desnecessário divulgar o meu email pessoal para uma cobrança envolvendo a empresa. Isso teve um impacto na minha vida pessoal, e não auxilia em nada o processo. Te agradeceria se você excluisse este tuite. Abraços”
A mensagem foi escrita por Flavio Steffens, diretor de relacionamento do site de financiamento coletivo Vakinha. Steffens estava reclamando desse meu tuíte, postado no dia anterior. 
Nele, eu cobrei o fundador do Vakinha, o empresário Luiz Felipe Gheller, sobre a campanha de financiamento operacionalizada por seu site para financiar um acampamento em Brasília – um grupo que afirma estar recebendo “treinamento físico de combate” e portando armas. O MPF do Distrito Federal sustenta que eles são uma milícia. Sua líder, a ativista de extrema-direita Sara Winter, foi alvo de busca e apreensão em uma operação da Polícia Federal. Quando começou a ser interpelado publicamente sobre o caso, Gheller, do Vakinha, trancou seu twitter. Por isso eu e muitas outras pessoas começamos a cobrar os demais responsáveis pela empresa, entre eles, Steffens.
Respondi ao diretor de relacionamento naquela mesma noite de sua mensagem, ainda privadamente pelo Twitter: 
“oi, caro. obrigado pela resposta
seu email é público, está em seu linkedin (que é aberto). mas não quero polemizar e não teria problema em apagar meu tuite, mesmo.
mas queria saber o que vocês farão com os 77 mil arrecadados.
já ha uma resposta?”
No dia seguinte, tivemos um curto diálogo:
Steffens: “Oi Leandro. Vocês tem algum contato pra gente conversar? Whats, email, enfim?”
Demori: “XXXXXXXXX” (<--- celular="" de="" ele="" em="" mandei="" mero="" meu="" n="" para=""> “meu zap me da um alo la?”
Steffens se calou. Mandei ainda uma mensagem pela manhã perguntando apenas: “mandou?”. Eu queria saber se ele tinha me contatado pelo whats. Eu sabia que não, mas era uma forma de forçar o diálogo. Sem resposta, insisti no fim da tarde, deixando claro que eu escreveria sobre o caso e que desejava ouvi-los.
“caro, não recebi seu contato e nem o da empresa. Eu pretendo escrever sobre o Vakinha e gostaria de ouvi-los. Meu fone é esse, como já informado: XXXXXXXXXX
me dê um alô no zap, por gentileza?
obrigado”
Estou esperando até agora.
O Vakinha permitia que a milícia dos 300 captasse dinheiro em sua plataforma havia semanas. Eu e a Tatiana Dias fomos atrás da história antes que o grupo armado batesse a meta. Nossa ideia era denunciar o óbvio caráter criminoso antes que aquelas pessoas conseguissem colocar as mãos no dinheiro. Mas a velocidade de captação da grana foi tão rápida que não deu tempo de encontrar algo. O ticket médio dos doadores ao grupo era estranhamente alto: quase R$ 100 por pessoa. Em muitos casos como aquele, há fraudes, ou empresários que usam sistemas como o Vakinha para financiar clandestinamente grupos que atentam contra democracia. Ainda não sabemos.
Enquanto eu tentava um canal privado com Steffens, o Sleeping Giants, que tinha começado a pressão sobre o Vakinha, seguiu tuitando sobre o caso. (Saiba mais sobre eles aqui).
O Vakinha ficou “fazendo a egípcia”, como tuitou o Sleeping Giants. A plataforma de financiamento disse que o caso era “complexo” e que estavam analisando a situação juridicamente. Uma postura clara de ‘sua opinião é muito importante para nós’, esperando que fossemos esquecer deles. Pois não esquecemos, e logo depois, com mais pressão pública, o Vakinha anunciou: o financiamento à gangue dos acampados estava “retirado”.
Vitória!
(Não, espera.)
O Andrew Fishman mostrou que não:
“É correto retirar a campanha do site. Agora esclarece uma coisa muito importante para nós, por favor: o dinheiro arrecadado vai ser devolvido para os apoiadores ou a milícia armada que usufruiu do seu site vai poder ficar com a grana?”
Silêncio. Então o Andrew cobrou quatro horas depois; e 16 horas depois. Mas para o Vakinha, o caso estava “resolvido”. Mas resolvido como?
O grupo de Brasília havia arrecadado mais de R$ 77 mil na plataforma. O que seria feito desse dinheiro? Já tinha sido sacado, no todo ou em parte? Seria devolvido aos financiadores? Seria depositado em juízo para que a justiça decidisse o que fazer?
Nesse meio tempo, Sara Winter, em vídeo, ameaçava descobrir a identidade de empregados que trabalhassem na casa do ministro do Supremo Alexandre de Moares, para algum tipo de vingança. Só se falou naquilo, no país, o dia todo. Os donos do Vakinha vivem em um aquário? O Vakinha está financiando essas pessoas – e lucrando com elas, já que embolsa mais de 6% do dinheiro arrecadado? E mais: mudará sua política de uso para evitar que grupos paramilitares usem sua tecnologia para ameaçar o país? Afinal, o Vakinha concorda com eles? É o que parece. Até agora, silêncio.
O dinheiro privado dos doadores, e que passa por uma empresa privada como a Vakinha, não tem imunidade para fazer o que bem entender. Ao tirar proveito de parte da transação entre financiadores e um movimento golpista, a Vakinha se torna responsável e precisa se explicar à sociedade. A estabilidade democrática é mais importante do que o sigilo.
O e-mail de Flavio Steffens pode ser encontrado ao lado de outros grandes feitos de sua carreira no LinkedIn. Flavio parece um cara legal: ele ajuda animais de rua. Eu também ajudo animais de rua, até adotamos um aqui em casa. Seu currículo me causa empatia genuína. Seu contato está ali para que pessoas falem com ele sobre esses temas, imagino. A reclamação privada que Steffens fez a mim deixa a impressão de que, para enaltecer sua própria história, toda a publicidade é válida, inclusive publicar seu e-mail pessoal em uma rede social aberta. Eu poderia mandar uma mensagem para ele elogiando o Bicharia, que, segundo seu currículo público, é uma “plataforma de crowdfunding para ajudar animais carentes”. Ele diz, no LinkedIn: “Sem investimentos, conseguimos impactar o mercado: tivemos mídia e arrecadamos mais de R$ 800 mil para a causa animal.” Isso me deixa feliz.
Mas no momento estou mais preocupado em manter esse país em pé. E isso passa por cortar o financiamento de milícias armadas que atentam contra os finos pilares que ainda nos mantém em algo parecido com uma civilização. O fale conosco do Vakinha está aqui, para quem quiser falar com eles. Os empresários que cobram moralidade da política precisam de escracho público para ter alguma ética? Tudo bem, estamos aqui pra isso. Depois a gente cuida dos cachorros.
Leandro Demori
Editor Executivo

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