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3.28.2020

Sair do isolamento agora é querer voltar a mundo que não existe mais, diz virologista Atila Iamarino



Interromper agora as medidas de isolamento contra o novo coronavírus é querer voltar a uma realidade que não existe mais, alerta é o biólogo e divulgador científico Atila Iamarino.
O mundo (e o Brasil) mudaram com a disseminação do novo coronavírus, e a preocupação de governos e empresas agora deveria ser a de se preparar para esta nova realidade, diz ele em entrevista à BBC News Brasil.
Nos últimos dias, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e alguns empresários têm insistido na necessidade de restabelecer o funcionamento do comércio e de outros serviços.
Carreatas com essa bandeira foram organizadas em diversas cidades brasileiras. O argumento é de que os danos econômicos serão irreversíveis caso o país continue parado por muito tempo.
O consenso entre cientistas da área, no entanto, é de que é fundamental manter medidas de isolamento social por enquanto, diz Atila — inclusive para ganhar tempo a fim de trabalhar em alternativas.
"Manter as medidas que a gente tem agora é o que vai fazer dar tempo para buscarmos outras medidas lá na frente. Na verdade, parar agora é ganhar o tempo para fazer escolhas", diz ele.
Doutor em microbiologia pela Universidade de São Paulo (USP), Atila concluiu dois pós-doutorados estudando a disseminação (ele prefere o termo "espalhamento") dos vírus e a forma como esses organismos evoluem. Um desses pós-doutorados foi na própria USP, e o outro na Universidade Yale, nos Estados Unidos.Em sua carreira, o pesquisador de 36 anos estudou vírus como ebola e HIV. A ideia desse tipo de pesquisa, explica ele, é analisar o material genético dos vírus para entender como eles se propagam entre os humanos.
Atila se tornou conhecido por sua participação no canal de YouTube do Nerdologia, um dos maiores do país. Nos últimos dias, tem feito transmissões ao vivo sobre o novo coronavírus.
Uma delas atingiu a marca de 5,2 milhões de visualizações em menos de uma semana e fez com que o nome do biólogo chegasse à lista de assuntos mais comentados pelos brasileiros no Twitter.
Atila conversou com a BBC News Brasil por telefone, na última quarta-feira (25/02). Confirma a seguir alguns dos principais trechos da entrevista.
BBC News Brasil - À luz do que já se sabe sobre a pandemia, o que você acha das últimas intervenções presidente da República, Jair Bolsonaro, dizendo que o país precisa "voltar à normalidade"?
Atila Iamarino - Eu acho que não importa (o discurso do presidente). Felizmente, isso vai contra o que todos os países estão fazendo. Quase que sem exceção. Todos os países sobre os quais estou informado estão tomando medidas na direção contrária, de fechar em diferentes graus, e até de deixar a população em casa, como a Índia acabou de fazer com mais de 1 bilhão de pessoas.
Então, em relação às políticas internacionais, não faz sentido (o discurso de Bolsonaro).
E, aqui dentro do país, não nos importa, porque os Estados e as cidades estão tomando medidas para fechar em diferentes graus. Todos os Estados adotaram medidas para restringir o comércio não essencial, e restringir a circulação das pessoas. Estão de acordo com a orientação internacional.
Portanto, em última análise, tanto faz o que o presidente falar, desde que as cidades e os Estados continuem agindo como estão agindo.
A esta altura, dado o pouco tempo que a gente tem, a gente precisa focar, na verdade, em atitudes. O país, os Estados e as cidades estão tomando atitudes que vão proteger as pessoas? Estão. Então, tá ótimo, tanto faz o que estão falando.
A gente tem três, quatro meses para agir, dado qualquer estudo sobre como é o espalhamento desse vírus.


BBC News Brasil - A exemplo do presidente da República, outras pessoas se mostram preocupadas com o efeito econômico do isolamento. Nesta semana você disse ao podcast Xadrez Verbal que essa perspectiva é um tanto "inocente". Por quê?
Iamarino - Existe uma preocupação séria com a economia, claro. E uma preocupação legítima seria a de como adequar a economia a essa nova realidade (imposta pelo vírus). O que a gente pode fazer para que os comércios consigam vender online e fazer entregas da melhor maneira possível; o que a gente pode fazer para que as pessoas consigam trabalhar à distância da melhor maneira possível.
Que medidas econômicas a gente pode tomar para que as pessoas continuem em casa e continuem com uma vida produtiva, e tenham condições de se manter, porque nem todo mundo pode continuar trabalhando de casa.
Existe um problema econômico, muitos países estão cientes e tomando medidas sérias para saná-lo.
Isso é diferente de ter uma preocupação econômica de não deixar a situação mudar. Isso pra mim é muito mais um luto do que uma preocupação séria. E não acho que seja uma decisão deliberada das pessoas fazer isso.
Mas quem ainda está pensando em não deixar a economia atual desandar, na verdade, está tentando resgatar um mundo que não existe mais. Que é o mundo de janeiro de 2020.
O mundo mudou, e aquele mundo (de antes do coronavírus) não existe mais. A nossa vida vai mudar muito daqui para a frente, e alguém que tenta manter o status quo de 2019 é alguém que ainda não aceitou essa nova realidade.


BBC News Brasil - Mas o que será diferente? Por que você diz que o mundo do fim de 2019 "acabou"?
Iamarino - Bem ou mal, involuntariamente, o mundo inteiro está passando por um experimento agora. A gente está vendo como diferentes regimes políticos, sistemas de organização social e diferentes medidas funcionam contra o coronavírus e grandes problemas de saúde pública.
A gente está vendo países que jamais cogitariam isso em outras situações, como os Estados Unidos, aceitando que é necessário dar um suporte financeiro grande para seus cidadãos e distribuindo dinheiro. Empresas descobrindo o quanto as pessoas produzem ou não trabalhando de home office. Escolas descobrindo o quanto os alunos aprendem ou não por conta própria, em casa, e qual o valor ou não de usar o ensino à distância.
A gente está descobrindo o que são os serviços essenciais, e estamos voltando a entender o valor de ciência, da mídia (profissional) e dos serviços de saúde. E de sistemas que são fundamentais desde sempre, mas que, em períodos de bonança, são fáceis de negligenciar.
O sistema de saúde de vários países vai ter que ser reavaliado. Garanto para você que o sistema de saúde norte-americano vai ter um estresse maior que o do resto do mundo, inclusive pelo modelo (sem saúde publica universal) de tratamento que eles seguem.
A gente vai descobrir quais são as vulnerabilidades que o regime de trabalho moderno, com terceirização, com trabalho por aplicativo, cria num momento desses. A gente vai descobrir mais cedo também a importância de se usar sistemas de venda online, de pagamentos sem contato e outras coisas.
Mudanças que o mundo levaria décadas para passar, que a gente levaria muito tempo para implementar voluntariamente, a gente está tendo que implementar no susto, em questão de meses.
Então, independentemente da progressão da pandemia e das mortes que podem acontecer ou não, só as mudanças para se adaptar a ela já estão adiantando ou atrapalhando alguns passos que a humanidade daria nas próximas duas décadas.
E ainda tem — e isto está em aberto e a resolver — qual vai ser o trauma das pessoas. O que é que este período de confinamento fará conosco, se a relação entre os familiares aumenta ou diminui. Como as pessoas vão suportar esse período de isolamento, que valor que a gente vai dar para uma reunião, um almoço, uma festa, algo assim.
Tudo isso vai ser muito diferente quando a gente sair do surto.
BBC News Brasil - O que aconteceria com a economia se nada fosse feito?
Iamarino - Vamos supor que a gente seguisse a recomendação de alguns e, no máximo, isolasse os idosos ou fizesse algo assim.
Numa realidade dessa, se você é dono de uma empresa e os seus funcionários pegam a covid-19, em menos de um mês a empresa inteira estaria contaminada, pelo menos 10 a 20% dos seus funcionários precisariam ser hospitalizados.
Os outros 80% vão ter graus diferentes de complicação, e alguns vão precisar trabalhar de casa, ou parar de trabalhar por causa de febre, dor de cabeça, dor no corpo.
Então, mesmo se a gente não fizer nada, se a covid-19 chega numa empresa, parte dos funcionários some. Parte não vai ter condições de trabalhar, e a parte que ficar trabalhando não vai ter nem a moral, nem o estado de saúde para render o que rendia. Mesmo que a gente não fizesse nada, a economia já ia sofrer e muito com a queda de produtividade.
Então, é uma realidade que nos foi imposta, na verdade. Quem está tentando manter a economia de 2019 está se recusando a aceitar essa realidade. Na verdade a gente já deveria estar virando a chave e tentando entender como sair do outro lado.
Dando um exemplo meu: tem um restaurante aqui perto de casa que frequento regularmente. Não cheguei para eles e falei "Olha, quando o covid-19 vier, não feche". Porque eu sei que não existe essa possibilidade. Eu falei para eles: "Avise seus clientes que você faz entrega. Já vai testando os diferentes aplicativos de entrega para ver quem cobra a melhor taxa. Já prepara as pessoas que trabalham na cozinha para revezar turnos, e se prepara financeiramente, por que vai ser um impacto grande". Tenho que aceitar que isso aconteceu e mudou.
BBC News Brasil - A Coreia do Sul parece estar tendo sucesso com uma abordagem que combinou testes em massa, uso de aplicativos de celular e isolamento dos doentes. E que permitiu manter a economia funcionando. Algo parecido teria sido feito no Japão. Uma abordagem desse tipo seria viável aqui?
Iamarino - Ela pode ser viável. A questão é que a gente ainda não tem a infraestrutura pronta aqui no Brasil para produzir o volume de testes necessário. E importar esses testes leva tempo, porque o mundo inteiro está tentando comprá-los agora.
Então, parar, manter as pessoas em casa, manter essa quarentena, manter esse isolamento e esse distanciamento dá o tempo necessário para a gente poder chegar nessa situação, inclusive.
Tem diferentes respostas, e parar o país não precisa ser a única coisa que a gente vá fazer. A questão é que, em qualquer estimativa de crescimento da covid-19, o problema vai se impor em questão de meses, até o fim de agosto provavelmente, se nada for feito.
Manter as medidas que a gente tem agora é o que vai fazer dar tempo para buscarmos outras medidas lá na frente. Na verdade, parar agora é ganhar o tempo para fazer escolhas.


BBC News Brasil - Dias atrás, seu nome chegou aos assuntos mais comentados do Twitter, depois que você mencionou a possibilidade de 1 milhão de mortos no país. Que avaliação você faz hoje desse episódio?
Atila Iamarino - Essa experiência me mostrou como uma mensagem pode ser fragmentada e pulverizada na internet. Porque, por mais que tenha feito um vídeo com todos os cuidados, para dizer "isso não é um destino, não é uma profecia, é o cenário em que nada é feito, ou pouco é feito, e o que a gente quer é não ter esse cenário".
Não estava fazendo previsões, estava extrapolando (para o Brasil) os números de um estudo que estava prevendo o que acontece. E são números com os quais o Ministério da Saúde e as secretarias de Saúde (de Estados e municípios) estão trabalhando também. Se você leva em conta quando eles falam, por exemplo, que até metade do país pode pegar, isso é o consenso (científico), na verdade.
Pelo menos metade das pessoas precisaria pegar covid-19 e se imunizar para o problema se resolver sozinho. Na falta de uma vacina, na falta de uma solução de larga escala, a transmissão começa a cair quando pelo menos metade das pessoas pega o vírus. E tende a acabar quando lá pelos 60, 70, 80% (das pessoas desenvolveram imunidade), dependendo da simulação.
Isso é o consenso, e digo que é porque já foi inclusive dito pelo Ministério da Saúde. E quando você lida com esses números e imagina o que é 1% de mortalidade de 50% dos brasileiros, fica evidente que a escala é essa mesmo. Está todo mundo lidando (com estes números).
O choque do que eu falei foi simplesmente colocar isso 'na lata' e falar para as pessoas de uma forma que, por mais que estivesse dentro de um contexto ali, foi picotado e espalhado de outra forma na internet.
O grande problema é em quanto tempo isso (as mortes) tendem a acontecer. Vou pegar um exemplo que está todo mundo dando. "Acidentes de carro matam 300 mil pessoas por ano e nem por isso a gente diz para as pessoas não andarem de carro." Com razão: a gente toma uma série de medidas para proteger as pessoas, para diminuir esse número. Agora, se todas essas mortes acontecessem num intervalo de um mês, de uma semana, em uma única região, isso com certeza seria uma coisa traumática e preocupante.
Esse é o ponto da covid-19: se ela for espalhada ao longo de um ano, de dois anos, porque a gente tomou medidas para que isso, porque deu tempo de surgir uma vacina, deu tempo de um tratamento ser validado, isso é uma coisa que a sociedade absorve e sai do outro lado como se fosse uma gripe mais séria mesmo. Mas, para que isso seja uma gripe mais séria, a gente tem que trabalhar muito.
Meu ponto era esse, na verdade. Estava querendo comunicar não o número (de um milhão de mortes), que pode mudar, mas a ideia de que esse número mude. As medidas que foram tomadas no dia seguinte ao que eu falei (como o fechamento do comércio) já contribuem, e muito, para isso, para mudar o cenário, para que este número não aconteça.
O importante era que as pessoas entendessem que a situação mudou. E que elas não estão ficando em casa porque é só um probleminha, é que a vida de muita gente depende disso. E a gente tem que começar a trabalhar e pensar sobre como viabilizar essa nova vida de uma maneira que seja mais próxima do normal que a gente tinha antes. Porque aquele normal não existe mais.
BBC News Brasil - Brasília foi uma das primeiras cidades a fechar o comércio, em 19 de março. Muita gente na época considerou essa medida precipitada, diante da possibilidade de vários meses de isolamento. Hoje ainda dá para dizer isso?
Iamarino - Pelo contrário. A diferença entre a Itália e a China foi de menos de uma semana, do momento em que passaram de cem casos para o momento do isolamento. E a Itália foi pelo caminho que foi. Esse é o problema, na verdade. A covid-19 se espalha muito rápido. E causa problemas muito cedo. O ideal é que a gente pare o quanto antes e, depois, revise para ver se aquilo era o ideal de ter sido feito ou não. No caso dessa doença, pela velocidade com que ela se espalha, é preferível errar pela (pelo excesso de) precaução, na verdade.
A gente tem o privilégio, aqui no Brasil, de ter recebido poucos visitantes de fora, de estarmos distantes o suficiente da China para a doença não chegar aqui antes. Então, a gente está a um mês, vinte dias, dez dias atrás da situação de vários países, de modo que a gente pode acompanhar o crescimento deles e ver o quanto poderemos ser afetados.
Um exemplo bem prático e muito direto para o Brasil: o nosso crescimento do número de casos, até aqui pelo menos (quarta-feira, 25 de março) está dobrando a cada três dias. Esse é um ritmo de crescimento pior do que o da Itália. E muito parecido, muito próximo do da Espanha. Que demorou até mais tempo que a Itália, desde os cem casos, para parar (as atividades).
Então, a gente já tem uma régua para medir. A gente está 11 ou 12 dias atrás da Espanha em termos epidemiológicos, em número de casos e evolução da doença. E a gente leva um tempo para ver se as medidas funcionaram. Se daqui a um mês, no começo de abril, a gente estiver crescendo menos que o surto espanhol cresceu até lá, a gente vai saber que as medidas estão funcionando.
Tem outros países que entraram no surto antes da gente e que estão em situação melhor ou pior e nos quais a gente pode se espelhar. Se nosso crescimento deixar de ser um dos piores, como o da Espanha, e passar a ser um dos melhores ou cair para outro patamar, a gente tem como saber que as nossas medidas funcionaram, porque já temos a experiência deles para comparar.
Também vamos ver a diferença entre regiões. Se Brasília, que adotou medidas antes, tiver um crescimento menor do que em São Paulo, ou do Rio, que levou um pouco mais de tempo, ou de outro lugar, a gente vai saber disso. E, de repente, podem voltar a relaxar mais cedo, porque a coisa funcionou. Mas o ponto é: parar antes te dá essa liberdade de olhar, respirar, ver o que aconteceu e decidir. Não parar é o que a Itália fez. E, se você não para, a covid-19 para você.


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Image caption Isolamento social é recomendado por autoridades para evitar a propagação do novo coronavírus, que já infectou mais de 480 mil pessoas pelo mundo
BBC News Brasil - Uma quarentena formal, com a polícia impedindo as pessoas de saírem de suas casas, seria apropriado ou necessário?
Iamarino - Talvez seja necessário, mas não sei se seria apropriado. Foi o que a China fez, e o corpo técnico e científico da Organização Mundial de Saúde que avaliou a resposta chinesa classificou a ação deles como a mais coordenada, a mais rápida, mais agressiva e intensiva que a humanidade já viu para conter uma doença.
Acho inclusive que isso descalibrou o que o mundo esperava da covid-19. Não estando na realidade da China, é difícil entender a escala massiva do que eles fizeram. O que os outros cientistas que leram esse relatório técnico questionaram é quais são os princípios humanos e éticos violados para isso. E quem questiona isso diz que justamente o resto do mundo não necessariamente toleraria alguma coisa nessa escala. O que a Europa está tentando agora é alguma coisa próxima disso, dentro do que a realidade europeia permite. E a gente tem como acompanhar, de um mês atrás ou vinte dias atrás, o quanto está sendo efetivo ou não.
Talvez seja necessário, mas eu sinceramente não sei dizer. A gente vai descobrir com a Itália e a Espanha agora. A Itália tomou meias medidas e está conseguindo reduzir um pouco da mortalidade, mas não necessariamente conter (a epidemia). Talvez a gente descubra com o tempo que seja a única saída (a quarentena). Mas, de novo: precisamos ganhar tempo para poder descobrir isso antes de ter um problema maior.
BBC News Brasil - Por enquanto, a abordagem brasileira é a de reservar os testes para quem está internado, em mau estado de saúde, e para os profissionais de saúde. Essa estratégia não seria contraproducente, no sentido de que poderemos acabar gastando mais com UTI depois?
Iamarino - Não chamaria de estratégia, na verdade. Isso é o último recurso. Quando você não tem testes suficientes, é obrigado a reservar eles para o pior momento, que é quem está sendo internado. Ou, se a situação ficar mais crítica e o volume de testes continuar sendo pequeno, para diagnosticar quem morre, na verdade.
Não acho que essa situação seja uma opção. É o que a gente consegue fazer com os poucos recursos que a gente tem. Daí (a importância de) ganhar mais tempo para produzir e distribuir esses testes por aqui. Porque se a gente comprar agora 200 milhões de kits para testar cada brasileiro, mas os kits levarem 3 meses para chegar, quando eles chegarem, a gente arrisca que boa parte dos brasileiros esteja com covid-19.
Por isso meu pragmatismo. A única saída agora é tentar ganhar tempo para buscar novas soluções. Qualquer coisa que não contribui para isso não importa mais.


BBC News Brasil - Como a sua percepção sobre o novo coronavírus mudou desde o começo da crise? Qual informação ou detalhe fez você mudar de ideia?
Iamarino - Tudo o que a gente estava entendendo sobre o espalhamento da covid-19 no mês de janeiro era baseado na experiência de um país, a China, que implementou uma solução que é impraticável (na maioria dos lugares) e inédita no mundo.
Então, as estimativas de número de casos, de contágios, de número de mortos e qualquer coisa do tipo que a gente tinha no primeiro mês foram feitas dentro de um cenário que é impraticável para o resto do mundo. A gente estava muito descalibrado do que esperar da covid-19. Quando ela saiu da China para a Itália, para a Coreia do Sul e para o Irã, a coisa explodiu nos países todos. (A exceção é) a Coreia do Sul, que já teve problemas com a Mers (Síndrome Respiratória do Oriente Médio) e, por isso, estava muito preparada para a covid-19 agora.
Foi aí (com a chegada aos outros países) que a gente teve noção do tamanho do problema, de fato. E aí a estimativa de quanto tempo ia levar para a covid-19 se espalhar num país, que poderia ser de até um ano, dois anos, caiu para três a cinco meses. Esse é um tempo que não dá nem para distribuir qualquer coisa, mesmo que a gente já tivesse uma solução na manga.
Minha opinião mudou muito, mesmo, quando começaram a sair os primeiros grandes estudos olhando para o espalhamento da doença fora da China e dizendo que ela toma conta da população em três a cinco meses. Isso é menos que qualquer tempo de resposta de qualquer país, de qualquer infraestrutura, a não ser da China. Minha opinião mudou muito não quanto ao perigo do vírus — sobre isso a gente já tinha estimativas boas —, não sobre a seriedade de um problema desses, porque eu já estudo espalhamento de vírus há muitos anos, mas quanto ao tempo de resposta que a gente tem.
BBC News Brasil - O que se sabe até agora sobre a imunidade ao vírus? Uma vez que você tenha a doença e se cure, você para de transmitir?
Iamarino - O que a gente sabe é que, para a maioria das pessoas, em até 14 dias depois dos sintomas surgirem você está curado. E não transmite mais. A China, por precaução, prorrogou esse período para 28 dias, porque algumas pessoas continuavam com o vírus incubado no corpo por mais tempo e acabavam desenvolvendo os sintomas mais na frente. Eles não viram muita transmissão (vindo) destas pessoas, mas, para poder garantir a interrupção da cadeia de transmissão, eles as estavam isolando de qualquer forma.
O que a gente entendeu, olhando para as pessoas, é que acontece de elas testarem negativo para o vírus, depois de 14 dias, mas mesmo assim ter uma produção pequena de vírus no pulmão e depois de um tempo voltarem a testar positivo.
A gente não pode fazer experimentos em pessoas para saber se a imunidade protege 100%. Mas, em macacos, já fizeram, e eles estavam totalmente imunes ao Sars-Cov-2. O macaco rhesus (primata originário da Índia e amplamente usado em laboratórios) que pega a covid-19, quando se cura, não pega mais.
E tem uma possibilidade, que é o que acontece com a Mers, também causada por (um outro tipo de) coronavírus. Por volta de um ano ou dois depois que a pessoa pega, ela pode voltar a contrair, mas desenvolve sintomas muito mais leves. Esse é o precedente que a gente tem, mas ainda não tem um ano de covid-19 para saber se isso vai acontecer com a gente.





Todos viveremos a batalha de Milão

Beppe Sala, um moderado de centro-esquerda, estava muito mal acompanhado. Como lembraram alguns eleitores em respostas a seus tuítes, Giorgia Meloni, ex-ministra de Silvio Berlusconi, gravara um vídeo também em inglês em frente ao Coliseu culpando, claro, a imprensa, e “mostrando” que o local estava cheio de turistas. Segundo ela, o que estava na boca dos jornalistas não refletia a realidade.
Em outra resposta enviada por um eleitor, Matteo Salvini – o político de extrema-direita mais popular do país e que Bolsonaro segue no Twitter – conclamava em vídeo para “reabrir tudo aquilo que se pode: fábricas, comércio, museus, bares, discotecas…”.
Demorou, mas a ficha caiu. Beppe Sala pediu desculpas ao vivo no sábado passado, 22 de março, em um dos programas mais assistidos do país. Disse, sobre suas declarações equivocadas: “naquele momento ninguém havia entendido a agressividade do vírus”.
Vendo em perspectiva, hoje, Sala parece um político prudente diante de Jair Bolsonaro. Apesar de seus erros, o prefeito de Milão não negou jamais o perigo da doença, em momento algum endossou aventuras homicidas, não desdenhou do poder do contágio, da letalidade e do caos social que fatalmente virá quando todos voltarem às ruas mais cedo do que recomenda quem entende do assunto – os médicos, e não os políticos populistas e suas claques.
Sala olhou para a China, viu o futuro da Itália e não acreditou. Ontem, um mês depois dos tuítes desastrosos e das decisões que serão julgadas pela história, o país tinha 9 mil mortos, a imensa maioria na Lombardia, onde fica Milão. O crematório da cidade anunciou nesta semana que não aceita mais corpos que não sejam de cidadãos residentes. Uma das principais capitais da Europa não sabe mais o que fazer com os mortos. Em Bréscia, distante pouco mais de uma hora de carro, os coveiros não conseguem mais cavar tantas covas.
Até a semana passada, o Brasil tinha feito apenas 46 mil testes. Essa estatística sumiu, está sendo escondida pelo governo federal. Eu perguntei pra muita gente, ninguém sabe de nada. Ando recebendo relatos de pessoas que chegam aos hospitais com sintomas de covid-19 e simplesmente são mandadas embora sem nenhum exame. Na Itália, só ontem, foram feitos 36 mil testes (de um total de 394 mil até agora). Na média, a cada cinco testes feitos por lá, um é positivo.
No Brasil, em meio a uma explosão de internações por problemas respiratórios graves; sob a suspeita de que nove em cada dez casos não são detectados; e diante de uma estimativa do presidente do hospital Albert Einstein (onde Bolsonaro fez seu exame de covid-19, nunca divulgado) de que existem 15 casos não rastreados para cada paciente notificado, uma coisa é certa: não temos a menor ideia do tamanho da nossa epidemia.
A repórter Ana Clara Costa noticiou: “No dia em que 19 pessoas foram enterradas em apenas um cemitério de SP com diagnóstico suspeito ou confirmado de coronavírus, o Ministério da Saúde anunciava doze novas mortes no país inteiro. Essa discrepância nos dados vem da subnotificação.”
Entenderam?
Foram 19 corpos suspeitos ou confirmados em apenas um cemitério em SP, em apenas um dia. A estatística oficial de mortes por covid EM TODO O BRASIL, naquele mesmo dia, divulgada pelo governo: 12 mortes. É a construção mais clara de uma farsa mortal na cara de todo mundo.
Esse apagão de dados é incompetência, falta de kits de testes, fraude histórica para acusar cientistas de disseminação de pânico ou tudo isso junto? Nós ainda não sabemos. Mas vamos descobrir.
Leandro Demori
Editor Executivo

Sábado, 28 de março de 2020
Todos viveremos a batalha de Milão

No dia 27 de fevereiro (que parece século passado), quando a Itália ainda tinha poucos casos confirmados de coronavírus, o prefeito de Milão divulgou em suas redes um vídeo da campanha Milano non si ferma (Milão não para). Em inglês, para atingir sobretudo os turistas que àquela altura já estavam cancelando suas férias na península por causa da epidemia.
Dois dias antes, o prefeito gravara um vídeo garantindo a data de estreia de uma das maiores feiras de móveis do mundo, um evento tradicional na cidade: 16 de junho.
O Twitter de Giuseppe "Beppe" Sala – um empresário filiado ao Partido Democrático e conhecido como Mr. Expo por ter sido presidente da bem sucedida Exposição Universal de 2015 – é uma espécie de diário de crise direto de um bunker. 
No dia 4 de março (quando a Lombardia, região da qual Milão é a capital, já tinha 1.820 casos e quase 73 mortes), ele tuitou:
É claro que o #Covid_19 transformará alguns comportamentos na nossa sociedade, mas viver trancado não é a solução. Vamos encontrar uma via intermediária pra conter a difusão do vírus e andar pra frente.
No mesmo dia, postou ainda uma pergunta retórica:
Sou muito otimista? Não, é fundamental.
No dia 5 de março, (2,2 mil casos, 98 mortos), ele gravou um vídeo culpando a imprensa por reportar a situação de modo exagerado, e chamou os turistas para voltarem à região.

3.26.2020

Acompanhe toda a cobertura sobre o coronavírus (COVID-19

Notícias sobre a COVID-19:)



Um mês após confirmação do primeiro caso, Brasil tem 78 mortes por Covid-19

GAZ


Um mês após 1º caso de coronavírus, Brasil tem 77 mortes

R7Cobertura local


Coronavírus: Brasil registra 59 mortes e 2.433 casos confirmados

Band Jornalismo













Bolsonaro corta verbas para pesquisas de produção científica

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247 - Em meio à pandemia do novo coronavírus, o governo de Jair Bolsonaro promove um novo ataque à pesquisa acadêmica científica e especialmente às Ciências Humanas.
Uma portaria do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTI), publicada nessa terça-feira, 24, excluiu a área de Ciências Humanas das prioridades de projetos de pesquisa no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) até 2023. 
Segundo informações da Folha de S. Paulo, a portaria prevê que o CNPq promova as adequações nas linhas de financiamento e fomento para priorizar tecnologias, classificadas como estratégicas (que vai de tecnologia espacial a segurança pública), habilitadoras (inteligência artificial), de produção (indústria, agronegócio, serviços), para o desenvolvimento sustentável e para qualidade de vida (saúde, saneamento básico, por exemplo).
Até o ano passado, o CNPq financiava 84 mil pesquisadores com bolsas. Segundo dados fornecidos de abril do ano passado, 10% dos R$ 1,1 bilhão pagos em bolsas órgão se referiam às ciências humanas.
Além deste retrocesso na produção científica do País, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) alterou na semana passada regras para concessão de bolsas que haviam sido publicadas em fevereiro. As mudanças nas agências vão ao encontro da visão do governo de que o fomento à ciência tem de dar retorno imediato.

A carta da renúncia


A costura de uma renúncia, como saída, passa pela anistia aos filhos
Maria Cristina Fernandes | Valor
A tese do afastamento do presidente viralizou nas instituições. O combate à pandemia já havia unido o país, do plenário virtual do Congresso Nacional ao toque de recolher das favelas. Com o pronunciamento em rede nacional, o presidente conseguiu convencer os recalcitrantes de que hoje é um empecilho para a batalha pela saúde da nação. Se contorná-lo já não basta, ainda não se sabe como será possível tirá-lo do caminho e, mais ainda, que rumo dar ao poder em tempos de pandemia. A seguir a cartilha do presidiário Eduardo Cunha, seu afastamento apenas se dará quando se encontrar esta solução. E esta não se resume a Hamilton Mourão.
Ao desafiar a unanimidade nacional, no uniforme de vítima de poderes que não lhe deixam agir para salvar a economia, Bolsonaro já sabia que não teria o endosso das Forças Armadas para uma aventura que extrapole a Constituição. Era o que precisaria fazer para flexibilizar as regras de confinamento adotadas nos Estados. Duas horas antes do pronunciamento presidencial, o Exército colocou em suas redes sociais o vídeo do comandante Edson Leal Pujol mostrando que a farda hoje está a serviço da mobilização nacional contra o coronavírus.
Saída a ser costurada passa pela anistia aos filhos
Pujol falou como comandante de uma corporação que tem a massa de seus recrutas originários das comunidades mais pobres do país, hoje o foco de disseminação mais preocupante para as autoridades sanitárias. Disse que agirá sob a coordenação do Ministério da Defesa. Em nenhum momento pronunciou o presidente. Moveu-se pela percepção de que uma tropa aquartelada hoje é mais segura que uma tropa solta. Na mão inversa do trem desgovernado do discurso presidencial daquela noite.

Quando já estava claro que descartara o papel de guarda pretoriana, Pujol reforçou a importância do combate ao coronavírus: “Talvez seja a missão mais importante de nossa geração”. Vinte e quatro horas depois, o vídeo ultrapassava 500 mil visualizações, mais do que o dobro do efetivo do Exército.
O distanciamento contaminou os ministros militares com assento no Palácio do Planalto. “Não quero ter minha digital nisso”, comentou um deles ao perceber o rumo provocativo que o pronunciamento da noite de quarta-feira teria. Deixou o Palácio antes da gravação, conduzida sob o comando dos filhos e da milícia digital do bolsonarismo.
A insistência do presidente na tese esticou a corda com os governadores e com o Congresso, que amanheceu na quarta-feira colocando pilha na saída do ministro Luiz Henrique Mandetta. A pressão atingiu o pico do dia com o rompimento do governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), com o presidente. Aliado de primeira hora de Bolsonaro, presença mais frequente, entre seus pares, nas solenidades do Palácio do Planalto, Caiado foi um dos principais padrinhos de Mandetta, um deputado do Mato Grosso do Sul que não disputou em outubro de 2018 porque temia não se reeleger.
O ministro negaria a demissão num entrevista em que citou Caiado, mas não Bolsonaro. O Congresso mantinha a aposta na saída de Mandetta como mais um tapume no isolamento do presidente quando João Doria, na reunião de governadores com o presidente, partiu para o confronto. O discurso de palanque do governador de São Paulo não é unanimidade entre os envolvidos em busca de uma solução de consenso, especialmente os da farda, mas sua ação deliberada para levar os governadores a recusar interlocução com o presidente, caiu como uma luva para a estratégia de levar Bolsonaro ao limite do isolamento.
Para viabilizar o enfrentamento dos governadores, o Congresso busca meios de manter o acesso dos Estados a recursos com os quais possam manter suas políticas de combate à doença, hoje confrontadas pelo Planalto. O pronunciamento acabou por frear a proposta de emenda constitucional com a qual se pretendia criar um orçamento paralelo para viabilizar as ações de Bolsonaro no combate à pandemia e calar a tecla com a qual o presidente se diz impedido de agir pelo Congresso. Cogitou-se até incluir nesta PEC instrumentos com os quais Bolsonaro poderia ter mais poderes sobre o confinamento e o confisco de insumos hospitalares, como meio de evitar o Estado de Sítio.
Ainda que Bolsonaro hoje não tenha nem 10% dos votos em plenário, um processo de impeachment ainda é de difícil de viabilidade. Motivos não faltariam. Os parlamentares dizem que Bolsonaro, assim como a ex-presidente Dilma Rousseff, já não governa. Se uma caiu sob alegação de que teria infringido a Lei de Responsabilidade Fiscal, o outro teria infrações em série contra uma “lei de responsabilidade social”. Permanece sem solução, porém, o déficit de legitimidade de um impeachment em plenário virtual.
Vem daí a solução que ganha corpo, até nos meios militares, de uma saída do presidente por renúncia. O problema é convencê-lo. A troco de que entregaria um mandato conquistado nas urnas? O bem mais valioso que o presidente tem hoje é a liberdade dos filhos. Esta é a moeda em jogo. Renúncia em troca de anistia à toda tabuada: 01, 02 e 03. Foi assim que Boris Yeltsin, na Rússia, foi convencido a sair, alegam os defensores da solução.
Não faltam pedras no caminho. A primeira é que não há anistia para uma condenação inexistente. A segunda é que ao fazê-lo, a legião de condenados da Lava-Jato entraria na fila da isonomia, sob a alcunha de um “Pacto de Moncloa” tupiniquim. A terceira é que o Judiciário, agastado com o bordão que viabilizou o impeachment de Dilma (“Com Supremo com tudo”), resistiria a embarcar. E finalmente, a quarta: Quem teria hoje autoridade para convencer o presidente? Cogita-se, à sua revelia, dos generais envolvidos na intervenção do Rio, PhDs em milícia.
A única razão para se continuar nesta pedreira é que, por ora, não há outra saída. Na hipótese de se viabilizar, o capitão pode estar a caminho de encerrar sua carreira política como começou. Condenado por ter atentado contra o decoro, a disciplina e a ética da carreira militar, Bolsonaro foi absolvido em segunda instância. Em “O cadete e o capitão” (Todavia, 2019), Luiz Maklouff, esboça a tese de que a absolvição foi a saída encontrada para o capitão deixar a corporação. Em seguida, o Bolsonaro disputaria seu primeiro mandato como vereador no Rio. Trinta e quatro anos depois, a borracha está de volta para esfumaçar o passado. Desta vez, com o intuito de tirá-lo da política.