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3.21.2021

Vacinas contra covid-19: os inesperados ‘efeitos colaterais’ positivos dos imunizantes na pandemia

 

  • André Biernath
  • Da BBC News Brasil em São Paulo
Seringa com líquido dentro num fundo escuro

Crédito, Getty Images

Legenda da foto,

Nas campanhas mais adiantadas, as vacinas contra a covid-19 estão se mostrando mais efetivas que o previsto nos estudos

As vacinas contra a covid-19 protegem contra a infecção ou evitam casos graves da doença?

Essa pergunta tem levantado muitos debates entre a comunidade científica nas últimas semanas.

Pelo que se sabe até o momento, as vacinas já aprovadas em vários países (inclusive no Brasil) foram desenvolvidas e têm uma boa eficácia para prevenir quadros de covid-19 que apresentam sintomas (guarde bem a palavra sintomas).

Mas isso não significa que os benefícios delas se limitam a isso: a experiência de mundo real, nas campanhas de imunização mais adiantadas em alguns países, indica que as doses utilizadas atualmente trazem outros benefícios no combate à pandemia.

Dados de Israel — onde a vacinação está mais avançada —sugerem resultados além do esperado, com uma queda dramática nos casos, nas hospitalizações e nas mortes por covid-19. Também há indícios de que as vacinas ajudam a combater sintomas leves, mas que mesmo assim necessitavam de visita dos pacientes a hospitais.

Mesma estratégia, vários desdobramentos

Para entender como os cientistas chegaram a essas conclusões, é preciso voltar para o dia 9 de abril de 2020, quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou um documento que definiria as regras do jogo.

Nas diretrizes, a entidade estabeleceu os requisitos mínimos para que uma vacina contra o "novo" coronavírus fosse aprovada.

Entre uma série de critérios técnicos e especificidades, uma regra se destacou como a mais importante: um imunizante contra a covid-19 deveria apresentar uma taxa de eficácia mínima de 50% contra um desses três desfechos: a infecção em si, a doença sintomática ou as formas graves da enfermidade.

Uma definição dessas não é exatamente uma novidade: há vacinas usadas contra outras doenças infecciosas que são ótimas para impedir que o vírus invada o organismo de um indivíduo e comece a se replicar ali dentro, causando uma série de transtornos.

É o que ocorre, por exemplo, nas doses que resguardam contra o sarampo e a febre amarela. Quem as toma fica bem protegido dos vírus causadores dessas moléstias.

Já outros produtos, por sua vez, não são capazes de barrar a infecção em si, mas impedem que ela evolua e afete demais o organismo, o que exigiria internação e toda uma atenção médica especializada.

O imunizante contra a gripe se encaixa perfeitamente nesta categoria: quem recebe a dose no início do outono permanece com um risco considerável de pegar o vírus pelos próximos meses. Mas, se isso realmente acontecer, os sintomas da doença serão bem mais leves e não exigirão longas estadias em enfermarias e unidades de terapia intensiva.

Isso é bom para o indivíduo, que não sente sua saúde prejudicada, e para o sistema de saúde como um todo, que não entra em colapso com a chegada de vários pacientes ao mesmo tempo, principalmente no inverno, quando a circulação dos vírus que afetam o sistema respiratório cresce bastante.

O que foi feito na covid-19?

A pandemia, claro, trouxe alguns desafios extras à corrida científica: a humanidade precisava de uma solução com rapidez, afinal não era factível esperar anos para o desenvolvimento de uma vacina.

Foi para acelerar o processo que todas as farmacêuticas e os centros de pesquisa desenharam os testes clínicos de seus candidatos a imunizantes para saber se eles seriam eficazes contra a doença com sintomas, o segundo desfecho estabelecido pela OMS.

Linha de produção de vacina com profissionais usando equipamentos de proteção

Crédito, Getty Images

Legenda da foto,

Testada e usada em larga escala o Brasil, a taxa de eficácia da CoronaVac foi de 50%. Mas na vida real seus efeitos podem ir muito além disso

Na atual conjuntura, não seria factível medir se os imunizantes preveniriam a infecção (o primeiro desfecho) por dois motivos principais.

Primeiro, porque uma parcela considerável dos infectados com o coronavírus não apresenta sintoma nenhum. E, segundo, uma estratégia dessas exigiria um aparato e um investimento financeiro absolutamente gigantescos.

"Cada estudo envolveu dezenas de milhares de voluntários e, para saber se cada um desses participantes não pegou o vírus, seria necessário fazer testes de diagnóstico em todos por várias semanas seguidas. Já imaginou o custo disso?", questiona a microbiologista Natalia Pasternak, presidente do Instituto Questão de Ciência.

A outra opção seria avaliar o poderio dos imunizantes contra os quadros mais graves, que exigem hospitalização e apresentam maior risco de morte.

A dificuldade estaria no tempo de observação necessário: nos EUA, estima-se que, a cada 200 pessoas infectadas pelo coronavírus, uma morre.

Os pesquisadores então levariam vários meses para atingir um número mínimo de óbitos suficiente para realizar os cálculos estatísticos que determinam a taxa de eficácia — e, como vimos mais acima, o prazo para criar uma solução nesta área nunca foi tão apertado.

Diante das limitações, todos os competidores acabaram seguindo pelo caminho do meio: os testes clínicos de fase 3 foram pensados para estabelecer o quanto as candidatas a vacinas protegem contra a covid-19 sintomática, como explicamos nos parágrafos anteriores.

Foi assim que muitas candidatas evoluíram nos ensaios clínicos, foram aprovadas ou são atualmente analisadas pelas agências regulatórias.

Abaixo, você confere um comparativo das características dos sete imunizantes que são (ou eventualmente serão) utilizados no Brasil, de acordo com as últimas informações:

Grafico

Crédito, BBC

Ponto de inflexão

E aqui aparece uma controvérsia importante nessa história: como se define um sintoma de covid-19?

Cada farmacêutica e cada centro de pesquisa estabeleceu critérios próprios para enquadrar o que seria um quadro suspeito de infecção pelo coronavírus.

"Nos testes da CoronaVac, da Sinovac e do Instituto Butantan, por exemplo, os voluntários eram orientados a avisar qualquer incômodo que sentiam, por mais leve que fosse", descreve Pasternak.

Esses participantes passavam então pelo teste de RT-PCR, aquele feito com o swab no nariz e na boca que avalia a presença do vírus no organismo, para saber se estavam com a doença ou não.

"Já a farmacêutica Moderna estabeleceu que, para realizar um exame desses, o indivíduo deveria ter no mínimo dois sintomas ou um sinal bem claro de covid-19, como falta de ar", completa a especialista.

Essa diferença, claro, teve impacto nos resultados das análises preliminares. Não é exagero especular que um número considerável de participantes que recebeu a vacina da Moderna até tenha desenvolvido quadros leves e moderados da enfermidade. Porém, como eles não foram submetidos aos métodos de diagnóstico, não ficaram sabendo que estavam com a infecção.

Esse é um dos motivos que fazem os cientistas não focarem tanto as suas análises nas taxas de eficácia: no mundo real, pode ser que os 50,4% da CoronaVac se tornem um pouquinho maior, enquanto os 94% da Moderna acabem ligeiramente reduzidos — e não há problema nenhum nisso.

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