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5.11.2008

Dependência Química e o Consumo de ecstasy

Dependência Química
Existe, no cérebro, uma área responsável pelo prazer. O prazer, que sentimos ao comer, fazer sexo ou ao expor o corpo ao calor do sol, é integrado numa área cerebral chamada sistema de recompensa. Esse sistema foi relevante para a sobrevivência da espécie. Quando os animais sentiam prazer na atividade sexual, a tendência era repeti-la. Estar abrigado do frio não só dava prazer, mas também protegia a espécie. Desse modo, evolutivamente, criamos essa área de recompensa e é nela que a ação química de diversas drogas interfere. Apesar de cada uma possuir mecanismo de ação e efeitos diferentes, a proposta final é a mesma, não importa se tenha vindo do cigarro, álcool, maconha, cocaína ou heroína. Por isso, só produzem dependência as drogas que de algum modo atuam nessa área. O LSD, por exemplo, embora tenha uma ação perturbadora no sistema nervoso central e altere a forma como a pessoa vê, ouve e sente, não dá prazer e, portanto, não cria dependência.
Vários são os motivos que levam à dependência química, mas o final é sempre o mesmo. De alguma maneira, as drogas pervertem o sistema de recompensa. A pessoa passa a dar-lhes preferência quase absoluta, mesmo que isso atrapalhe todo o resto em sua vida. Para quem está de fora fica difícil entender por que o usuário de cocaína ou de crack, com a saúde deteriorada, não abandona a droga. Tal comportamento reflete uma disfunção do cérebro. A atenção do dependente se volta para o prazer imediato propiciado pelo uso da droga, fazendo com que percam significado todas as outras fontes de prazer.
A droga produz efeito tão intenso porque age nesses mecanismos biológicos bastante primitivos.
A droga é um fenômeno psicossocial amplo, mas que acaba interferindo nesse mecanismo biológico primitivo.
As drogas acionam o sistema de recompensa do cérebro, uma área encarregada de receber estímulos de prazer e transmitir essa sensação para o corpo todo. Isso vale para todos os tipos de prazer - temperatura agradável, emoção gratificante, alimentação, sexo - e desempenha função importante para a preservação da espécie.
Evolutivamente o homem criou essa área de recompensa e é nela que as drogas interferem. Por uma espécie de curto circuito, elas provocam uma ilusão química de prazer que induz a pessoa a repetir seu uso compulsivamente. Com a repetição do consumo, perdem o significado todas as fontes naturais de prazer e só interessa o prazer imediato propiciado pela droga, mesmo que isso comprometa e ameace sua vida.
Dr. Ronaldo Laranjeira

Os embalos de sábado a noite
O consumo de ecstasy nas festas virou moda juvenil. A droga é comprada em pílulas e ingerida em doses repetidas com a finalidade de proporcionar fôlego e disposição para dançar a noite inteira e a manhã seguinte também, se for o caso. No embalo da música, as doses podem chegar facilmente a quatro, cinco e até mais comprimidos, tomados no espaço de algumas horas.
Ecstasy é o nome enganoso de uma metanfetamina conhecida pela sigla MDMA, que provoca euforia graças à liberação generosa de um neurotransmissor cerebral associado às sensações de prazer: a serotonina.
A maioria dos usuários considera a droga desprovida de efeitos colaterais relevantes, além do aumento da temperatura do corpo e da sede irresistível, responsável pela inflação dos preços da água mineral nas boates do mundo inteiro. Há lugares em São Paulo que chegam a cobrar R$ 10,00 por garrafa, preço que, em Nova York e Paris, pode atingir US$ 7 ou US$ 8.
A droga começou a ser usada no campus das universidades americanas e européias nos anos 1980. As doses médias contidas nos comprimidos eram de 75 mg a 150 mg, ingeridas pelos estudantes uma ou duas vezes por mês, na maioria das situações. A disseminação do uso e o aumento da dosagem ocorridos na década seguinte motivaram diversos estudos científicos sobre a ação da MDMA no sistema nervoso central.
Trabalhos conduzidos em espécies tão diversas como camundongos, cachorros e macacos demonstraram que a administração de MDMA, de fato, estimula a produção de serotonina. Mas esse prazer tem um custo: a droga provoca a degeneração dos neurônios responsáveis pela produção desse neurotransmissor em virtualmente todas as espécies de animais testados.
Por causa dessa destruição progressiva de neurônios, o usuário crônico é obrigado a aumentar significativamente as doses para obter um efeito estimulador cada vez mais fraco e passageiro. Ela também explica os efeitos depressivos que se instalam no "dia seguinte": à síntese acelerada de serotonina artificialmente induzida pela MDMA na noite anterior segue-se a exaustão bioquímica do sistema de produção do neurotransmissor, com a conseqüente incapacidade de o usuário sentir os pequenos prazeres associados à rotina da condição humana.
Por outro lado, a observação empírica de que o uso de ecstasy pode provocar tremores nas mãos semelhantes aos dos pacientes com mal de Parkinson - doença que geralmente se instala em pessoas com mais de 60 anos como conseqüência da falta de produção de um neurotransmissor, a dopamina, em áreas do cérebro cruciais para o controle motor - levou um grupo de pesquisadores da Universidade Johns Hopkins, em Baltimore, a avaliar a ação da MDMA sobre os neurônios envolvidos no circuito de produção e utilização desse outro neurotransmissor.
Cinco macacos de uma espécie conhecida como macaco-esquilo (Saimiri sciureus) foram tratados com três doses sucessivas de MDMA, administradas com intervalo de três horas, num esquema semelhante à média ingerida pelos consumidores típicos numa festa rave. Dos cinco, três toleraram aparentemente bem todas as doses administradas. O quarto começou a ter dificuldades motoras depois da segunda dose e foi poupado da terceira. O quinto macaco apresentou febre acima de 41 graus e morreu de hipertermia. Várias mortes desse tipo foram descritas em seres humanos.
Por duas semanas, e seis semanas depois de receber a droga, os quatro macacos sobreviventes foram submetidos a uma bateria de exames para avaliar a integridade dos circuitos cerebrais ligados à produção de serotonina e de dopamina. Os exames não só evidenciaram a já conhecida perda de neurônios responsáveis pela produção e utilização de serotonina como uma surpreendente destruição, mais pronunciada ainda, da circuitaria de neurônios associada à dopamina.
Para confirmar os resultados, o grupo de neurocientistas repetiu o experimento em cinco macacos de outra espécie (babuínos). Como no caso anterior, um deles morreu de hipertermia e outro suportou apenas duas doses. Os sobreviventes testados duas e oito semanas depois do tratamento mostraram deficiência moderada de serotonina e destruição maciça de neurônios associados ao sistema mediado pela dopamina tanto nos animais que receberam três quanto no que recebeu apenas duas doses.
A demonstração de neurotoxicidade grave e persistente em animais primatas como nós, que receberam doses de MDMA semelhantes à do consumidor médio numa noite de festa, tem implicações importantíssimas em saúde pública. A ação da droga sobre o sistema dopaminérgico, pelo menos em parte, pode explicar as anormalidades cognitivas fartamente documentadas em usuários de ecstasy: déficit de atenção, perda de memória, dificuldade de aprendizado e sensação de alheamento, além de quadros de depressão crônica.
Se, ao lado das mortes por hipertermia, o uso de apenas dois ou três comprimidos numa noite já é suficiente para provocar lesões cerebrais irreversíveis, que conduzem à perversão das sensações de prazer e ao descontrole motor em macacos com mais de 90% de identidade genética com o homem, essa é uma droga perigosa.
A degeneração de neurônios provocada por ela, associada ao decréscimo fisiológico da produção de dopamina que ocorre com a idade, pode facilitar a instalação do mal de Parkinson e de outras doenças neuropsiquiátricas em adultos mais jovens.
Os adolescentes que ainda não experimentaram ecstasy e os seus usuários devem ser avisados de que essa não é uma viagem inocente.
Dr. Dráusio Varela

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