Poucos medicamentos, se é que algum, alcançaram a infeliz notoriedade da talidomida. Introduzida nos finais da década de 1950, provocou deformações congénitas em milhares de crianças de todo o mundo e tem sido um dos casos que mais tem sido usado como aviso nos anais da medicina. A estimativa é que mais de 10 000 bebés em todo o mundo, dos quais 4000 na Europa, terão nascido com Focomelia, uma malformação muito rara em que os ossos longos não se desenvolvem. A talidomida foi retirada do mercado no início da década de 1960. Nos anos seguintes foram reconhecidos alguns efeitos positivos da talidomida em várias doenças. De acordo com um importante ensaio clínico1, «a talidomida permite induzir a remissão de longo prazo dos sintomas numa população com mieloma múltiplo - mesmo em casos de reacções extremamente refractárias a outros tratamentos e em doentes de risco - com uma taxa de sobrevida global de 60% ao fim de um ano, resultado este completamente inesperado». Em 1998, a Agência Alimentar e dos Medicamentos dos EUA (FDA - Food and Drug Administration) autorizou a introdução da talidomida no mercado para o tratamento do Eritema nodoso leproso, uma complicação da lepra que provoca lesões dolorosas na pele. A talidomida também teve resultados positivos no tratamento de úlceras aftosas em doentes infectados pelo HIV e em várias doenças inflamatórias.
Na Europa, desde que foi retirada do mercado, a utilização da talidomida tem sido autorizada caso a caso e receitada em situações de uso compassivo, principalmente em hospitais. «Os médicos que receitam a talidomida informam explicitamente os doentes acerca dos riscos da utilização do medicamento. Há um programa de gestão de riscos que é seguido escrupulosamente e até agora, na Europa, não há registo de qualquer gravidez em que se tenham verificado anomalias associadas ao uso da talidomida», declara François Houÿez, responsável da Eurordis pela Política de Saúde. Em 2002, deram entrada na Agência Europeia de Avaliação dos Medicamentos (EMEA) quatro pedidos de autorização de introdução no mercado relativos à talidomida, situação que acabou por provocar nova controvérsia. Para as associações de vítimas da talidomida era simplesmente inaceitável que o medicamento fosse de novo autorizado, enquanto para as associações de doentes a eventual introdução da talidomida no mercado representava um importante progresso médico no combate à sua doença.
Foi neste contexto que a Eurordis começou a desempenhar um importante papel de mediação nesta matéria. É ainda François Houÿez que afirma: «sabíamos que o trauma provocado pela talidomida ainda estava muito vivo na mente das vítimas, mas apesar da sua história trágica também tínhamos de encontrar uma forma de permitir que a talidomida fosse avaliada com base nos mesmos critérios que são aplicados aos outros medicamentos». Em 2003 a Eurordis organizou um encontro entre as associações das vítimas e as dos doentes. «Estávamos confiantes que ambas as partes iriam chegar a acordo, mas foi um dia bastante intenso», recorda François Houÿez. «Todos falaram com o coração nas mãos e partilharam os seus desejos e necessidades.» No final do encontro, 8 associações de doentes e 5 de vítimas tinham chegado a acordo relativamente à declaração oficial, que foi posteriormente entregue à EMEA. A declaração oficial exigia um programa de gestão dos riscos, gerido por profissionais de saúde, que cumprisse a legislação actual e as práticas em vigor nos Estados-membros e cuja supervisão fosse independente das empresas requerentes da autorização. Também exigia que fossem disponibilizados fundos pelo titular da autorização de introdução no mercado para o caso de ocorrerem acidentes. Nesta altura, a companhia norte-americana Pharmion era a única que continuava interessada em obter a autorização. Infelizmente, a 19 de Maio de 2004, antes dos peritos do Comité para os Medicamentos de Uso Humano (CHMP) fazerem a sua recomendação final, a Pharmion desistiu do seu pedido.
Mas as coisas não ficaram por aqui. A Pharmion continuou o seu programa de ensaios clínicos para dar mais força a um futuro novo pedido de autorização de introdução no mercado. No dia 21 de Junho de 2006, a Eurordis forçou uma reviravolta nos acontecimentos: conseguiu que, pela primeira vez, se sentassem à mesma mesa associações de doentes e de vítimas, a Pharmion, a Comissão Europeia, a EMEA, representantes dos Estados-membros e autoridades reguladoras. O dia foi bastante produtivo, com trocas de pontos de vista em que toda a gente foi ouvida e, como resultado, as posições de cada uma das partes ficaram mais flexíveis. A Pharmion teve oportunidade de explicar os riscos inerentes à existência de diferentes programas de gestão de riscos nos vários Estados-membros e a razão pela qual era importante implementar um programa comum. Os doentes e as vítimas também puderam reforçar as suas posições. «O encontro não teria acontecido sem “as competências e a experiência da Eurordis”», afirma Lia van Ginneken, Secretária da Plataforma Europeia de Mieloma (European Myeloma Platform). Desde então, a Eurordis continuou a desempenhar um papel de facilitadora entre as partes envolvidas, incluindo contactos continuados com a Pharmion. Conforme estão as coisas, tudo leva a crer que a Pharmion deverá submeter um novo pedido de autorização de introdução no mercado nos próximos doze meses. Este é um passo que os doentes desejam que se concretize!
Talidomida volta a ser vendida na europa
ResponderExcluir22/04 - 09:59 - Agência Estado
agência européia de medicamentos (EMEA) aprovou ontem a comercialização da Talidomida - droga que há 50 anos deformou uma geração de crianças - para tratar mieloma múltiplo. Militantes antitalidomida, entre eles vítimas da droga, estão receosos de que mais bebês venham a ser prejudicados.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo