webmaster@boaspraticasfarmaceuticas.com.br
▼
11.27.2008
O ESTADO E A BUSCA DA EQÜIDADE NO ACESSO AOS MEDICAMENTOS
Com o ajuste estrutural da década dos 80, preconizou-se uma reforma do Estado – ou contra o Estado. Nesse novo contexto, o Banco Mundial passa a ser o grande elaborador de políticas, fundamentando muitas daquelas políticas implantadas principalmente nos países em desenvolvimento, até porque se constituiu em um dos principais financiadores dos programas de saúde desses países. Um estudo desenvolvido por Lopes et al. (1998) traz uma análise crítica de Cristina Laurell (43) sobre os pressupostos presentes na Agenda do Banco Mundial, segundo os quais a saúde passa a situar-se no âmbito privado, reduzindo sua concepção como uma função pública. Para tanto, justifica-se essa concepção com o argumento de que o setor público é ineficiente e ineqüitativo, ao contrário do privado descrito como eficiente e mais eqüitativo.
Um dos argumentos dessa ineficiência do setor público é atribuído à pobreza do Estado, como se essa situação de pobreza não pudesse ser alterada. Além disso, conforme Laurell, não se comparam nem a ineficiência nem a iniqüidade do setor público com a ineficiência e iniqüidade do privado, no tocante à resolução dos problemas de saúde. Tal enfoque sugere, implicitamente, que o setor privado está supostamente imune às crises relativas aos custos e de cobertura em saúde, o que não condiz com a realidade, como acontece nos Estados Unidos e sua opção pelo privado. A esse respeito, Noronha (1999: 98) afirma com muita propriedade
...são essas dificuldades do mercado em regular os sistemas de saúde que explicam, pelo menos em grande parte, a incapacidade do sistema norte-americano em conseguir as duas coisas propaladas como vantagens da competição do mercado: maior eficiência distributiva de recursos e maior economia no seu consumo [...]. Os Estados Unidos gastam quatro vezes mais em saúde que o Reino Unido e do que a maior parte dos países. É o país que mais gasta no mundo, e não assume a liderança das melhores condições de saúde entre os mais desenvolvidos do planeta.
Por fim, esse autor conclui que "...nos Estados Unidos o fato é que o mercado não levou nem à eqüidade, nem a uma maior eficiência no consumo de recursos. Ao contrário levou a uma explosão de gastos.
Em termos mundiais, a atenção à saúde de fato depara-se com dificuldades em assegurar o seu financiamento num ambiente econômico em mudanças. Mesmo em países com maior disponibilidade de recursos, os gastos em saúde têm aumentado sua participação no Produto Interno Bruto – PIB, levando à necessidade de reformas nos respectivos sistemas de saúde. Nos Estados Unidos, por exemplo, as despesas com saúde em 1960 eram de aproximadamente US$ 11,5 bilhões, constituindo-se apenas no décimo maior componente da economia. Em 1994 essas mesmas despesas saltaram para cerca de US$ 1 trilhão, passando a ser o segundo maior componente da economia (Malek, 1996).
Ao analisar as questões referentes à reforma do setor saúde, que objetiva a melhoria da eqüidade, da qualidade e da eficiência, verifica-se que os medicamentos estão colocados como um dos elementos centrais. De maneira geral, essa importância ocorre em função de razões técnicas, econômicas, político-sociais e estratégicas:
tecnicamente, os medicamentos são de grande importância para o sistema de saúde, constituindo-se no principal instrumento terapêutico utilizado na atualidade no processo saúde-doença;
economicamente, apresentam uma participação elevada e crescente enquanto componente dos custos dos cuidados de saúde, tanto privados quanto públicos;
no campo político-social, além do Estado, outros sujeitos são diretamente afetados e interessados – a indústria farmacêutica e a sociedade. Estes, por sua vez, apresentam um peso e influência muito importantes em termos político-sociais;
estrategicamente, há que se destacar a importância dos medicamentos no que se refere à credibilidade do sistema de saúde e à conseqüente adesão social, fazendo com que a comunidade, muitas vezes, em função da garantia do acesso ao medicamento, participe de outras atividades importantes para a melhoria da sua qualidade de vida, por exemplo, nos programas de controle do diabetes e da hipertensão.
Alguns estudos sobre o tema em questão discutem o papel do Estado no setor farmacêutico. Eles apontam que, independentemente da forma de participação do setor privado, existem algumas responsabilidades essenciais e indelegáveis inerentes ao Estado, no sentido de propiciar um adequado funcionamento dos mercados farmacêuticos e acesso equânime a medicamentos de qualidade. Segundo Bennett et al. (1997), essas funções são:
formulação de políticas farmacêuticas nacionais;
regulamentação farmacêutica;
estabelecimento de normas para as diversas profissões da área da saúde;
garantia do acesso aos medicamentos essenciais; e
promoção do uso racional de medicamentos.
Algumas dessas funções podem ou não ser exercidas diretamente pelo poder público, como é o caso do estabelecimento de normas profissionais e da viabilização do acesso aos medicamentos essenciais. Porém, cabe ao Estado garantir que elas sejam bem desenvolvidas e que se alcancem os resultados almejados.
Por qualquer ângulo de observação, o fato é que o papel do Estado nessa área é inquestionável, seja provendo diretamente a oferta de medicamentos por meio da estrutura pública, seja regulando a dinâmica de funcionamento do mercado com o intuito de fomentar a concorrência e evitar práticas abusivas de preços. Isso sem falar em outras funções referentes à garantia da eqüidade no acesso, da qualidade dos fármacos, da promoção do uso racional de medicamentos, da eficiência na gestão dos recursos, do sistema de financiamento e do fomento à pesquisa e desenvolvimento.
A RELAÇÃO ENTRE O ESTADO E A INDÚSTRIA FARMACÊUTICA
Diante das peculiaridades desse setor e das falhas de mercado já abordadas, o que se observou, após a Segunda Guerra Mundial, foi um crescimento acentuado e paralelo do complexo médico-industrial e da intervenção pública naqueles locais onde prevaleceu a concepção do Welfare State ou "Estado do bem-estar" – predominantemente nos países da Europa Ocidental.
Nesses países, a redução das barreiras-preço pela universalidade do acesso e gratuidade da maioria dos bens e serviços de saúde, tem proporcionado elevados índices de cobertura também no campo farmacêutico. Nos países onde predomina um modelo mais liberal, como nos Estados Unidos, os indicadores demonstram que a qualidade e a eficiência dos sistemas de saúde são piores – inclusive no campo farmacêutico. Já para os países em desenvolvimento, o quadro apresenta-se bastante deficiente, com a maioria da população sem acesso regular aos medicamentos.
Diferenças à parte, o que se observa é que o Estado e a indústria farmacêutica têm se relacionado de maneira intensa e ampla, ao longo das últimas décadas na grande maioria dos países. Tal relação tem ocorrido fundamentalmente por dois caminhos: o comercial, referente à produção e aquisições do setor público; e o regulatório, referente principalmente aos mecanismos de controle da segurança, qualidade, eficácia e aspectos econômicos dos medicamentos.
Num contexto de estrutura provedora privada, com grandes empresas transnacionais e forte atuação governamental, pode-se inferir que as relações entre o Estado e a indústria farmacêutica possuem um caráter complementar e que, em certa medida, interessam a ambos. Interessam ao primeiro por suprir as necessidades de medicamentos da sociedade, cujo bem-estar é de responsabilidade do poder público. Interessam ao segundo na medida em que contribuem sobremaneira com a sua lógica de acumulação de capital, por dois mecanismos:
ampliação do mercado de medicamentos com o financiamento público;
contribuição para a melhoria das condições de saúde da população e, por conseguinte, para a reprodução da força de trabalho que é fundamental à reprodução do próprio sistema produtivo.
Nesse sentido, afirma Lefèvre (1991: 71, 74):
Como o alimento é a mercadoria que se encarrega de satisfazer a exigência diária de reprodução física, também o medicamento é a mercadoria que entra em ação para restabelecer as condições de normalidade, quando estas são afetadas por situações conjunturais (doenças agudas) ou estruturais (doenças crônicas) [...] O medicamento é então uma arma importante para a sobrevivência dos atores sociais no quadro de uma sociedade concorrencial de papéis. E os atores, ao se assumirem como tais, justificam e reproduzem, por via de conseqüência, a própria peça da qual são atores, ou seja, o próprio sistema social.
Vale acrescentar que nesse cenário onde se estabelecem as relações entre o setor público e a indústria farmacêutica, alguns atores merecem destaque. São eles: as empresas transnacionais, as empresas nacionais, os governos dos países desenvolvidos, os governos dos países em desenvolvimento, instituições de pesquisa e ensino, organismos internacionais e as organizações de consumidores. De maneira geral, as referidas relações acontecem em quatro dimensões: técnico-sanitária, econômica, tecnológico-industrial e sóciopolítica.
Conforme analisa Lobo (1992), essas dimensões representam estreitas e intensas relações entre a indústria farmacêutica e o Estado, existindo assim um grande campo de estudo, principalmente porque essa indústria apresenta muitas possibilidades de investigação e exemplificação de vários temas fundamentais da Economia Política. Nesse sentido e utilizando um marco teórico microeconômico, muitas pesquisas têm sido realizadas sobre sua estrutura e forma de organização, sobre a dependência, a evolução das taxas de benefício desse setor, sem falar no vasto campo da Economia da Saúde. Esses estudos também têm sido desenvolvidos por pesquisadores dos países em desenvolvimento, como Jorge Katz sobre a Argentina e Jacob Frenkel sobre o Brasil.
O grande desafio, portanto, seja em um sistema de provisão pública, seja privada, consiste em formular e implementar políticas que possibilitem otimizar os recursos disponíveis sem comprometer a qualidade dos tratamentos, no sentido de ampliar o acesso da população aos medicamentos, com ênfase àquelas estratégias que promovam a melhoria da eqüidade.
POLÍTICAS FARMACÊUTICAS E OS CAMINHOS PARA A MELHORIA DA EQÜIDADE NO ACESSO AOS MEDICAMENTOS
Ainda que o setor privado seja extremamente relevante no que se refere à eficiência e resolutividade no campo farmacêutico, tem-se falhas importantes no funcionamento desse mercado, além de objetivos sociais e sanitários que, certamente, não fazem parte da pauta de prioridades dos laboratórios farmacêuticos. Nesse sentido, funções como a formulação de uma Política Nacional de Medicamentos e a regulação desse setor devem ser essencialmente de responsabilidade estatal.
Na verdade, coexistem os setores público e privado competindo entre si e ao mesmo tempo se complementando. Entretanto, ambos devem operar orientados por objetivos fundamentais e comuns, estabelecidos numa política maior. Conforme descrevem Madrid et al. (1998: 24), esses objetivos são:
garantir a eqüidade no acesso aos medicamentos, em particular aos medicamentos essenciais;
assegurar a eficiência no uso de recursos para medicamentos;
promover o consumo racional dos medicamentos em ambos os setores;
assegurar o cumprimento das normas de qualidade nos dois setores.
Com esse intuito, a OMS defende a necessidade de os países estabelecerem Políticas e Regulamentações Nacionais de Medicamentos. Essas políticas devem abranger a importação, a produção local, a comercialização e o uso dos medicamentos, com o objetivo de proporcionar ganhos de eficiência em todos os níveis e setores relacionados com essa cadeia, a fim de cumprir o propósito maior de garantir a todos os cidadãos o acesso a medicamentos eficazes, seguros, de reconhecida qualidade e a um custo razoável.
Tendo em vista os objetivos que as políticas formuladas nessa área devem cumprir, foram apontados os componentes fundamentais relativos ao campo farmacêutico no primeiro Capítulo desse trabalho – Figura 1.2. Eles devem ser implementados de maneira sistemática, articulada e eficiente para propiciar o acesso equânime a medicamentos de qualidade. Tais componentes são:
sistema de financiamento: cobertura adequada, com caráter sustentável, continuado e que promova a eqüidade;
gestão eficiente dos recursos disponíveis;
regulação sanitária, econômica e profissional adequada;
promoção do Uso Racional de Medicamentos.
Conforme sintetiza Segura (1997: 46):
...por razões de eqüidade o financiamento dos serviços de saúde deve ser público e por razões de eficiência a produção não pode realizar-se através de um mercado livre e desregulado. Não obstante, [...] a ausência de competição gera incentivos à ineficiência, pelo que a introdução de competição dentro dos sistemas de saúde constitui uma necessidade peremptória.
Daí conclui que o marco para essa discussão sobre a reforma do setor saúde deve ser "...o aumento da eficiência por meio da introdução da competição em um mercado regulado e financiado publicamente".
Considerando-se o tema objeto deste estudo, serão analisados a partir de agora aqueles componentes relacionados com os aspectos econômicos e que direta ou indiretamente afetam e são afetados pela dinâmica da competição "extrapreço" no setor farmacêutico e, por conseguinte, apresentam interfaces estreitas com a desejada melhoria da eqüidade no acesso aos medicamentos.
O financiamento da assistência farmacêutica
Qualquer que seja a natureza da instituição, somente se produzem bens e serviços mediante o consumo e a transformação de recursos materiais, financeiros e humanos. No setor saúde não é diferente, pois tais cuidados sempre demandam recursos e, portanto, acarretam custos para os indivíduos, as famílias, a sociedade ou o Estado. A limitada capacidade financeira de muitos pacientes e/ou instituições em relação aos preços dos bens e serviços de saúde, tem dificultado o acesso e acarretado menor resolutividade da atenção prestada, agravamento das morbidades, maior número de retornos, consultas e internações e, conseqüentemente, maiores custos financeiros e sociais.
Por um lado, existe no setor saúde uma visão administrativa pretensamente racionalizante que busca cortes lineares nos gastos, como mecanismo para reduzir despesas, concentrando-se em custos diretos – por exemplo, na aquisição de medicamentos. Num outro extremo, temos a formação e a cultura da maioria dos profissionais dessa área, cujo lema é saúde não tem preço. Eles somente se preocupam com os aspectos técnicos da doença, esquecendo-se daqueles outros aspectos relacionados com a eficiência do sistema, assim como daqueles referentes aos pacientes e às instituições, tais como os custos do acesso aos cuidados de saúde. Diante disso, pode-se afirmar que a saúde não tem preço, mas tem custo e que alguém certamente arcará com tais despesas no decorrer ou no final do processo de cuidados com a saúde.
Por isso torna-se fundamental que haja um comprometimento do poder público, formalizado em suas políticas, no sentido de proporcionar o devido acesso aos cuidados de saúde, neles inseridos a assistência farmacêutica, seja de maneira privada ou pública. Para tal, dentre os vários campos a serem contemplados, deve ser parte integrante dessa política o componente financiamento.
Pensar no sistema de financiamento para a assistência farmacêutica não significa necessariamente considerá-lo como uma função institucional, seja ela pública, filantrópica ou privada. Ele ocorre também de maneira individual ou familiar. É nesse contexto que ele deve ser compreendido e, então, há que destacar as variáveis mais relevantes e que são sempre relativas, pois elas apresentam valores nominais e reais que devem ser considerados e ajustados para cada realidade.
Considerando-se que o medicamento apresenta uma dimensão de mercadoria e, portanto, apresenta um preço, numa análise econômica, as variáveis determinantes ao seu acesso são a renda da população e o volume de recursos financeiros alocados pelas instituições. Tais variáveis têm seu real poder de compra relativizado em função do nível dos preços dos medicamentos. Nesse enfoque, estes surgem, então, como uma variável central.
Segundo a Pesquisa de Orçamentos Familiares realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (1996), dos gastos com saúde para a população brasileira mais pobre,(44) cerca de 52% referem-se a medicamentos. Isso significa um comprometimento de aproximadamente 4% da renda familiar total dessa camada social. Na medida em que a faixa de renda se eleva, observa-se que os gastos absolutos com medicamentos também aumentam, porém comprometem uma parcela bem menor dos orçamentos. Exemplificando, na camada social com renda acima de dez salários mínimos, consomem-se três vezes mais medicamentos do que no primeiro caso, porém com um comprometimento relativo de apenas 0,7% da renda familiar.
No Brasil, ainda que alguns indicadores sociais(45) tenham melhorado ao longo dos anos 90, a concentração da renda permaneceu tão elevada como no seu início. Segundo dados da Síntese de Indicadores Sociais 2000 do IBGE, em 1999, os 50% mais pobres do País detinham 14% da renda nacional, enquanto o 1% mais rico detinha 13% dessa renda. Esses números são iguais àqueles da pesquisa de 1992. Nesse período, o rendimento dos 10% mais ricos e o dos 40% mais pobres cresceu igualmente em termos percentuais, porém aumentou a distância entre esses dois grupos em termos absolutos. Em 1992, a diferença entre a renda média dos 40% mais pobres para os 10% mais ricos era de R$ 1.717,00. Já em 1999, essa diferença saltou para R$ 2.270,00, ampliando-se em R$ 553,00 em termos absolutos.
De acordo com Sergio Besserman, presidente do IBGE, em palestra proferida na apresentação da Síntese de Indicadores Sociais 2000 (Ryff, 2001):
A marca maior de nossa sociedade é a desigualdade, e a agenda da vida brasileira deve se concentrar sobre mecanismos de distribuição, não apenas da renda, mas de correção da desigualdade regional, entre homens e mulheres e entre brancos e negros. (...) É menos difícil combater a pobreza do que a desigualdade. Para poder enfrentar a desigualdade é indispensável uma economia estável e em crescimento. São condições necessárias, mas não são suficientes.
Sabe-se que o objetivo maior do setor privado é a maximização do lucro e não a promoção da eqüidade. Isso ocorre também no campo farmacêutico, no qual a capacidade de custear os tratamentos é que define o acesso aos medicamentos providos pelas empresas privadas. Sendo assim, tais provedores tendem a se estabelecer nas regiões e locais onde as condições econômicas sejam mais favoráveis ao volume de vendas. Tal realidade faz com que as regiões mais pobres e rurais fiquem em desvantagem, podendo acarretar iniqüidades econômicas e geográficas.
Ainda segundo Besserman, os resultados sociais melhoram quando se somam demandas conscientes e mobilizadas da sociedade com políticas públicas bem focadas. Com esse cenário de grandes desigualdades econômicas, sociais e até geográficas, a concepção, a dimensão e a estruturação do componente financiamento adquirem um papel extremamente relevante para a melhoria da eqüidade no acesso aos medicamentos, especialmente para aquelas camadas mais pobres da população. De acordo com as várias publicações que tratam desse tema, o sistema de financiamento institucional – principalmente o público – deve estar estruturado de maneira a promover a eqüidade e atender a alguns fundamentos básicos. Quais sejam:
constar explicitamente do arcabouço formal das normas e políticas que disciplinam o Sistema de Atenção à Saúde, pautando-se nas necessidades existentes e opções de financiamento mais viáveis;
cobrir aqueles medicamentos considerados essenciais nos três níveis de atenção à saúde, com um foco especial às camadas sociais menos favorecidas;
apresentar viabilidade financeira e política, atribuindo-lhe um caráter sustentável e continuado, com definição clara das fontes de captação dos recursos necessários, assim como das responsabilidades de cada esfera de governo e dos agentes privados, quando for o caso;
estar articulado e compartilhado, no caso do setor público, entre as três esferas de governo, com ênfase na lógica da descentralização e na autonomia do nível local – estados e municípios – na gestão dos seus recursos;
amparar-se em reformas estruturais e organizacionais nas instituições, que permitam um adequado e eficiente funcionamento de toda a engrenagem, assim como do seu controle e avaliação.
Como se sabe, o setor saúde constitui um mix público-privado. Com isso, têm-se algumas formas de financiamento possíveis e que não são excludentes, podendo muitas vezes originar sistemas de financiamento híbridos de acordo com a realidade e a conjuntura de cada local. De maneira geral, as diferentes possibilidades de financiamento podem ser agrupadas em
público(46): financiado totalmente com recursos provenientes do tesouro federal, estaduais e municipais, e disponibilizado à população por meio de uma rede própria de serviços de saúde e/ou de reembolso às empresas privadas;
securitário: seguros de saúde com financiamento público e/ou privado, com a socialização dos riscos e respectivo custeio. As evidências observadas em vários países, principalmente do Oeste europeu, demonstram que o seguro obrigatório universal que contemple a assistência farmacêutica propicia grandes benefícios sociais relacionados com a eqüidade e qualidade dos serviços de saúde;
co-financiamento ou co-pagamento: financiamento público ou securitário da maior parte, mas com a exigência de custeio complementar de uma parcela a ser paga pelo usuário. Deve ser definido claramente um limite máximo para a co-participação privada, assim como critérios relacionados com as necessidades especiais de alguns grupos populacionais, com a capacidade de pagamento, com a gravidade, duração e seqüelas das diferentes patologias;
doações: externas ou internas;
empréstimos: financiamentos de agências internacionais, normalmente alocados em infra-estrutura;
liberal (47) (privada autônoma): financiado integralmente e de maneira direta pelo próprio usuário, individualmente ou por meio de sistemas cooperados.
Não obstante, faz-se necessário ressaltar duas questões importantes, relacionadas com o financiamento, para uma efetiva melhoria da eqüidade econômica e geográfica referente ao acesso aos medicamentos essenciais. No tocante à questão econômica, é fundamental que haja um provimento direto e/ou subvenções do Estado – por exemplo, por meio de reembolso às empresas privadas – para viabilizar o referido acesso às camadas menos favorecidas da população. Para o problema geográfico, o Estado deve avaliar qual a alternativa mais eficiente para prover uma oferta de assistência farmacêutica nas regiões mais desfavorecidas: implantar serviços próprios ou estabelecer incentivos e subvenções para que empresas privadas se estabeleçam.
Deve-se destacar que, apesar da farmacoterapia ser parte integrante e essencial do sistema de atenção à saúde, o seu financiamento não se encontra contemplado automaticamente em todos os sistemas – público e privado – nem em todos os países. Internacionalmente, na maioria dos países, esse financiamento ocorre de duas maneiras:
financiamento pelo sistema de seguro-saúde privado, em que o melhor exemplo são os Estados Unidos;
financiamento total ou parcial pelo Estado, mediante distribuição própria e gratuita e/ou por reembolso às empresas privadas, sendo os países europeus os melhores exemplos.
No Brasil, especificamente, existe atualmente um sistema de financiamento público que cobre alguns itens: para a atenção básica – o Incentivo à Assistência Farmacêutica Básica e o projeto "Farmácia Popular"; para a área de Saúde Mental; para os chamados medicamentos de dispensação em caráter excepcional ou de alto custo; para alguns Programas Estratégicos do Ministério da Saúde; e para aqueles gastos com medicamentos que estão embutidos nos valores pagos sobre os procedimentos hospitalares realizados pela rede própria e conveniada ao SUS.
Entretanto, a maioria dos medicamentos constantes da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais – RENAME ainda não possui mecanismos de financiamento público claramente definidos, o que compromete sobremaneira o acesso da população mais carente aos medicamentos essenciais, assim como o desenvolvimento de uma Assistência Farmacêutica resolutiva.(48)
Por ordem de participação no financiamento total dos gastos com medicamentos no País, estima-se que o financiamento liberal representa a maior parcela, seguido do público e do securitário privado (IMS, 1999). Apesar de ser difícil realizar uma mensuração sobre a participação exata dos gastos públicos no total das vendas do mercado farmacêutico nacional, mas utilizando-se como base os dados apresentados na Tabela 4.1 e considerando-se os gastos em nível hospitalar acrescidos de outros gastos das esferas estadual e municipal, é possível estimar que tal participação represente atualmente cifras em torno de 20% do referido total.
No caso do Subsistema Privado de Saúde Suplementar, os seguros cobrem apenas os medicamentos utilizados nos procedimentos para pacientes hospitalizados, dentro dos limites da cobertura especificada em cada contrato. Em casos muito específicos, também cobrem a continuidade desses tratamentos após a alta do paciente. Alguns planos, como os de autogestão – próprios das empresas – possuem um sistema de parceria com empresas farmacêuticas, de maneira a propiciar grandes descontos aos seus conveniados e dependentes na aquisição dos medicamentos prescritos. Eles, normalmente, estabelecem uma lista positiva para os medicamentos passíveis de terem abatimentos e definem a relação das farmácias e drogarias habilitadas. As doações, por sua vez, não são significativas e sistemas de reembolso e co-financiamento privado ainda não existem.
Ainda no tocante à atuação dos seguros privados de saúde no campo farmacêutico no Brasil, vale ressaltar a incorporação recente de empresas que buscam facilitar o acesso aos medicamentos para os seus conveniados, mediante subsídios e a redução dos preços pelo poder de negociação com os laboratórios. Constituem as empresas de "Gestão de Benefícios Farmacêuticos" e são originárias, internacionalmente, das empresas do tipo "Pharmaceutical Benefits Management – PBM". Essas empresas negociam com os laboratórios fabricantes, tendo maior poder de barganha do que teriam os conveniados individualmente, em função da escala e da preferência que será concedida aos seus produtos, obtendo descontos significativos que são repassados aos conveniados.
De maneira complementar, as operadoras do subsistema privado de saúde passam a orientar os seus médicos credenciados a prescreverem os medicamentos negociados pelas PBMs. Além de interferir diretamente sobre os descontos e, portanto, sobre os preços desses produtos, esse tipo de atuação possibilita a seleção de medicamentos mais adequados, maior controle no seu uso, vantagens terapêuticas e econômicas, maior adesão aos tratamentos, redução das internações e seus custos correspondentes, além de representar um diferencial de competitividade nesse mercado.
Conforme já foi descrito, não se considera de exclusiva responsabilidade do Estado o provimento e financiamento do acesso a todos os medicamentos necessários para toda a população. As evidências em muitos países demonstram que o setor privado também tem um importante papel, seja na administração de estruturas de provimento de medicamentos, seja no seu financiamento. Mas, compete ao Estado a condução macro desse contexto, de maneira a assegurar a devida eficiência desse mix público-privado, tendo por base o propósito maior de propiciar o acesso equânime aos medicamentos essenciais, garantindo sua qualidade e seu uso racional por toda a população.
O Ministério da Saúde e Ministério da Fazenda vêm encaminhando ações no sentido de reduzir a carga tributária sobre alguns grupos de medicamentos, com o intuito de reduzir o preço ao consumidor. Dentre as ações encaminhadas, tem-se a Lei Federal nº. 10.147, aprovada em dezembro de 2000, que estabelece a isenção da contribuição para o Programa de Integração Social – PIS e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS, abarcando um elenco de aproximadamente 1.200 medicamentos. Segundo informações veiculadas pelo Ministério da Saúde, estima-se que tais medicamentos representem 45% do mercado total e terão uma redução de cerca de 10% nos seus preços ao consumidor.
Outras frentes têm sido abertas no campo fiscal com o mesmo intuito, dessa vez em relação aos governos estaduais, objetivando a redução do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS para os medicamentos e o conseqüente barateamento dos preços praticados no varejo.
Enfim, as pressões no sentido da racionalização econômica, principalmente a partir da década dos 80, combinadas com o crescimento populacional, com o aumento das doenças crônicas decorrentes da maior expectativa de vida, além do surgimento de novas enfermidades, como a AIDS, e o ressurgimento de velhas enfermidades como a tuberculose e a malária, têm imposto grandes desafios para se assegurar um financiamento continuado e adequado para o sistema de atenção à saúde. Acrescente-se ainda a manutenção das desigualdades sociais e da concentração da renda. Coloca-se, então, como afirma Paim (1999), a necessidade de construir soluções para a contraposição latente e ainda não resolvida entre o ideal de uma cobertura integral com acesso universal versus os mecanismos concretos de financiamento sustentável.
A regulação do setor farmacêutico: sua importância e correlação com os preços dos medicamentos
Conforme já foi explicitado no Capítulo 2, verifica-se que o mercado, operando livremente, não é capaz de propiciar um adequado padrão de eqüidade e bem-estar social no setor saúde, resultando na necessidade de intervenção governamental. Além da questão do financiamento, a atuação do Estado deve ocorrer também pela formulação e implementação de políticas que contemplem, entre outras coisas, mecanismos de regulação para assegurar o cumprimento de uma série de funções básicas e necessárias, em prol do bem-estar coletivo.
Em sentido amplo, entende-se por "regular" aquelas ações implementadas para ajustar o funcionamento de um sistema a algumas determinadas finalidades. Em sentido estrito, refere-se à intervenção dos órgãos públicos na sociedade, objetivando a melhoria da eficiência com a qual o mercado aloca os recursos ou, ainda, objetivando aumentar o bem-estar social dessa alocação (Ortún, 1996). Outra conceituação acolhida e nessa mesma linha de pensamento refere-se à de Lange & Regini (1987), apud Almeida (1996: 72), que definem regulação como "...os diversos modos como um determinado conjunto de atividades ou de relações entre atores é coordenado, os recursos consentâneos são alocados e os conflitos inerentes, reais ou potenciais, são estruturados". Almeida afirma ainda que o conceito de regulação inter-relaciona três dimensões-chave: coordenação de atividades, alocação de recursos e administração de conflitos – tanto no setor público quanto no privado.
O que se observa muitas vezes é a polarização entre regulação e competição, colocadas como alternativas excludentes e situadas em campos opostos. Na verdade, trata-se muito mais de um embate político-ideológico associado a outras polarizações do tipo Estado X Mercado, Burocracia X Eficiência, ou Técnico X Político, que acabam por encobrir e desviar a análise do seu curso correto e necessário.
Tendo em vista as discussões de vários autores acerca desse contexto, constata-se que o problema central é fundamentalmente político. A capacidade e habilidade de coordenar essas atividades de regulação, associada à alocação de recursos e à administração de conflitos, é que determina a boa governabilidade e regulação dos sistemas sanitários. Nesse enfoque, não se está falando necessariamente em um comando centralizado, autoritário e/ou com absoluta predominância do Estado, mas sim na efetiva definição de papéis e responsabilidades, inclusive do poder público, no que se refere aos cuidados de saúde e ao bem-estar social, providos pelos serviços públicos e privados.
No campo farmacêutico, especificamente, essa regulação deve acontecer pelo menos sob três aspectos. O primeiro refere-se aos aspectos sanitários, em que busca a garantia da segurança, eficácia e qualidade dos medicamentos disponibilizados, por meio de um marco legislativo e normativo adequado, assim como de uma estrutura de vigilância apropriada. O segundo refere-se à regulamentação da conduta ética e da atuação dos profissionais ligados à saúde, direta ou indiretamente, especialmente no que diz respeito à relação com os usuários e com a indústria. O terceiro refere-se aos aspectos econômicos, relacionados com a regulação dos preços, tanto pelo controle direto deles, quanto dos mecanismos de controle "extrapreço": melhoria da dinâmica competitiva do mercado com a estratégia dos genéricos, legislação antitruste, desenvolvimento da ciência e tecnologia reduzindo a dependência externa, redução da carga tributária, controle dos gastos institucionais, melhoria da eficiência na gestão e utilização dos recursos, entre outros.
Em função do tema – objeto deste estudo – serão enfatizados a seguir somente os aspectos econômicos da regulação no setor farmacêutico e, mais especificamente, aqueles relacionados com a dinâmica competitiva desse mercado e com o controle dos preços – um dos principais mecanismos para o controle dos gastos.
A questão dos medicamentos genéricos e sua importância como estratégia para intervir positivamente na dinâmica desse mercado peculiar
Sabe-se que o mercado de medicamentos apresenta uma competição imperfeita, não apenas no Brasil, mas em nível mundial, acarretando perdas sociais como conseqüência, dentre outras razões, da falta de competição via preço. Por outro lado, ao se analisar esse mercado e suas características e fundamentos bem peculiares, faz-se necessário admitir que ele não se adequará aos modelos econômicos teóricos da concorrência perfeita. Porém, isso não significa que não exista margem para a melhoria do seu funcionamento. Ao contrário, pode-se afirmar que existem muitas possibilidades de incremento da competição nesse setor, por meio de uma dinâmica adequada, promovendo benefícios sociais.
Considerando-se a assimetria de informações e o conseqüente problema de agência, a estratégia dos medicamentos genérico é, certamente, uma ferramenta capaz de fomentar a competição via preço. Ela baseia-se em dois fundamentos principais: o uso destacado da denominação genérica para os medicamentos sem proteção patentária; e a certificação da qualidade, eficácia e segurança desses produtos, identificados como equivalentes terapêuticos(50) e, portanto, podendo ser percebidos pelos prescritores, dispensadores e consumidores como substitutos perfeitos entre si, em termos qualitativos, passando a competir unicamente em função dos preços.
Historicamente, pode-se dividir o contexto dos medicamentos genéricos em duas fases distintas. A primeira, que vai da década dos 50 até meados dos anos 70, e caracteriza-se por um alto ritmo inovativo e grande desenvolvimento econômico. Nessa fase, ainda que já houvesse a expiração da proteção patentária para os medicamentos descobertos nas duas décadas anteriores – penicilinas, sulfamidas, diuréticos, entre outros – as maiores empresas não se preocupavam, pois fundamentavam sua estratégia de crescimento principalmente nos inúmeros êxitos referentes às novas descobertas. Tal característica, associada à expansão econômica, fazia com que tanto os profissionais de saúde quanto a maioria da população, incorporassem com bastante receptividade e sem dificuldades de custeio essa renovação constante do universo terapêutico, ignorando-se, em certa medida os medicamentos defasados, que detinham apenas uma pequena parcela do mercado.
Numa segunda fase, a partir de meados dos anos 70, esse cenário começou a mudar, com um relativo e progressivo crescimento do mercado para os medicamentos genéricos. Foram vários os fatores que concorreram simultaneamente e de maneira complementar para tal (Dukes, 1997):
um grande número de medicamentos – descobertos na década dos 50 – perdeu a proteção patentária na maioria dos países;
o ritmo das descobertas de novos fármacos reduziu-se acentuadamente.
o aumento do controle das autoridades sanitárias de vários países no que se refere à autorização de novos registros de medicamentos, restringindo sobremaneira as atividades de P&D e encarecendo-as cada vez mais;
a crise econômica forçou uma revisão crítica de todos os gastos e da eficiência dos recursos empregados, inclusive na área da saúde, sendo o marco da Reforma do Estado. Assim, passou a ser questionado o pressuposto de que os novos medicamentos eram superiores e, por isso, justificavam plenamente seus preços mais elevados;
a OMS passou a fomentar a implementação de Políticas Nacionais de Medicamentos para os países em desenvolvimento com base no conceito de medicamentos essenciais, contemplando quase exclusivamente produtos genéricos. Ainda que a grande maioria desses países não represente uma parte significativa do mercado mundial, em função da sua baixa renda nacional, ocorre que uma boa parcela dessa população vem se convertendo em consumidora de medicamentos graças a esses programas que, numa análise prospectiva, acabam por ameaçar o paradigma vigente;
o desenvolvimento de uma grande estrutura de oferta de medicamentos genéricos ou similares, constituída por empresas de médio e grande porte, especializadas nesse campo de atuação e capazes inclusive de competir com as grandes companhias pioneiras e detentoras dos produtos de marca. Há que se ressaltar, ainda, nesse caso, a atuação de inúmeros laboratórios estatais, produzindo medicamentos nessa linha, tanto nos países ocidentais quanto naqueles de economia socialista e orientais.
Com esse cenário, a estratégia dos medicamentos genéricos passou a ganhar cada vez mais destaque como sendo um dos principais instrumentos para a redução das despesas com a assistência farmacêutica e para a ampliação do acesso a esses produtos. As evidências internacionais demonstram que os medicamentos genéricos são comercializados a preços inferiores àqueles de marca, numa variação "a menor" da ordem de 40% a 70%, atribuíveis à redução dos gastos com marketing e promoção de vendas, além da ausência de gastos em P&D e do aumento da competição via preço.
Assim, torna-se possível reduzir o custeio dos tratamentos medicamentosos e, com isso, ampliar o acesso aos fármacos. Sobre o questionamento a respeito da real cobertura nosológica possível de ser alcançada com os medicamentos genéricos – já que seu elenco restringe-se àqueles livres de patentes – tem-se que a grande maioria dos itens constantes da 11ª. Lista Modelo de Medicamentos Essenciais da OMS encontram-se isentos de patentes e, portanto, passíveis de serem produzidos por vários concorrentes e integrarem o mercado dos genéricos. Isso, por sua vez, torna resolutiva a estratégia de uma política de medicamentos genéricos que contemple tanto o setor público quanto o privado, além de ser perfeitamente compatível com as prioridades sanitárias dos diversos países, na medida em que possibilita reduzir os custos terapêuticos, ampliar o acesso, racionalizar o uso dos fármacos e atender às principais necessidades de saúde da população no campo farmacêutico.
A OMS descreve os elementos principais que podem ser utilizados para se alcançar êxito numa estratégia de medicamentos genéricos
Mecanismos para a promoção de uma
estratégia para medicamentos genéricos
Legislação e regulamentação de apoio
procedimentos ágeis para o registro, com ênfase à certificação da qualidade do medicamento
desenvolvimento e autorização de produtos durante o processo de outorgamento de patentes
disposições que permitam, promovam ou requeiram prescrições pelos nomes genéricos dos medicamentos e a substituição por equivalentes terapêuticos (substituição genérica)
requisitos para que todas as embalagens e informações sobre os medicamentos contenham os nomes genéricos
Capacidade para garantir a qualidade
elaboração de listas de substituição e de não substituição
procedimentos para demonstrar a bioequivalência
capacidade nacional para garantir a qualidade
capacidade nacional para inspecionar o fabricante de medicamentos e pontos de comercialização desses produtos
Aceitação dos profissionais e da população
participação de associações profissionais na elaboração das políticas
implementação por etapas, iniciando-se pela autorização para a substituição
uso da denominação genérica dos medicamentos nas atividades de capacitação e treinamento dos profissionais de saúde
disponibilização aos profissionais de saúde de índices ou manuais com os nomes de medicamentos de marca e seus respectivos genéricos, e vice-versa
uso da denominação genérica dos medicamentos nos manuais clínicos, publicações sobre medicamentos e outras campanhas promocionais gerais dirigidas aos consumidores e profissionais de saúde
Fatores econômicos
informação sobre preços para a população e profissionais
fixação de preços de referência para programas de reembolso
controle de preços no varejo que favoreçam a dispensação de medicamentos genéricos
apoio pelas organizações privadas de seguridade social e de seguro de saúde
incentivos para a indústria de medicamentos que produzem medicamentos genéricos sem marca
negociações e acordos com a indústria
Fonte: Madrid, I., Velázquez, G. & Fefer, E. (1998: 70)
A efetiva implementação de uma bem-sucedida estratégia de medicamentos genéricos pressupõe um processo, muitas vezes demorado e repleto de desafios e dificuldades. Ela extrapola a mera implementação sistemática dessas várias ações identificadas como necessárias, demandando também um respaldo político na condução do referido processo, assim como persistência e capacidade estratégica para interagir com os atores mais importantes, adaptando-se ao contexto local e dando respostas aos problemas que surgirem. Esses são fatores fundamentais para que se obtenha o apoio e a aceitação necessários, tornando factível a legitimação dessa estratégia.
No decorrer das últimas décadas, observa-se que as grandes empresas farmacêuticas inovadoras têm tido maior propensão a gastar em publicidade e promoção de vendas – como mecanismos de reforçar suas marcas – do que investir em P&D. A título de exemplo, apenas nos EUA, o montante de recursos gastos em publicidade supera os 11 bilhões de dólares, sendo superior aos gastos em P&D naquele país (O’Brien, 1997). Dessa forma, um dos maiores desafios colocados para a estratégia dos medicamentos genéricos diz respeito à superação do dilema existente entre, de um lado, compensar a grande desigualdade de informações e ações promocionais implementadas para os medicamentos de marca em relação aos genéricos e, por outro lado, não gastar volumes de recursos tão elevados quanto os primeiros, nem promover a medicalização e o uso irracional de medicamentos.
Outros desafios também merecem ser destacados, como o questionamento e as dúvidas dos profissionais de saúde e da população quanto à qualidade dos produtos genéricos, assim como a não aceitação dos prescritores, a atribuição de status depreciado para os genéricos – como um produto de segunda linha(52) – a necessidade de agilizar os testes para certificação sem comprometer a sua credibilidade, a garantia de uma adequada estrutura de oferta na produção e comercialização, o controle e monitoramento sanitário permanente, o controle e monitoramento dos seus preços, entre outros.
Quanto à prescrição pela denominação genérica, em países como a Inglaterra e Alemanha, os médicos foram repreendidos e até punidos, por receitar de forma custosa. A mesma linha de conduta passou a ocorrer em vários países da Europa Ocidental, com uma pressão direta sobre a classe médica para prescrever os medicamentos pela denominação genérica (Dukes, 1997).
Um dos mecanismos identificados para superar esse desafio refere-se à regulamentação da substituição genérica, que tem se apresentado eficiente para transpor a resistência daqueles prescritores que rejeitam esse grupo de medicamentos. Seja por duvidar da qualidade desses produtos ou por outros fatores, como a cultura acadêmica médica, a despreocupação em relação aos custos dos tratamentos ou, até mesmo, interesses pessoais, o fato é que tais resistências existem e são bem relevantes.
Quick (1995), apud Lobo & Velásquez (1997: 246), destaca que podem ser identificadas e enumeradas seis fases diferentes e progressivas para o processo de implantação do mecanismo de substituição genérica:
1º. Não há substituição: se o médico prescreve uma especialidade de marca, esta é que deverá ser dispensada.
2º. A substituição é limitada: permitida somente quando o médico indica que se pode dispensar um genérico.
3º. Permite-se a substituição: a menos que o médico explicite na prescrição que o medicamento de marca é "indispensável".
4º. Fomenta-se a substituição: será obrigatória a menos que o médico explicite na prescrição que o medicamento de marca é "indispensável".
5º. Determina-se a substituição: será obrigatória a menos que o médico explicite na prescrição "dispense-se segundo o especificado na receita".
6º. Exige-se a substituição: o farmacêutico deve fazê-la sempre que houver um substituto genérico mais barato.
Na Europa, vários países adotam a substituição genérica, como a Espanha, Alemanha, Bélgica, Holanda e Dinamarca. Outros países, por sua vez, ainda não regulamentaram essa atividade, como a França e a Itália. No Canadá, tal substituição é permitida desde que o médico não explicite sua proibição. Nos EUA, esse mecanismo de pressão ganhou consistência somente a partir da década dos 80, quando se verificou um aumento considerável dos preços dos medicamentos de marca em relação à inflação do período, resultando na derrubada, até 1989, de todas as normas legais que proibiam ou restringiam a substituição genérica. Aprovou-se também a Lei Waxman-Hatch, em 1984, que versava sobre a competição dos preços desses produtos e sobre a restauração de patentes e, dentre outras coisas, permitiu o ingresso dos produtos genéricos de maneira mais rápida. Com isso, uma grande quantidade de medicamentos genéricos foi aprovada pelo FDA em pouco tempo, propiciando um crescimento desse mercado que, em 1989, já representava 33% de todas as prescrições naquele país (Lisboa et al., 2001).
Todavia, faz-se necessária uma adequada normalização, padronização e controle dessa atividade para que possíveis falhas sejam evitadas e os benefícios possam ser efetivamente alcançados, garantindo-se ao paciente a compra de um produto terapeuticamente equivalente ao outro.
Mas, em relação ao esperado aumento da concorrência via preço para os medicamentos de marca, estudos demonstraram que nos EUA eles continuaram tendo seus preços aumentados após a entrada dos seus respectivos genéricos no mercado (Caves et al., 1991; Frank & Salkever, 1992; Grabowski & Vernon, 1992, apud Lisboa et al., 2001). Utilizando-se de uma abordagem econométrica, os autores selecionaram uma amostra de trinta medicamentos que perderam a proteção patentária no período de 1976-87 e buscaram estimar o impacto da entrada dos genéricos sobre os preços desses medicamentos. Ao contrário do que se esperava, os preços dos medicamentos de marca e líderes do mercado até então, passaram a ser reajustados ainda mais pelo laboratório quando sua marca líder perdeu mercado.
Há, com isso, uma clara indicação de uma mudança de estratégia quanto à fixação dos preços por parte desses laboratórios que, ao perderem uma parcela do mercado, optam por manter seu produto num patamar diferenciado para atender àquele grupo de consumidores mais insensível ao preço, ganhando maiores margens em cima de um menor volume de vendas. Utilizando essa mesma abordagem econométrica para analisar o comportamento dos preços dos medicamentos líderes e do grau de dispersão dos preços dos similares ou genéricos no mercado brasileiro em frente ao grau de concentração de cada mercado, para o período de 1995 a 1999, Lisboa et al. (2001) chegam à mesma conclusão dos estudos anteriores aplicados sobre o mercado dos Estados Unidos.
Todavia, em relação ao comportamento dos preços dos medicamentos similares ou genéricos diante do grau de concentração, a análise depreende que
...uma diminuição da concentração do mercado leva a: (i) uma baixa dos preços dos similares em relação ao preço da marca-líder; (ii) uma maior dispersão (menor desvio-padrão) dos preços dos similares entre si. Os resultados também indicam que, quando a marca pioneira sofre concorrência dos similares há mais tempo, o resultado (i) novamente se aplica, embora o (ii) não seja tão significativo. Isso significa que a capacidade dos medicamentos similares de aumentar seus preços frente à marca-líder é tanto maior quanto maior a concentração do mercado e maior o tempo que o consumidor teve para acostumar-se a ter opções à marca pioneira na prateleira da farmácia (Lisboa et al., 2001: 99).
Em relação aos países em desenvolvimento, vários já vêm implementando a estratégia de medicamentos genéricos, mas ainda de maneira limitada e restrita ao setor público. Alguns estudos indicam que, nesses países, um dos principais entraves é a baixa credibilidade dos produtos genéricos no que se refere à sua qualidade. Apesar disso, algumas experiências vêm alcançando resultados bem positivos, inclusive na América Latina,(53) como na Colômbia e Chile (Velásquez et al., 1998). No Chile, já existem grandes empresas farmacêuticas dedicadas à produção de medicamentos genéricos e, inclusive, muitos desses fármacos constam do seu elenco dos essenciais. Além disso, representavam 14% do mercado total em 1992 e os seus preços mantiveram-se estabilizados durante as crises econômicas na década dos 80 (Madrid et al., 1998).
No Brasil, como não havia o reconhecimento de patentes até 1996, o mercado caracterizava-se por ter produtos de marca e suas cópias, também chamados de medicamentos similares, para os quais não se exigiam testes de biodisponibilidade e bioequivalência terapêutica para autorização de registro, produção e comercialização. Após alguns insucessos em tentativas anteriores para implantar a estratégia dos genéricos, como no governo do Presidente Itamar Franco – pelo Decreto nº. 793/93 (54) – finalmente vem sendo implementada essa estratégia nos últimos dois anos, a partir da promulgação da Lei Federal nº. 9.787, de 10 de fevereiro de 1999, e da sua regulamentação pelo Decreto nº. 3.181, de 23 de setembro de 1999. Além desses, outros Decretos, Portarias e Resoluções integram o marco regulatório da Política de Medicamentos Genéricos. (55)
Foram, assim, estabelecidos os critérios e exigências para os testes, a certificação, o registro, a produção, a comercialização, a promoção, a prescrição e a dispensação dos medicamentos genéricos no País. Estabeleceram-se também as bases conceituais necessárias para a definição de bioequivalência, biodisponibilidade, medicamentos inovadores, medicamentos de referência, medicamentos genéricos e medicamentos similares. Diante disso e do reconhecimento das patentes em 1996, o mercado farmacêutico brasileiro passou a ter quatro tipos de medicamentos: os patenteados, os de referência, os genéricos e os similares – deverão, obrigatoriamente, adotar uma marca comercial a partir de setembro de 2001.
Como era de se esperar, a primeira reação dos grandes laboratórios transnacionais, representados pela Associação Brasileira da Indústria Farmacêutica – ABIFARMA, ocorreu no sentido de lançar dúvidas sobre a qualidade dos medicamentos genéricos, objetivando abalar a credibilidade dessa política com os profissionais de saúde e a população, por meio de grandes campanhas contratadas aos veículos de comunicação de massa. Era uma tentativa de criar aversão aos riscos e solidificar a idéia de que a saúde não tem preço e, para curar um paciente, qualquer custo se justifica. Outras ações contrárias identificadas e amplamente divulgadas pela mídia diziam respeito às tentativas de inviabilizar a disponibilização dos medicamentos genéricos aos usuários, com pressões e acordos tácitos que visavam ao boicote do sistema de comercialização – atacadistas e varejistas.
Porém, graças a um forte comprometimento do Poder Executivo e a uma ampla adesão da mídia em defesa dos genéricos, foi possível superar esses primeiros e fortes obstáculos. O Ministério da Saúde, numa manifestação clara de que essa estratégia consiste numa das prioridades da política de saúde nacional, estruturou um setor específico para coordenar e implementar as várias ações necessárias à sua consolidação. Trata-se da Gerência Geral de Medicamentos Genéricos, criada em setembro de 2000 e vinculada à Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA.
Desde a promulgação da Lei dos Genéricos, em 1999, e do registro e comercialização do primeiro medicamento genérico, em fevereiro de 2000, pôde-se verificar um incremento de ações importantes, implementadas de maneira sistemática e que têm promovido avanços significativos nesse campo. Dentre essas ações, merecem destaque:
definição de uma lista de medicamentos genéricos prioritários, com base na 11ª. Lista de medicamentos essenciais da OMS, na RENAME, na cobertura terapêutica e na relevância econômica, ou seja, de acordo com o peso como componente dos custos com a assistência farmacêutica na atualidade;
articulação com a indústria para ampliar a diversidade de produtos ofertados em função da lista de prioridades;
trabalho setorizado no campo da comunicação e informação, focado por tipo de público-alvo: cidadãos, profissionais de saúde e indústria;
otimização e agilização dos processos de análise, certificação e registro de medicamentos genéricos;
controle de qualidade dos genéricos comercializados, ou seja, a instituição de um sistema de controle permanente pós-registro;
importação de medicamentos genéricos de vários países, dentre os quais se destacam o Canadá, a Índia e Israel;(56)
regulamentação das atividades de prescrição e dispensação de medicamentos genéricos, tornando obrigatória a utilização da denominação genérica nas prescrições realizadas no SUS e permitindo a substituição genérica pelo farmacêutico, a menos que os prescritores explicitem de próprio punho a sua restrição a essa conduta. Após a substituição, o farmacêutico deve carimbar a receita com a identificação do número de sua inscrição no Conselho de Farmácia, datar e assinar;
regulamentação quanto aos similares que não poderão mais ser comercializados com a denominação genérica (Brasil, RDC nº. 92/00);
regulamentação quanto às embalagens dos medicamentos genéricos, que deverão ser diferenciadas e de fácil identificação pelos cidadãos (Brasil, RDC nº. 92/00 e nº. 47/01);
abertura de linhas de financiamento pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES para os laboratórios produtores de medicamentos genéricos;
articulação com os laboratórios oficiais para sua inserção nesse contexto, por meio da análise, certificação e registro dos seus produtos.
Decorridos pouco mais de dois anos do início desse processo, e cerca de um ano e quatro meses do registro do primeiro medicamento genérico no Brasil, existiam 25 laboratórios efetivamente produzindo medicamentos genéricos em junho de 2001, para um mercado que vendeu 2,3 milhões de caixas em março de 2001, representando cerca de 2,52% do mercado total. Vale ressaltar que, de junho de 2000 a abril de 2001, esse mercado cresceu em média 18% ao mês, segundo dados da ANVISA.
Também em junho de 2001, existiam 288 registros de medicamentos genéricos sendo produzidos por 25 laboratórios, para um total de 116 diferentes fármacos distribuídos em 822 apresentações e 49 classes terapêuticas,
Evolução do mercado de medicamentos genéricos no Brasil – junho/00 a abril/01 (Gerência Geral de Medicamentos Genéricos/ANVISA, 2001)
Total de medicamentos genéricos – fármacos, genéricos e apresentações – registrados no Brasil, junho de 2001 (Gerência Geral de Medicamentos Genéricos/ANVISA, 2001)
Além dos referidos registros, existiam, em junho de 2001, cerca de 150 pedidos de novos registros em processo de análise e outros 35 laboratórios aguardando seu primeiro registro. Todavia, há que se ressaltar dois aspectos referentes a esse processo que são preocupantes e merecem grande atenção do governo.
Primeiramente, dentre os 25 laboratórios que produziam medicamentos genéricos até essa data, os cinco principais eram responsáveis por mais de 60% dos registros já concedidos. Isso caracteriza um elevado e indesejado grau de concentração nesse início de solidificação desse mercado, não atendendo ao pressuposto do fomento à concorrência na estrutura de oferta. Há também a agravante da provável insuficiência, em termos de capacidade instalada, para atender a toda a demanda nacional. Melhor seria se houvesse um número elevado de diferentes laboratórios produzindo medicamentos genéricos.
Outro aspecto diz respeito à estratégia de importação de medicamentos genéricos para a ampliação da sua disponibilidade no mercado. Se, por um lado, ela contribui para agilizar a melhoria da cobertura, por outro, a recente flexibilização observada quanto à regulamentação(57) dos testes de bioequivalência e biodisponibilidade dos genéricos importados pode acabar por comprometer tanto a credibilidade dessa política quanto a capacidade competitiva das empresas instaladas no Brasil, ampliando sua dependência externa.
O período de implementação dessa estratégia no Brasil ainda é muito pequeno para que possa ser realizada uma avaliação adequada. Todavia, percebem-se significativos sinais de avanço no sentido de sua legitimação social e solidificação no contexto nacional, mesmo que o elenco de medicamentos genéricos e sua efetiva cobertura terapêutica ainda estejam aquém do necessário e desejável. Num recente estudo desenvolvido pela Gerência Geral de Medicamentos Genéricos da ANVISA (MS, 2001), constatou-se que 23% dos itens constantes da RENAME possuíam, em junho, pelo menos um medicamento genérico registrado. Mesmo que essa cobertura seja relativamente pequena, tal monitoramento demonstra uma preocupação no sentido de priorizar o registro dos medicamentos considerados essenciais no âmbito do País.
Por exemplo, muitos medicamentos genéricos têm conseguido conquistar fatias significativas do seu respectivo mercado.
% de dominância do genérico em relação ao seu mercado total – Brasil, 2000 (Gerência Geral de Medicamentos Genéricos/ANVISA, 2001)
Há que se ressaltar, também, o risco em médio e longo prazo de que os preços dos medicamentos genéricos tendam a se estabilizar em níveis acima daqueles que realmente são possíveis de serem praticados. Isso poderá ocorrer efetivamente, caso não seja adotada como parâmetro para sua definição a estrutura dos respectivos custos de produção. Acontece que, na maioria das vezes, a definição dos preços dos medicamentos genéricos tende a adotar como parâmetro os preços dos medicamentos de marca e líderes do mercado, e não o custo médio de produção.
Com isso, caso existam acordos tácitos associados a uma deficiência no monitoramento da concorrência e do controle dos preços desde o seu registro, a tendência natural do comportamento desses preços é de se acomodarem num nível cerca de 40% inferior ao dos medicamentos de marca. Isso se torna ainda mais grave, quando se verifica, conforme já explicitado nesta mesma seção, que a tendência dos medicamentos de marca é de reajustarem seus preços a taxas ainda maiores com a perda de mercado.
Evidências relacionadas com os preços praticados por laboratórios oficiais – sem fins lucrativos – demonstram que tais preços poderiam chegar a níveis bem menores ainda, por força de uma efetiva concorrência mais acirrada. Outra evidência acerca dessa real possibilidade de redução dos preços refere-se à estratégia de competição pela qual eram – e continuam sendo – colocados no mercado muitos dos similares de laboratórios que atualmente já conseguiram o registro de genéricos. Nos referidos casos adota-se a estratégia dos "super descontos" ou da bonificação: para cada especialidade farmacêutica adquirida pela farmácia, é concedido um desconto de 50% ou bonifica-se com outra, sem acréscimo no valor a ser pago pela drogaria. Essa prática, portanto, demonstra que o nível dos custos reais da produção está bem abaixo dos valores definidos nas tabelas de preços para vendas no varejo.
A respeito da fixação dos preços, o Relatório da CPI cita o depoimento que representantes do laboratório Roche prestaram em 1976 para uma Comissão especial criada pelo Departamento de Comércio e Indústria do Reino Unido (Frenkel et al., 1978, apud CPI, 2000: 57):
Produtos Roche informa que na fixação dos seus preços de venda nenhum sistema particular, como por exemplo, a soma dos custos de produção mais uma margem de lucro pré-determinada, foi usado pelo grupo. A fixação do preço foi uma operação comercial considerando apenas o valor que o mercado poderia suportar.
Assim, corre-se o sério risco de deixar de obter todos os benefícios sociais que seriam possíveis, caso os preços não sejam, de fato, definidos com base na estrutura real dos custos de produção. Os estudos econométricos já citados também apresentam evidências de que os medicamentos similares ou genéricos que estão no mercado há mais tempo tendem a ter seus preços, em média, menos distantes da marca-líder do que no período de sua entrada no mercado.
De maneira geral e com base nas evidências internacionais, pode-se inferir que a forma mais utilizada para se obter uma efetiva diminuição dos gastos farmacêuticos, pela estratégia dos medicamentos genéricos, fundamenta-se em incentivos econômicos relacionados com a ampliação da produção e comercialização, na garantia da qualidade desses produtos, em amplas ações de informação e comunicação voltadas aos profissionais de saúde e à população sobre preços, disponibilidade e substituibilidade, e no monitoramento e normatização da prescrição e substituição genérica.
Todavia, com base nas mesmas evidências demonstradas pelos estudos referidos, também se pode inferir que as políticas de regulação do mercado farmacêutico por meio de estratégias extracontrole de preços são importantes, mas insuficientes. É fundamental que o Estado avalie, para cada conjuntura, a necessidade e pertinência da adoção da política de controle de preços dos medicamentos.
O sistema de controle dos preços dos medicamentos: uma ferramenta eficaz?
Outra linha de atuação no campo referente à regulação do mercado farmacêutico refere-se às políticas de controle governamental dos preços. Levantam-se vários questionamentos sobre sua real eficácia em médio e longo prazo, e sua conveniência econômica num contexto de políticas que privilegiam a hegemonia do mercado.
Independentemente disso, sabe-se que o controle dos preços apresenta benefícios para o acesso aos medicamentos, pelo menos durante um certo período de tempo. Nesse sentido, afirmam Madrid et al. (1998: xiii):
...a intervenção estatal na fixação de preços não deve eliminar-se automaticamente como uma opção dentro da reforma do setor saúde, tampouco deve adotar-se ou renovar-se esta opção sem considerar cuidadosamente medidas alternativas, como as estratégias de medicamentos genéricos, que quiçá poderão lograr as mesmas metas com mais eficácia e apoiar os mercados competitivos.
O fato é que, quanto maior a participação direta do Estado no financiamento e/ou na provisão dos serviços de saúde em geral e na assistência farmacêutica, em particular, maior será o seu poder de intervenção e negociação com o setor privado, bem como maior tende a ser sua preocupação com o controle dos gastos em saúde.
Assim, nos países desenvolvidos, onde a maioria da população tem assegurado seu acesso aos medicamentos graças a uma relevante participação do Estado, as medidas de controle governamental dos preços apresentam-se mais como políticas de contenção dos gastos. Já nos países onde o acesso aos medicamentos não é garantido à maioria dos cidadãos, tais medidas são, acima de tudo, mecanismos necessários à ampliação da acessibilidade a esses insumos estratégicos em saúde, seja ela viabilizada pelo financiamento público ou privado.
De maneira geral, as políticas de controle dos preços podem ser aplicadas nos vários níveis – produção, distribuição e vendas ao consumidor – e tomando-se por base a estrutura de custos dos produtos ou as margens de lucro dos fabricantes e comerciantes. No que se refere ao nível da cadeia produtiva em que ocorre tal regulação, tem prevalecido o controle dos preços na produção, sendo poucos os países que controlam os preços de venda ao consumidor, salvo a fixação de preços de referência(58) para as aquisições institucionais, quando se verifica o financiamento coletivo – pelo Estado ou Seguradoras.
Em relação à base utilizada para o referido controle, pode-se utilizar tanto a demonstração dos custos de produção e comercialização, por meio de planilhas detalhadas, quanto o nível de rentabilidade dos laboratórios. Seja qual for o método utilizado para o controle dos preços dos medicamentos, ele terá problemas a serem superados. Quando se pensa na adoção da estrutura de custos da cadeia produtiva, sabe-se que há uma certa imprecisão dessas informações e a possibilidade de sua manipulação por meio de artimanhas contábeis e da fixação de preços de transferência. (59)
Para o controle das margens de retorno dos investimentos, exige-se um sistema de informações financeiras bastante complexo. Para esse tipo de controle o modelo inglês é o melhor exemplo: baseia-se em relatórios financeiros anuais detalhados. Quanto à fixação de preços de referência, a dificuldade reside na determinação dos parâmetros para comparabilidade terapêutica entre os diversos produtos.
São demonstradas no Quadro 4.2, a seguir, as alternativas mais utilizadas para a regulação dos preços:
Tipos de controle dos preços
Fixação de preços de custo + rentabilidade
Os preços são negociados entre os fabricantes e a autoridade regulatória nacional com base nos custos de desenvolvimento, produção, comercialização e nas margens de lucro desejadas para cada produto
Pode ser difícil obter-se informações reais sobre os custos e os preços de transferência podem distorcer os custos reais. É possível a manipulação mediante práticas contábeis
Fixação de preços de referência
Preços fixados por comparação com os preços de outros medicamentos equivalentes. Pode-se considerar o mercado nacional ou de outros países como referência
É bastante transparente e não requer informação das empresas. Usado como um controle indireto de preços mediante o estabelecimento dos níveis de reembolso para os medicamentos integrantes dos esquemas de seguro social
Fixação de preços baseados nas margens de lucro
Controle da rentabilidade geral ou recuperação dos investimentos realizados por cada empresa
Depende do acesso a informações financeiras detalhadas das empresas. É possível a manipulação mediante práticas contábeis
Na distribuição
Custo + porcentagem fixa
Os distribuidores e varejistas agregam uma porcentagem fixa ao preço
Pode promover a venda de produtos com preços mais elevados
Custo + porcentagem decrescente
Quanto maior o preço do medicamento, menor será a margem
Proporciona incentivos para vender produtos menos custosos
Custo + taxa fixa por receita
Pagamento de uma taxa fixa pelo aviamento de cada receita + o custo de aquisição do(s) medicamento(s)
Reduz-se o estímulo para a venda de medicamentos mais custosos
Custo + taxas diferenciais por receita
Pagamento de taxas maiores para o aviamento de produtos genéricos, por prescrição
Promove o uso de medicamentos genéricos
Fixação de preço máximo autorizado
Definem-se preços máximos permitidos para a venda ou para os reembolsos
Fonte: Adaptado de Bennet et al. (1997) e Velásquez et al. (1998)
Outra questão que merece destaque refere-se ao caráter dinâmico do controle dos preços dos medicamentos, ou seja, além do rigor na definição dos preços iniciais no momento do registro – produção ou importação – faz-se necessário também o devido monitoramento do processo, no que diz respeito aos reajustes solicitados, em especial nos períodos de instabilidade econômica.
Ainda que a regulação dos preços não seja uma unanimidade, ela é praticada de algum modo na maioria dos países. Alguns o fazem de maneira limitada, enquanto outros aplicam mecanismos rigorosos. Em um estudo desenvolvido pela Organização das Nações Unidas em 1992, citado por Bennet et al. (1997: 57), assinalou-se que
...os 23 países industrializados estudados aplicavam alguma forma de controle dos preços farmacêuticos (11 mantinham medidas de controle limitadas e 12 medidas de controle substanciais); e de 33 países em desenvolvimento, apenas 7 careciam de medidas de controle dos preços, enquanto 8 aplicavam medidas de controle limitadas e 18 mantinham medidas de controle substanciais.
São vários os argumentos favoráveis e também contrários ao sistema de controle dos preços dos medicamentos, identificando-se possíveis benefícios ou perdas com a sua adoção, respectivamente. Seus defensores apontam os resultados alcançados com a efetiva redução dos preços e gastos com medicamentos, assim como se fundamentam no argumento de que não existe concorrência via preço no mercado farmacêutico. Ao contrário, aqueles que se opõem à adoção dessa medida enfatizam principalmente que se pode ter escassez de alguns produtos, comprometer os investimentos necessários à inovação, além de distorcer a desejada competição via mercado.
Argumentos à parte, é fundamental que se considerem alguns aspectos importantes quando se analisa o sistema de controle dos preços:
os objetivos, vantagens, sensibilidade aos preços, riscos e a capacidade de controlar os preços são diferenciados entre os países desenvolvidos e aqueles em desenvolvimento;
deve ser analisado o possível comportamento dos diferentes atores – fabricantes, comerciantes, prescritores, dispensadores e consumidores – em frente ao controle dos preços em cada realidade;
devem ser analisados os riscos potenciais existentes em função do rigor e da eficiência do controle: preços fixados em níveis muito baixos podem acarretar escassez ou mercados paralelos; ou preços muito elevados, podem tornar inviável a ampliação do acesso aos medicamentos;
para qual tipo de medicamento faz-se necessário um controle mais rigoroso: medicamentos sob proteção patentária ou medicamentos para os quais existem alternativas – similares e/ou genéricos – disponíveis no mercado?
Estranhamente, verifica-se que, na década dos 90, muitos países em desenvolvimento, entre eles o Brasil, reduziram ou eliminaram os mecanismos formais para controle de preços dos medicamentos, enquanto a maioria dos países desenvolvidos tem dado cada vez mais atenção a esse aspecto regulatório.
Na Europa, onde predominam sistemas de proteção social em que o financiamento público dos medicamentos responde pela maior fatia do mercado, percebe-se um significativo avanço na capacidade regulatória dos países da União Européia, que têm caminhado ainda no sentido de promover uma harmonização e integração dos mercados de medicamentos, conforme evidencia o Quadro 4.3:
Esquemas de intervenção em preços em alguns países do Oeste
Europeu – 2001
País
Controle de preços
Reembolso
Alemanha
Livre para novos produtos
Preços de referência para produtos sem patente
Bélgica
Controle de preços; redução para produtos
-
Dinamarca
Acordos de preços (redução)
Preços de referência para produtos "análogos"
Espanha
Controle de preços via negociação com base em custos
Preços de referência para drogas múltiplas
França
Negociação e comparação com outros países
-
Grécia
Controle de preços pelo menor preço europeu para a mesma molécula
-
Holanda
Preço máximo por comparação com a Europa
Preço de referência terapêutica
Itália
Preço médio europeu para alguns produtos; negociação para produtos inovadores
-
Portugal
Controle de preços (preço médio)
-
Reino Unido
Acordo com a indústria, para controlar margens de lucros, renovado em 1999 por 5 anos
-
Suécia
Controle se reembolso é desejado; base em 10 países; deve ser menor que Dinamarca, Holanda, Alemanha e Suíça; semelhante à Noruega e Finlândia
-
Fonte: Lisboa et al. (2001)
No Canadá também se verifica um avanço no rigor da atuação no controle dos preços, pela adoção de ferramentas, tais como: registro de produtos mediante a análise da sua estrutura de custos de produção; comparação dos preços nacionais com os preços internacionais de produtos equivalentes; estudos comparativos de preços entre produtos nacionais que se apresentem como alternativas equivalentes, entre outras.
Nos Estados Unidos, o Congresso aprovou uma legislação específica em 1990 – Lei Pública 101-508 – determinando a obrigatoriedade de descontos especiais para os medicamentos que integram o sistema de reembolso público. Outra medida também estabelece descontos nos preços daqueles medicamentos cujo desenvolvimento teve alguma parceria do governo.
Quanto ao controle de preços dos medicamentos no Brasil, as evidências históricas das décadas de 70 e 80 demonstram uma clara predisposição à adoção do tabelamento de preços como medida de contenção para as elevadas e permanentes taxas inflacionárias. Durante essas duas décadas o controle era efetuado pelo Conselho Interministerial de Preços – CIP, tendo sido extinto no início da década dos 90, no Governo Collor, quando se iniciou o processo de extinção do controle formal dos preços dos medicamentos.
Desde então, o que tem ocorrido são acordos informais e acompanhamento distante desses preços, realizados por estruturas específicas do Executivo, como a Secretaria de Acompanhamento Econômico – SEAE, do Ministério da Fazenda; a Secretaria de Direito Econômico – SDE e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, do Ministério da Justiça; além do próprio Ministério da Saúde, no ano de 2000.
À exceção do Decreto nº. 793/93 (60), do Governo Itamar Franco, e da legislação mais recente que implanta a estratégia dos medicamentos genéricos no País, nenhuma outra medida efetiva foi adotada na década dos 90, no sentido de melhorar a dinâmica de funcionamento do mercado farmacêutico. Como conseqüência, os aumentos nos preços dos medicamentos no Brasil ocorreram em níveis muito acima dos índices de inflação nesse período, como será abordado no próximo capítulo.
Tal contexto demonstra a ineficiência das medidas adotadas, ou não, nesse sentido. A esse respeito, a mais recente CPI dos medicamentos (CPI, 2000: 72), aponta no seu relatório final duas questões que merecem destaque:
- quanto à legislação antitruste, apesar do Brasil dispor de lei de defesa da concorrência e de um órgão especializado no assunto desde 1962 (Lei nº. 4.137, de 10 de setembro de 1962 e Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE), somente a partir da segunda metade dos anos 90 o sistema como um todo passou a atuar efetivamente [...];
- das audiências com os titulares da SEAE/MF, SDE/MJ e CADE ficou evidenciada a existência de superposições de atividades, morosidade na tramitação dos processos e o desaparelhamento desses órgãos para desempenhar suas atribuições.
E, por fim, conclui que,
...apesar dos progressos feitos nesses últimos anos, o sistema brasileiro de defesa da concorrência, formado pela SEAE/MF, SDE/MJ e CADE, assim como a legislação vigente, necessitam visivelmente, de aperfeiçoamentos, inclusive no tocante à estrutura organizacional e de recursos humanos, para que a legislação antitruste exerça, entre nós, o mesmo importante papel que tem nos países desenvolvidos.
Quanto a esse aspecto, um grupo de Deputados de partidos da oposição e membros da CPI dos medicamentos, que apresentaram seus votos contrários à aprovação do Relatório final, elaborou algumas sugestões que vão no sentido da implantação de um sistema rigoroso de controle dos preços de medicamentos que contemple a participação da sociedade. Em seu Relatório, com voto em separado, são feitas duras críticas à atuação do sistema SEAE, CADE e SDE, caracterizado como ineficiente e ineficaz. Também afirmam que,
...não há como fugir do controle dos preços, uma vez que se encontram no mercado dois contingentes de forças desiguais: o bloco dos laboratórios privados e o contingente dos brasileiros excluídos. Não há como regatear com a doença no balcão da farmácia; ou se tem condições de aquisição do remédio, ou se volta para casa de mãos vazias, prontas para rezar para algum santo em busca de proteção, já que nem sempre é assegurado o fornecimento público (CPI – Voto em Separado, 2000: 54).
Em virtude de todas essas questões, especialmente dos fortes indícios de prática abusiva de preços amplamente divulgados pela mídia nacional, recentemente o Governo brasileiro adotou algumas normas para retomar o controle de preços dos medicamentos. Com esse intuito, foi homologada a Medida Provisória nº. 2.063, de 18 de dezembro de 2000, que instituiu a Fórmula Paramétrica de Reajuste de Preços de Medicamentos – FPR e o Índice Paramétrico de Medicamentos – IPM, cria a Câmara de Medicamentos e dá outras providências.
A FPR define, mediante alguns parâmetros estabelecidos, o valor máximo do reajuste médio de preços para todas as empresas produtoras de medicamentos, vetando todo e qualquer novo reajuste até 31 de dezembro de 2001, salvo autorização extraordinária emitida pelo Conselho de Ministros da Câmara de Medicamentos. Essa Medida Provisória também estabelece critérios para a definição do preço inicial das novas apresentações de medicamentos já existentes.
A Câmara de Medicamentos é composta por um Conselho de Ministros – presidido pelo Chefe da Casa Civil –; por um Comitê Técnico – composto por Secretários dos Ministérios da Saúde, Justiça, Fazenda e da Casa Civil –; e por uma Secretaria Executiva, cujas competências e atribuições são exercidas pela ANVISA.
Avaliando o ambiente desse mercado no tocante aos reajustes dos preços de medicamentos, nos três primeiros meses após a criação da Câmara de Medicamentos, alguns desdobramentos puderam ser observados. Houve infrações às regras estabelecidas e alguns encaminhamentos punitivos foram adotados.
Em março de 2001, foram multados três laboratórios que aumentaram os preços dos seus medicamentos na virada do ano, infringindo as regras do governo. São eles: TRB Pharma, multado em R$118.724,00; Stafford Miller, multado em R$ 75.844,86; e Maragliano, multado em R$ 11.433,00. Os três integram o grupo dos cinco primeiros laboratórios que tiveram processos administrativos abertos. Os outros dois são: Libbs e Clímax. Quanto ao primeiro, a Câmara de Medicamentos entendeu que a empresa reverteu os aumentos dos seus produtos a tempo de não prejudicar o consumidor. Quanto ao laboratório Clímax, ela informou que continuava fazendo "diligências".
A Câmara de Medicamentos decidiu ainda abrir processo administrativo contra mais três laboratórios: Neo Química, Hexal do Brasil/Qif e Cifarma. O laboratório Neo Química teve processo administrativo aberto porque reajustou alguns produtos depois de 31 de janeiro, como o medicamento Fungimax, por exemplo, que aumentou em 6,90%. Já o Hexal do Brasil/Qif e o Cinfarma lançaram produtos no mercado com novas apresentações sem informar previamente à Câmara de Medicamentos. No total, já haviam sido instaurados 32 processos administrativos.
De maneira geral, as evidências internacionais demonstram uma prevalência dos caminhos que buscam uma negociação entre o governo e a indústria, visando reduções, subsídios e até congelamento dos preços. Objetiva-se o equilíbrio entre um nível adequado de liberdade ao mercado – que possa estimular a dinâmica econômica – e a manutenção de alguma forma de controle dos preços para os produtos farmacêuticos que proteja os objetivos sociais. Isso porque, na medida em que se percebe que a liberdade de mercado e suas leis são insuficientes para garantir níveis de preços que permitam a melhoria da eqüidade no acesso aos medicamentos, principalmente para as camadas menos favorecidas da população, torna-se necessária alguma forma de intervenção estatal.
O fomento à competição via preço – com a estratégia dos medicamentos genéricos – e o controle dos preços apresentam-se, então, como as duas principais ferramentas do Estado para intervir em relação a essa importante variável. Todavia, ainda que essas ferramentas não sejam excludentes, as evidências demonstram que uma delas tende sempre a prevalecer em cada país.
Mas, essas mesmas evidências não permitem definir com exatidão qual delas é a mais eficaz. O mais importante é que as políticas implementadas sejam adaptadas a cada realidade e apresentem flexibilidade para adequarem-se à dinâmica e às possíveis mudanças nos processos em implementação, tornando possível o alcance dos resultados sociais almejados.
43 - Professora-investigadora de Medicina Social da Universidade Autônoma Metropolitana-Xochimilco do México.
44 - Refere-se àquela parcela com renda até quatro salários mínimos e que representa 51% do total populacional.
45 - Entre os indicadores sociais, a expectativa de vida do brasileiro aumentou 2,1 anos; o número de domicílios com saneamento cresceu 18,1%; e a mortalidade infantil recuou 22,1%.
46 - Os sistemas de financiamento que envolvam recursos públicos devem orientar-se por uma lista de referência para os preços, pelas prioridades sanitárias locais e por um elenco de medicamentos essenciais. Surgem assim as listas positivas – mais rígidas e que explicitam quais os medicamentos financiados – e as listas negativas – menos rígidas e que explicitam aqueles medicamentos para os quais não há financiamento público. Em alguns países, define-se um valor máximo para reembolso, com base nos preços do mercado local ou internacional.
47 - No Brasil tem sido adotado usualmente o termo "medicina liberal" para definir a prática médica privada individual e autônoma. Assim, convencionamos adotar a mesma terminologia para nos referirmos à atuação dos indivíduos de maneira privada e autônoma no financiamento dos medicamentos, ou seja, com ônus direto para os próprios usuários.
48 - Tomando-se como base o conceito de eqüidade que norteia este trabalho, são passíveis de ampla discussão e questionamentos os critérios adotados pelo Ministério da Saúde para a priorização na alocação dos recursos destinados ao custeio da assistência farmacêutica, assim como a fragmentação na gestão desses recursos. Todavia, vale destacar a efetiva cobertura garantida pelo Governo Federal dos medicamentos específicos para pacientes portadores de HIV/AIDS e na profilaxia primária e tratamento de infecções oportunistas associadas à infecção pelo HIV. Tal programa tem sido, inclusive, objeto de elogios por parte de alguns organismos internacionais.
49 - Além desses componentes do sistema de financiamento público para a assistência farmacêutica, têm-se ainda os gastos estaduais e municipais referentes aos medicamentos de urgência/emergência, assim como à complementação voluntária com recursos próprios dessas esferas de governo, que são alocados para a aquisição de medicamentos. Entretanto, torna-se muito difícil a estimativa do volume total desses recursos, em face à precariedade e baixa confiabilidade do sistema de informações de muitos municípios e Estados.
50 - São considerados equivalentes terapêuticos aqueles medicamentos que apresentam efeitos, em termos de eficácia e segurança, absolutamente iguais e comprovados por testes de biodisponibilidade e bioequivalência.
51 - Tem-se que, em 1990, cerca de 60% dos duzentos medicamentos prescritos com maior freqüência nos EUA não eram protegidos por patentes. Já em 1994, essa proporção estava em torno de 95% (Dukes, 1997).
52 - Não se deve permitir a difusão de concepções equivocadas, como a de que a prescrição e uso de medicamentos genéricos (sem marca) é apropriada somente para as camadas menos favorecidas da população, normalmente associadas aos sistemas públicos de saúde. Essa atribuição de status diferenciado ao produto genérico torna mais difícil a sua aceitação pelos profissionais de saúde e pela população – justamente aquela classe com maior poder de vocalização social.
53 - Deve-se destacar que há diferenças quanto à concepção/conceituação do que se define como medicamento genérico entre esses países e o Brasil. Em termos de América Latina, a concepção de medicamentos genéricos do Brasil é comparável somente à do México, visto que até o presente momento são os únicos que estão exigindo testes de bioequivalência para autorizar a intercambiabilidade para todos os medicamentos que não sejam os de referência.
54 - Esse Decreto determinava, entre outras coisas, a adoção da denominação genérica em detrimento do nome de fantasia em todos os materiais de divulgação e comercialização dos medicamentos. Entretanto, graças a muitos recursos judiciais impetrados pelos laboratórios, o referido Decreto nunca foi cumprido.
55 - Vide anexos.
56 - Quanto a esse quesito em especial, faz-se necessário um estudo mais aprofundado, tendo em vista as várias implicações técnicas, econômicas e estratégicas que tais medidas envolvem.
57 - O Decreto nº 3.841, de 11 de junho de 2001, dá nova redação a dispositivos do Decreto nº 3.675, de 28 de novembro de 2000, ampliando o leque de países cujos medicamentos genéricos terão registro especial concedido automaticamente no Brasil, isentando-os também da obrigatoriedade da realização dos testes de bioequivalência e biodisponibilidade no Brasil. Basta, para fins de comercialização, que seja apenas demonstrado que tais ensaios foram processados nos referidos países em conformidade com as exigências técnicas definidas pela ANVISA.
58 - A fixação de preços de referência pode ser interna ou externa, objetivando a definição dos preços iniciais dos medicamentos produzidos, importados ou comercializados, ou ainda o monitoramento dos reajustes. A referência interna baseia-se no princípio da comparabilidade entre medicamentos com efeitos terapêuticos semelhantes existentes no mercado nacional; a referência externa toma por base o mercado internacional.
59 - Vários estudos e evidências demonstram que as filiais de empresas transnacionais existentes em outros países, seguindo uma orientação geral, costumam superfaturar os preços das matérias-primas importadas de suas matrizes, objetivando inflar seus custos de produção e, com isso, justificar preços mais elevados, reduzir a margem nominal de lucro, reduzir a taxação sobre ele e, acima de tudo, transferir divisas às matrizes sem o pagamento de tributos ao Tesouro Nacional.
60 - Esse Decreto determinava, entre outras coisas, a adoção da denominação genérica em detrimento do nome de fantasia em todos os materiais de divulgação e comercialização dos medicamentos. Entretanto, graças a inúmeros recursos judiciais impetrados pelos laboratórios, o referido Decreto nunca foi cumprido.
Fonte:Tese de mestrado apresentado na ENSP.
Nenhum comentário:
Postar um comentário