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12.26.2008
VICIADOS EM DROGAS NOS EUA SEM TRATAMENTO
Tratamento de vícios nos EUA carece de padronização e eficiência
Hoje, grande parte das pessoas que precisam ficam sem tratamento.
Ninguém publica seus níveis de sucesso na recuperação de dependentes.
Benedict Carey
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O primeiro amor deles pode ter sido o rum, a vodka ou o gim com suco de frutas. Ou talvez a fumaça, a maconha potente que cresce nas montanhas nubladas daqui como musgo em pedra molhada.
Mas isso pouco importa. Aqui em Roseburg, no Oregon, assim como em qualquer outro lugar do país, alguns usuários começam cedo, cedem rapidamente e, no auge compulsivo, chegam a engolir, cheirar, injetar ou fumar o que estiver disponível, de metanfetamina a remédios com receita, passando por heroína e ecstasy. O tratamento, quando recebem, pode parecer uma piada.
"Depois das primeiras vezes que iniciei o tratamento, eles me disseram que basicamente não havia nada que eles pudessem fazer", contou Angela, garota de 17 anos da cidade de Bend, centro de Oregon. No primeiro ano do ensino fundamental, ela já tomava fortes bebidas alcoólicas todos os dias, fumava maconha e provava uma variedade de outras drogas mais pesadas. "Eles achavam que eu não ia conseguir."
Ela tentou programas residenciais por duas vezes, morando longe de casa por três meses cada vez. Nesses momentos, ela aprendeu o quanto seu hábito era perigoso, quanta dor aquilo trazia para as outras pessoas. Angela se esforçou para fortalecer sua relação com os avós, com quem vivia. Ela ficou limpa por dois meses após o tratamento.
"Depois, voltei", contou a garota em uma entrevista. "Depois de um tempo, sabe como é, você começa a sentir falta dos amigos."
Todos os anos, os governos federal e estadual gastam mais de US$ 15 bilhões, e os planos de saúde pelo menos US$ 5 bilhões a mais, em tratamentos para a dependência de substâncias para mais de quatro milhões de pessoas. Essa quantia pode aumentar drasticamente em breve: ano passado, o Congresso aprovou a lei de paridade de saúde psicológica, que, pela primeira vez, inclui o tratamento contra o vício sob uma lei federal exigindo dos planos de saúde a cobertura de tratamentos psicológicos e físicos em níveis iguais.
Muitas clínicas por todo o país possuem listas de espera, e pesquisadores estimam que cerca de 20 milhões de americanos possíveis beneficiários do tratamento não chegam a recebê-lo.
Ainda assim, poucos programas de reabilitação têm evidências de serem eficazes. As clínicas privadas em resorts e spas geralmente não permitem que pesquisadores de fora verifiquem suas taxas publicadas de casos de sucesso. Os programas com apoio governamental gastam seus escassos recursos em cuidados ao paciente, não em estudos dispendiosos.
Essa área não tem diretrizes padronizadas. Cada programa tem sua própria filosofia; por isso, os conselheiros individuais também. Ninguém sabe qual abordagem é a melhor para cada paciente, pois esses programas raramente monitoram os clientes de perto depois que eles os concluem. Até os Alcoólicos Anônimos, o programa de dependência de substância mais conhecido, não publica dados sobre a taxa de sucesso de seus participantes.
"O que temos nesses país é um modelo 'máquina de lavar' de tratamento contra o vício", afirmou A. Thomas McClellan, diretor executivo da organização sem fins lucrativos Treatment Research Institute, baseada em Filadélfia. "Você vai para o Shady Acres por 30 dias, ou a alguma clínica para 60 visitas ou 60 doses, não importa. Depois você é liberado, todo mundo chora, se abraça, fica orgulhoso – você teoricamente está curado."
Ele acrescentou ainda que "na verdade, não importa se você é uma estrela de cinema indo para algum resort à beira-mar ou um sem-teto. O sistema não funciona bem para o que, no caso de muitas pessoas, é um problema crônico, recorrente."
Nos últimos anos, governos estaduais, patrocinadores da maioria das despesas de serviços de dependência, têm estado cada vez mais preocupados. Alguns, incluindo Delaware, Carolina do Norte e Oregon, têm buscado formas de tornar os programas mais passíveis de prestar contas. A experiência de Oregon, que tomou a medida mais direta e agressiva, ilustra a promessa e os riscos de tentar injetar ciência em tratamentos contra dependência.
Tratamentos com base em evidências
Em 2003, a Legislatura de Oregon ordenou que programas de reabilitação beneficiados por fundos estaduais usem práticas baseadas em evidências – técnicas comprovadamente eficazes em estudos. A lei, introduzida gradualmente ao longo de vários anos, teve o objetivo de melhorar os serviços, para que dependentes como Angella não sejam condenados a uma vida de reabilitação, repetindo o mesmo tipo de aconselhamento não eficaz utilizado no passado – ou caindo em problemas piores ainda.
"Você pode passar por vários programas só fingindo", disse Jennifer Hatton, 25 anos, de Myrtle Creek, Oregon. Ela bebeu e foi usuária de drogas por muito tempo, mas abandonou o vício há dois anos, somente após ter sido presa e enfrentar a possibilidade de perder a guarda dos filhos. "Foi o que funcionou para mim – meus filhos –, mas gostaria de não ter chegado a esse ponto."
Quando praticada de forma precisa, as terapias baseadas em evidências dão aos usuários chances melhores de quebrar um hábito. Entre as terapias, estão drogas prescritas, como naltrexone, para dependência de álcool, e buprenorfina, para dependência de narcóticos, que, segundo estudos, podem ajudar as pessoas a abandonarem esses hábitos.
Outra terapia é a chamada entrevista motivacional, um método com o objetivo de fortalecer o compromisso dos clientes após iniciar o tratamento. Na EM, como é conhecida, o conselheiro, através de um questionário especializado, leva o dependente a explicar por que ele tem um problema, e por que é importante abandoná-lo, além de estabelecer metas. Estudos apontam que quando os clientes marcam sua trajetória dessa forma – em vez de ouvir o discurso de um conselheiro, como em muitos programas tradicionais – eles permanecem mais tempo no tratamento.
Técnicas de psicoterapia na qual as pessoas aprendem a antecipar e tolerar o nervosismo ou a melancolia também estão na lista. Existe também a terapia de comportamento cognitivo, na qual os dependentes aprendem a questionar suposições que reforçam seus hábitos (como "Eu nunca vou fazer amigos que não usam drogas") e participar de atividades não-relacionadas a drogas e interesses criativos.
Para Angella, esse tipo de aconselhamento fez a diferença. Ela passou vários meses em um programa administrado pelo Adapt, um centro de tratamento da dependência aqui em Roseburg, uma pequena cidade a cerca de 280 km de Portland.
No tratamento, Angella disse ter aprendido como "lidar com e sentir" sensações ruins sem recorrer à bebida ou às drogas; e a mergulhar em projetos criativos, como colagem e pintura. O programa a ajudou a restabelecer o relacionamento com seu pai e a se matricular no colégio, cujas aulas começam em janeiro.
"Quero ser professora e uma pessoa do programa está me orientando quanto a isso", contou a garota em uma entrevista. "Esse é o plano, sair e deixar para trás minha vida antiga".
Um amigo dela do programa, Alex, um garoto de 16 anos de Roseburg, contou que a terapia o ajudou a monitorar seus próprios altos e baixos emocionais, sem ser devastado por eles. Os conselheiros "sempre nos perguntam sobre nosso nível de estresse, nossa raiva, então nós ficamos mais conscientes e temos uma idéia melhor do que fazer com esses sentimentos", ele disse.
Segundo um relatório estadual concluído no mês passado, quase 54% do orçamento de Oregon de US$ 94 milhões para serviços de tratamento a dependentes agora é direcionado a programas que empregam técnicas baseadas em evidências. A taxa estimada antes do repasse era de 25 a 30%. O estado ainda não analisou o impacto dessa mudança nos clientes.
"Antes do repasse, a maioria dos programas teve algumas práticas baseadas em evidências, e desde então tem havido um interesse e uma conscientização muito maior em relação a essas práticas", disse Traci Rieckmann, pesquisadora de saúde pública da Oregon Health and Science University, que está monitorando a implementação dessa nova diretriz com o apoio da Fundação Robert Wood Johnson e dos Institutos Nacionais de Saúde. Mesmo assim, o interesse e a conscientização podem não se traduzir em boas práticas, e Rieckmann afirma não estar de todo claro quantos programas de reabilitação que alegam usar técnicas baseadas em evidências realmente o fazem de forma precisa. Cerca de 400 programas recebem recursos estaduais, e a maioria deles são unidades pequenas e rurais que já se esforçaram para oferecer aconselhamento, sem mencionar o pagamento de treinamentos dispendiosos.
"Estamos falando de terapias, como a terapia de comportamento cognitivo, isso leva tempo para aprender", afirmou John Gardin diretor de pesquisa e saúde comportamental do Adapt em Roseburg, que viaja por todo o país para ensinar as técnicas. "A maioria dos locais não tem uma pessoa como eu para fazer o treinamento, então eles recebem dois ou três dias de treinamento, no máximo; e isso não é suficiente".
Em estudos, analisando centenas de programas do país, pesquisadores descobriram um abismo similar entre o que os programas querem fazer e o que realmente podem fazer. "Por exemplo, a maioria dos programas não tem um médico formado na equipe", explicou Aaron Johnson, sociólogo da Universidade da Geórgia, que conduziu muitos dos estudos. "Sem isso, é claro, não se pode receitar nenhum medicamento".
Choque cultural
Tim Hartnett, diretor executivo de um programa de tratamento de Portland chamado CODA Inc., realizador de suas próprias pesquisas sobre resultados de pacientes, disse que o repasse subiu o nível das discussões em todo o estado, mas a verdadeira reforma significa "um sistema integrado para monitorar clientes quando eles saem do tratamento residencial para o tratamento ambulatorial, e isso define metas mais claras" para o que uma pessoa deve esperar de cada tipo de programa.
"Nossa meta no CODA é criar um sistema de assistência usando práticas baseadas em evidências na dose certa e no tempo certo", disse Hartnett. "Como muitas doenças crônicas, descobrir a dosagem e o tempo adequado é essencial".
Para alguns dependentes, um programa típico pode não ajudar nem um pouco, segundo Anne Fletcher, que, para seu livro "Sober For Good", entrevistou 222 homens e mulheres limpos há pelo menos cinco anos. "Muitas dessas pessoas superaram um problema de alcoolismo sozinhas, ou com a ajuda de terapeutas individuais", contou Fletcher.
Para complicar a questão em Oregon, o repasse estadual deu margem a um tipo de choque cultural entre os favoráveis à reforma – pesquisadores acadêmicos, oficiais do governo – e conselheiros veteranos que trabalham na trincheira, muitos deles tendo superados eles próprios seus vícios e não apreciam a idéia de pessoas de fora lhes dizerem como fazer seu trabalho.
"Sou conselheiro, e também ficaria na defensiva: 'O que você está dizendo? Tudo isso que tenho feito minha vida toda está errado?'", disse Brian Serna, diretor de serviços ambulatoriais do Adapt, que viajou por todo o estado para monitorar o uso de práticas científicas. "Então o desafio é construir uma ponte entre o que a ciência afirma ser eficaz e o que as pessoas já estão fazendo".
Uma forma de fazer isso, alguns especialistas acreditam, é combinar práticas baseadas em evidência com "evidências baseadas em práticas" – os resultados que programas e conselheiros podem documentar, com base em seus próprios trabalhos. Em 2001, a Divisão de Abuso de Substância e Saúde Psicológica de Delaware começou a oferecer incentivos ou bônus a programas de tratamento se eles atingissem certas metas. As clínicas poderiam ganhar bônus de até 5%, por exemplo, se mantivessem uma alta porcentagem de dependentes dando entrada pelo menos semanalmente e garantissem que esses clientes atingissem seus objetivos parciais, medidos por testes de urina, e como eles se saíram na vida diária, na escola, no trabalho, em casa.
Até 2006, os programas de reabilitação do estado operavam a 95% da capacidade, contra 50% em 2001 e 70% dos pacientes freqüentavam sessões regulares de tratamento, contra 53%, segundo uma análise publicada no verão passado no Health Policy.
"Basicamente, demos a eles uma lista de práticas baseadas em evidências e dissemos para escolher as que gostariam de usar", contou em entrevista Jack Kemp, ex-diretor de serviços para abuso de substâncias de Delaware. "Ficou a cargo deles decidir o que usar".
Para aqueles que estão tentando não usar drogas, não importa muito o quanto os serviços de reabilitação melhorem – desde que isso aconteça a tempo. "Honestamente, não nos importamos como ou por que algo funciona para nós", disse Hatton, a mulher de 25 anos de Myrtle Creek, Oregon. "Só importa que funcione".
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