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2.20.2010

Polemica. A inteligência pode ser herdada? (Artigo)


Ciência e consciência *
Jacques Edgard François D’adesky **

O cientista James Watson, co-descobridor da estrutura do DNA e ganhador do Nobel de Medicina, afirmou recentemente ser “inerentemente pessimista em relação ao futuro da África”, porque “todas as nossas políticas sociais são baseadas no fato de que a inteligência deles é igual à nossa, quando todos os testes dizem que não é bem assim”.

Ainda que James Watson tenha procurado desmentir suas declarações, ele não foi o primeiro cientista de renome a se equivocar sobre o caráter hereditário da inteligência. O biologista austríaco Konrad Lorenz, Nobel de Medicina em 1973, havia aderido ao nazismo durante a Segunda Guerra Mundial. O físico americano William Shockley, laureado com o Nobel em 1956, usou sua notoriedade para sustentar teses sobre a desigualdade das raças, chegando a propor a criação de um banco de espermas de cientistas com vistas a fecundar mulheres dotadas de elevado quociente intelectual (QI).

Tais evidências nos levam a ponderar que mesmo os mais brilhantes cientistas nem sempre conseguem escapar aos preconceitos e outras crenças irracionais.

Ninguém pode viver enclausurado em seu laboratório, criando ao redor de si um mundo à parte. Sejamos cientistas, políticos, religiosos ou pessoas ordinárias, refletimos a sociedade em que vivemos e manifestamos, por vezes abertamente, os nossos preconceitos.


Contribuímos dessa maneira para alimentar estereótipos de toda sorte: os paulistas pensam somente no trabalho; os cariocas vivem na praia; os baianos são lerdos e preguiçosos.

Afirmações racistas e tendenciosas, quando veiculadas por eminentes cientistas, se revestem de maior importância, mesmo que desprovidas de comprovação.

Numa primeira instância, podem influenciar outros cientistas, condicionando opiniões e influenciando linhas de pesquisa.
Adicionalmente, por partirem de um meio em que se espera responsabilidade na formulação de hipóteses e rigor na comprovação de teses, acabam por ter forte impacto na opinião pública, criando a ilusão de que constituem verdades absolutas.



O incidente mostra a necessidade de dar maior espaço à formação científica humanista, em que a pesquisa multidisciplinar permite alargar o horizonte do conhecimento.

Watson aprenderia assim que a pesquisa jamais é neutra, pois nunca se realiza em uma torre de marfim, livre de qualquer determinação. Compreenderia que o trabalho científico é conduzido por homens e mulheres que não têm como fazer abstração de suas bagagens afetivas, sociais, históricas e culturais.

Não se trata de negar que os genes estão ligados à nossa capacidade intelectual. O que se deve observar é que não existe um gene único, isoladamente relacionado à inteligência, mas um grande número de genes que interagem, de forma estreita e constante, com o meio socioeducativo e cultural.

Trabalhando com o método científico de comprovação empírica dos fatos, é possível verificar que a inteligência não se restringe à capacidade específica de um indivíduo para resolver testes de QI, em geral inadequados para pessoas ou grupos vivendo fora do mundo ocidental.

Se relacionarmos o conceito de inteligência à capacidade de adaptação a um meio ambiente inóspito, como o deserto do Saara, poderemos constatar que os ocidentais terão dificuldades, enquanto os tuaregues do deserto estarão em melhor situação, tendo em vista sua capacidade de se adaptar ao calor, assim como os inuits, que exibem grande maestria em buscar soluções criativas para garantir sua sobrevivência sob temperaturas extremamente baixas.

A ciência sem consciência foi a principal responsável pela elaboração das teorias racistas durante cerca de três séculos, ao longo dos quais buscaram justificar as ações do colonialismo, escravidão, apartheid e holocausto.

Felizmente, ciência e racismo não estão hoje inelutavelmente entrelaçados. A análise do genoma humano confirma, ao mesmo tempo, a unicidade e a diversidade da espécie humana. Os seis bilhões de indivíduos que povoam o planeta possuem o mesmo patrimônio genético, com algumas ínfimas variações quantitativas, tênues e extremamente complexas.

Do ponto de vista cultural, os grupos raciais resultam de uma idéia construída a partir de elementos que podem ser os traços físicos, mas também os costumes sociais. O aspecto mais ou menos escuro da pele depende de um pigmento, sempre presente, mas em quantidade variável no corpo humano.

Do ponto de vista da genética, seria ilusório pretender estabelecer limites ou fronteiras entre as raças. O cientista com consciência sabe perfeitamente que somos todos humanos, demasiado humanos.

* Artigo publicado na Folha de S. Paulo

** Pesquisador africano vinculado ao Centro de Estudos das Américas da Universidade Cândido Mendes e coordenador do Programa Sul-Sul do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais

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